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sábado, 10 de setembro de 2016

A quem interessa o analfabetismo no Brasil?


“A nação não sabe ler. (...) Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles, é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer, nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.” 

As palavras acima são de Machado de Assis em meados do século XIX e é atual por refletir a intencionalidade de perpetuar o analfabetismo no Brasil. Além da utilização do analfabetismo para motivos eleitorais, Anibal Ponce, escritor e filosofo argentino, nos ajuda nesta reflexão quando afirma que: o Estado necessita de “um povo manso e resignado, respeitoso e discreto, um povo para quem os patrões sempre tenham razão. (...) Só um povo ‘gentil e meditativo’ é que poderia suportar sem ‘discussão’ a exploração feroz. E esse povo de que o Estado necessita é o que a escola se apressa em preparar”. Esse mesmo povo que para as classes dominantes não precisa aprender a ler e escrever, também precisa acreditar que não sabe nada. 

A sociedade Brasileira necessita de políticas de inclusão e qualificação, para ensinar a ler e escrever aos pequenos aprendentes e àqueles que não aprenderam na idade própria. O analfabetismo é uma expressão descrita como “processos de exclusão sociocultural, uma vez que não saber ler e escrever não afeta a competência intelectual ou o discernimento moral dos sujeitos”, porém, causa uma incompletude cultural que abarca todos os fazeres do ser humano. Preocupar-se com essa incompletude é relevante para todos que querem um país sem amarras. 

Em 1872, quando se realiza o primeiro censo nacional, o índice de alfabetizados é apenas de 17,7% entre pessoas de cinco anos e mais. Segundo os dados do CEALE (Centro de Alfabetização Leitura e Escrita da UFMG) a partir do século XX, esse índice vai sempre progredir, embora permaneça, até 1960, inferior ao índice de analfabetos, que constituem 71,2% em 1920, 61,1% em 1940 e 57,1% em 1950. Em 1960, pela primeira vez, conseguimos inverter a proporção: contamos então com 46,7% de analfabetos. A partir de então as taxas caem sucessivamente, 1970 a 2000, para 38,7%, 31,9%, 24,2% e 16,7%. 

Os analfabetos funcionais também estão na casa dos milhões, eles são a prova do fracasso do nosso oneroso sistema escolar. São também a prova de como a propaganda do Estado é precisamente para esconder o fracasso econômico e político do país e mostrar que há crescimento e igualdade para todos. Mesmo assim, os dados não conseguem esconder o problema do analfabetismo. Em última pesquisa realizada pelo IBGE é revelado que um em cada cinco brasileiros são analfabetos funcionais, o INAF (Instituto Nacional de Analfabetismo Funcional) fala em 75% da população brasileira. 

Um século após as palavras de Machado de Assis, o entusiasta da educação - Darcy Ribeiro incomodado com o fracasso escolar, expõe: “O fracasso educacional não se explica, obviamente, pela falta de escolas – elas aí estão, numerosíssimas – nem por falta de escolaridade, uma vez que estão repletas de alunos, sobretudo na primeira série, que absorve quase metade da matrícula. Muitos fatores contribuem para este fracasso. (...) A razão causal verdadeira não reside em nenhuma prática pedagógica. Reside, isto sim, na atitude das classes dominantes brasileiras para como o nosso povo. (...) A criança das classes abonadas que têm em casa quem estude com ela, algumas horas extras, enfrenta galhardamente esse regime escolar em que quase não se dá aulas. Ele só penaliza, de fato, a criança pobre oriunda de meios atrasados porque ela só conta com a escola para aprender alguma coisa. Aqui está o fulcro da questão: nossa escola fracassa por seu caráter elitista. (...) O pequeno favelado comendo pouco e mal, cresce raquítico. (...) Toda sua inteligência está voltada para a luta pela sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma eficácia incomparável” 

Quem são os milhões de analfabetos produzidos pelo sistema de ensino brasileiro? São os pobres que necessitam vender sua força de trabalho desde muito cedo. Garantir o acesso à instrução escolar é uma dívida histórica com os milhões de cidadãos privados deste direito. O processo de desenvolvimento da sociedade brasileira não tem dado suporte para que as condições mínimas de sobrevivência das classes populares sejam garantidas. Juntamente com questões básicas, como alimentação, moradia, trabalho, lazer está a instrução escolar. 

Mais uma vez, recorremos à Darcy Ribeiro para encerrar essa reflexão: “Uma classe dominante feita de senhores de escravos ou de descendentes deles é uma classe enferma que carrega em si, a herança hedionda dos gastadores de gente. Para este patronato, o negro, o escravo e, por extensão, o preto forro e ainda todo povo, é uma mera força de trabalho, é uma massa energética desgastável, um carvão humano que se queima na produção. (...) Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, gente comum, os trabalhadores, são uma mera força de trabalho, destinada a ser desgastada na produção.”

Referências:

ASSIS, Machado de. História de 15 dias. In: COUTINHO, Afrânio (org). Machado de Assis, obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1997, p.344;

CEALE, Orientações pra a organização do Ciclo inicial de Alfabetização, número 1, Belo Horizonte, 2004;

FERRARO, Alceu Ravanello - Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos? Educação e Sociedade, Campinas, vol.23,n.81,p.21-47, dez.2002;

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo, Cortez; 1996; e

RIBEIRO, Darcy. O livro do CIEPs, Rio de Janeiro, Governo do Estado; 1986.

Por ANA PAULA SANTANA


















-Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais;
-Participou da implementação do Programa Brasil Alfabetizado/MEC/FNDE em Belo Horizonte, atuando com o planejamento das ações, coordenação de turmas e formação de professores alfabetizadores;
-Coordenou a implementação de turmas de alfabetização de trabalhadores da construção civil em conjunto com movimentos sociais no Estado de Minas Gerais;
-Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de diretores do Centro Integrado de Apoio ao Trabalhador.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

35 partidos representam uma democracia saudável?


Vejamos: 

O Brasil é como um doente com muitas chances de cura, mas tem 35 médicos especialistas na mesa de operação onde cada um tem uma técnica para realizar essa operação delicada. Cada técnico dessa bancada tem um ideal de continuar na condição que lhes renda segurança, transporte, saúde, prestígio, cargos , verbas e quando sempre que possível, PIXULECOS, e, sendo assim esse paciente chamado Brasil ficará sempre nessa mesa de operação aguardando uma decisão que não lhe arranque pedaços desnecessários. 

Para muitas pessoas esse multi partidarismo é uma representatividade da pungência de nossa democracia. É vibrado em alto e bom som como uma conquista pós período da ditadura militar, pós evento conhecido como DIRETAS JÁ, e pós a promulgação da nova constituição celebrada aos quatro ventos como moderna.

A mente da sociedade brasileira pode ser comparada a um copo cheio d'água onde não cabem novas ideias e novos ideais, e em alguns momentos como uma esponja no deserto que absorve qualquer água podre que lhe apareça à frente. 

Posto isso podemos dizer sem medo que nós brasileiros estamos fadados ao fracasso financeiro, moral e eleitoral, pois nossa cultura favorece que espertalhões nos induzam a acreditar em falácias eleitorais, propagandas magistrais, onde engôdos e tramoias passam despercebidas, pois como o universo de escolha é muito amplo, nossos políticos migram de um partido ao outro, mas tenham certeza que seus ideais eles carregam consigo.

Tem uma máxima tupiniquim que relata que nós nada criamos e tudo copiamos. Mas só copiamos o que não presta. Exemplos bons nós desdenhamos deles.

Observemos o mundo lá fora. Sim, existe um mundo lá fora. Esses 35 partidos atormentam nossas mentes ao ponto de algumas pessoas duvidarem de nossa democracia. Não é a nossa democracia que é um sistema falido. É a nossa maneira de entende-la e usa-la que nos permite tanto sofrimento. Nós não aprendemos ainda que uma democracia saudável necessita de ações saudáveis em todos os pontos de vista possíveis. E que em uma democracia saudável não se elege e reelege um candidato apenas pelo que ele fala que vai fazer ou por feitos sempre exponencialmente relatados sob a ótica do próprio interessado.

Observem como se dividem as Câmaras de Deputados ou órgãos equivalente no mundo:

-Brasil: 28( ou 35?) partidos - 513 cadeiras;
-França:14 partidos - 577 cadeiras;
-Argentina: 37 partidos - 257 cadeiras;
-Reino Unido: 13 partidos - 649 cadeiras;
-Chile: 9 Partidos -120 cadeiras;
-México: 9 Partidos - 500 cadeiras;
-Rússia: 4 Partidos - 450 cadeiras;
-EUA: DOIS PARTIDOS - 434 cadeiras e
-Cuba: UM Partido -612 cadeiras. 

No caso específico do Brasil poderemos observar nitidamente que somente PT com 68 cadeiras, PMDB com 66 cadeiras, PSDB com 54 cadeiras, PP com  38 cadeiras, PSD com 36 cadeiras, PSB com 34 cadeiras, PR com 34 cadeiras e PTB com 25 cadeiras, totalizam 355 cadeiras, representando 8 PARTIDOS . Onde as 158 cadeiras restantes são vaporizadas nos 25 partidos restantes, onde estarão sempre dispostos a negociarem suas almas para se manterem no poder e bem próximo dele, transformando o habitual BALCÃO DE NEGÓCIOS em uma bolsa de valores financeiros e morais decadentes.

Se me permitem a observação, vejam que para governar ou desgovernar os Últimos mandatários foram obrigados a criarem 39 ministérios, onde alguns são um mistério que servem apenas para alimentar a gana e a fome desses 25 partidos que fazem o diabo para não sair e o inferno para entrar na mamata...

Em uma democracia é salutar que haja a ALTERNÂNCIA em todos os níveis para que sejam evitados os conluios contínuos e a permanência de um sistema fraudulento como o que vemos aqui no Brasil.

Penso que, temos uma máquina gigantesca que emperra e encarece todos os nossos objetivos rumo ao primeiro mundo. Que existem dois Brasis onde um trabalha e produz, pagando tudo de tudo e o outro como zumbis são manipulados e conduzidos por espertalhões do marketing político e por políticos de almas sujas, com os mesmos discursos e propagandas, e se contentam com mortadela. Sim, a outra parte dos vivaldinos de carreira, só se movimentam através de cargos, verbas, fundo partidário, e quando sempre que possível, PIXULECOS. O Brasil, bem...

Nosso país tem conserto. Nossa nação precisa entender que existem 35 partidos ávidos em se manterem no poder. Que eleger e reeleger um candidato,apenas baseado nas suas falácias e discursos, sem se aprofundar na sua carreira e sua índole, estaremos fadados ao fracasso financeiro e moral.

35 partidos no Brasil é uma quimera democrática...

Fontes

Honorable Cámara de Diputados de la Nación (Argentina), Câmara dos Deputados (Brasil), U.S. House of Representatives (EUA), Camara de Diputados de Chile (Chile), Asamblea Nacional del Poder Popular (Cuba), Assemblée Nationale (França), Cámara de Diputados (México), UK Parliament (Reino Unido), The Levada Center of Moscow (Rússia) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Por  ÁLVARO MARCOS SANTOS







-Microempresário na área de prestação de serviços e
-Autodidata formado pela Faculdade da Vida

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Sempre “agosto”...


A partir de hoje sendo relançada essa seção que será postada em toda segunda 5ª feira de cada mês.A sua primeira postagem nessa nova fase é o artigo postado na Sala de Protheus! em https://epensarnaodoi.blogspot.com.br/

Sempre “agosto”...


“Quem em março come sardinha, 

em agosto lhe pica a espinha”.

Ditado português

Fiquei propositalmente “fora do ar” todo o mês de agosto por uma razão muito especial. Não queria ser um contribuinte responsável por mais uma “zica”, que este mês tem frequentemente contribuído para escrever algumas das páginas mais vergonhosas ao longo da nossa história. Mas, aos costumes, agosto não falhou, ou será que são nossos governantes que tem uma especial predileção atávica em “se ferrarem” nesse mês?


Mais uma vez agosto não decepcionou e veio a gosto.
Assistimos na semana passada no processo de impeachment da Presidente Dilma Vana Rousseff um atentado à Lei Máxima do Brasil e “alterou-se” a CF 88 através de um DVS – Destaque de Voto em Separado numa “penada só”, ou seja, uma decisão colegiada do Senado Federal teve a força de uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional”, que precisa ser votada em dois turnos em ambas as Casas do Congresso.



Da mesma forma, será que o Papa poderia, se decidisse, “alterar” a interpretação do Nono Mandamento. Não cobiçarás a mulher do próximo, a menos que o próximo não esteja MUITO próximo. O "papa" Ricardo Lewandowski não só aconselhou, como manobrou a favor do adultério, trincando as “pedras da lei".Não só se rasgou a Constituição, mas as páginas arrancadas foram usadas como“papel higiênico jurídico” para limpar a bunda dos senadores e depois serem jogadas na cara do cidadão.

Como diz o título, não é que as crises sejam marca de agosto, o mês, o que marca é que as “soluções mágicas” encontradas sempre são a gosto ... dos políticos. Principalmente dos enrolados na Lava a Jato, que por precaução, já criam antídotos para o “veneno da lei”. Ou será, que Renan Calheiros, Eduardo Cunha, outros trinta e tantos senadores e pelo menos quase duas centenas de deputados, isso sem contar a possibilidade de alguns magistrados da Suprema Corte, não estariam preventivamente “legislando em causa própria” para salvarem os “próprios rabos”

O ex-senador, cassado, Delcídio Amaral já pleiteia o mesmo direito e interpretação da lei. Não importa que essa outra lei seja a Ficha Limpa. Se mudaram a Constituição, que é a lei que prevalece sobre todas as leis, por que não mudar uma “leizinha de iniciativa popular”?
Fala-se muito em uma Reforma Política, que venha a equilibrar a representatividade e a disciplinar e moralizar todo o processo eleitoral, mas a meu ver a reforma mais importante é do conceito de que “pau que bate em Chico, também bata em Francisco”, ou seja, as leis tenham igual interpretação e consequência para todos. Caciques e índios dançando em redor da mesma fogueira.

Depois que isso estiver muito bem ensinado e aprendido, duvido que qualquer outra reforma seja difícil de ser implementada e que finalmente o Brasil possa ser considerado um país sério. Essa desconfiança mundial é atribuída exclusivamente à “insegurança jurídica” criada por nossos legisladores em favor da sua impunibilidade, tanto quanto a seu comportamento político, como para livrá-los do peso da lei frente às falcatruas, que cometem.
Esse é o verdadeiro “vem pra rua”, que deve mobilizar a cidadania. Caso não tenha efeito, que venha a “desobediência civil”. Se não fizer efeito, o que virá? ...
Uma guerra civil? Ou nova intervenção militar?
A escolha será sempre nossa ...

Entendimentos & Compreensões
De Antônio Figueiredo
Escritor paulista. Autor da obra 
Recém lançada: Voto Distrital - Este Me Representa.
Editora Garcia Edizione - 2016 - SP
#PEDIDOS http://tonifigo1945.com 
www.facebook/tonifigo1945
Arquivos da Sala de Protheus
ww.epensarnaodoi.blogspot.com.br

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Ilegalidade da Retenção Integral do Salário

Tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, na qual é assegurado ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, nada há que justifique a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade ou parte significativa do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de créditos rotativos, empréstimos ou limite de cheque especial.

Nos termos do inciso IV do artigo 833 do Código de Processo Civil:

“São IMPENHORÁVEIS: os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; "
Temos assim que comete ato ilícito a instituição financeira que, sem autorização, bloqueia a totalidade dos rendimentos mensais do correntista para pagamento de dívida. Nestes termos, o ato ilícito em questão poderá ser apto a gerar indenização por danos morais, tendo em vista que a correntista/consumidora está sendo injustamente privada do seu único meio de subsistência, sendo impossibilitado de suprir as suas necessidades básicas e as de sua família, como moradia, alimentação e saúde.

Nesse sentido, também leciona Nehemias Domingos de Melo:
"dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica". (MELO, 2004, p. 9)

Como bem explicado pelo Doutrinador Gonçalves, “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.

A angústia, a preocupação e os sentimentos proporcionados por situação de injustiça, ilegalidade e impotência são inegáveis. Tudo isto traz alterações de ânimo que devem ser entendidas como dano moral.

No entendimento do referido Tribunal, mesmo que haja permissão para débito de uma parcela, resta caracterizado o dano moral decorrente da apropriação do salário pela instituição bancária.

Sendo o salário indispensável para a manutenção da família, temos ainda que é abusiva cláusula em contrato de abertura de crédito em conta corrente que permite sua retenção para amortização da dívida decorrente do uso do saldo devedor. Assim, mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco-credor para pagamento de empréstimos é ilícita, quer seja em relação à desproporcionalidade do valor em relação ao salário, quer seja pelo fato da instituição bancária não informar em tempo hábil sobre o desconto, pois viola os artigos 1º, inciso III, e 7º, inciso X, da Constituição Federal, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, bem como o artigo 833, inciso IV, do CPC e art. 46 do CDC.
CDC Art. 51- São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
CDC Art 6°: São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
CDC Art. 46- Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Reportando-nos ao Código de Defesa do Consumidor constata-se cristalinamente a relação jurídica existente entre autora e Réu, que submete-se amplamente e sem nenhuma restrição às normas e condições elencadas no referido códice.

A caracterização das instituições financeiras, como fornecedoras, está positivada no art 3°,caput do CDC e especialmente em seu §2°

Art. 2° "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art.3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."
Quanto a ilegalidade, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento. Em decisão proferida no REsp 831.774, o ministro Humberto Gomes de Barros ponderou a ilicitude da ação do banco que, ao valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito pelo empregador, retém o pagamento para cobrir saldo devedor de conta-corrente. Tal medida, como bem destaca o julgado, mostra o exercício arbitrário das próprias razões, eis que os bancos devem se valer das medidas legais cabíveis para recebimento dos créditos.

Se nem mesmo ao Judiciário é lícito o bloqueio de salários, seria a instituição financeira autorizada a fazê-lo? Pelo que observamos da maioria dos julgados analisados, temos que a resposta é negativa.

Vejamos o que dispõe o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

BANCO - RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA COBRIR SALDO DEVEDOR – IMPOSSIBILIDADE. Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo. (STJ - REsp. 831.774-RS – Acórdão COAD 123590 - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Publ. em 29-10-2007)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA PAGAMENTO DE CHEQUE ESPECIAL VENCIDO – ILICITUDE. Mesmo com cláusula contratual permissiva, a apropriação do salário do correntista pelo banco credor para pagamento de cheque especial é ilícita e dá margem a reparação por dano moral. (STJ - REsp. 507.044-AC – Acórdão COAD 110353 - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - Publ. em 3-5-2004)

Do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, temos os seguintes julgados:

CONTA SALÁRIO - CANCELAMENTO DE CONTRATO DE CHEQUE ESPECIAL - UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO DO CORRENTISTA PELO BANCO PARA QUITAÇÃO DE DÉBITO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO - IMPOSSIBILIDADE - AFRONTA À PROTEÇÃO SALARIAL PREVISTA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO - RESTITUIÇÃO DE VALORES QUE SE IMPÕE. O salário se constitui em verba intocável. À entidade bancária não é dado o direito de realizar qualquer débito na conta-salário do correntista, ainda que por decorrência do cancelamento do contrato de cheque especial, por se constituir em ato praticado pelo credor e em seu próprio benefício, como forma de saldar seus créditos sem o devido processo legal. Tendo se apossado de toda a verba salarial do correntista, impõe-se a condenação da entidade bancária em danos morais e restituição dos valores anteriormente apropriados. (TJ-MG – Ap. Civ. 1.0024.08.195640-1/001 – Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata – Publ. em 16-6-2009)
CONTRATO BANCÁRIO - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL - SALÁRIO - DÉBITO EM CONTA CORRENTE PARA PAGAMENTO DE EMPRÉSTIMO. (...) A cláusula contratual que autoriza o banco a se apropriar de dinheiro de salário, mediante débito em conta corrente, em pagamento de empréstimo contraído pelo correntista, viola o princípio da impenhorabilidade absoluta dos recursos oriundos do trabalho, aplicável a qualquer espécie de expropriação. (TJ-MG – Ap. Civ. 1.0024.07.459604-0/005 – Rel. Des. Fábio Maia Viani – Publ. em 17-3-2009)
DÉBITO EM CONTA CORRENTE PROVENIENTE DE SALÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - ART. 7º, X, CF/88 C/C ART 649, IV, CPC - SOMENTE POSSÍVEL MEDIANTE AUTORIZAÇÃO DO CLIENTE - MULTA PELO DESCUMPRIMENTO. Autoriza o art. 7º, inciso X da CF, a proteção ao salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa. Determina o art. 649, inciso IV do CPC, a impenhorabilidade do salário, salvo para pagamento de prestação alimentícia. Sendo o salário impenhorável, só se considera lícito o débito em conta salário, se o banco for autorizado pelo cliente. (TJ-MG – AI 1.0377.07.009713-6/001 – Rel. Des. Nicolau Masselli – Publ. em 15-11-2007)
REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - CHEQUE ESPECIAL - MUTUÁRIO EM MORA - BLOQUEIO DE SALÁRIO. Consoante a proibição contida no art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, é absolutamente impenhorável toda verba decorrente da relação de emprego, seja aquela paga regularmente pelo empregador ou decorrente de prestação de serviços autônomos por profissional liberal, ressalvada a hipótese de pagamento de pensão alimentícia, mormente quando o apontado devedor de cheque especial não tenha autorizado, previamente, o desconto em sua folha de pagamento. (TJ-MG – AI 2.0000.00.474578-8/000 – Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes – Publ. em 26-7-2006)
CONTA CORRENTE - DÉBITO ORIUNDO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO - RETENÇÃO DE VERBA SALARIAL - ILEGALIDADE. A retenção, por parte do banco, de valores da conta corrente do autor referentes à verba salarial para pagamento de operações de crédito realizadas entre ambos é ilegal, e esbarra no comando do art. 7º, X, da CF/88, bem como do art. 649, IV, do CPC. (TJ-MG – AI 2.0000.00.459450-9/000 – Rel. Des. Pedro Bernardes – Publ. em 23-10-2004)
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também protege o consumidor:

BANCO - DESCONTO INDEVIDO EM CONTA SALÁRIO - CONDUTA IMPRÓPRIA - DANO MORAL. A jurisprudência pátria é uníssona ao reconhecer a ilegalidade do desconto de valores provenientes de remuneração existentes nas contas-salário dos consumidores, pois tal ato é considerado abusivo e as cláusulas contratuais que o autorizam são consideradas nulas de pleno direito, conforme preceituado no artigo 51, IV, do CDC. Dano moral in re ipsa. A privação do valor correspondente ao salário importa em violação ao direito à disponibilidade do vencimento por parte da autora. (TJ-RJ - Ap. Cív. 2009.001.01354 – Acórdão COAD 128241 - Relª Desª Renata Machado Cotta - Publ. em 2-2-2009)
BLOQUEIO DE SALÁRIO EM CONTA-CORRENTE - IMPENHORABILIDADE - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA ABUSIVA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO (ART. 14 DO CDC). A conduta de instituição financeira que desconta o SALÁRIO de servidor para fins de quitação de débito, contraria o art. 7º, X, da Constituição Federal e o art. 649, IV, do CPC, pois estes dispositivos visam a proteção do SALÁRIO do trabalhador, seja ele servidor público ou não, contra qualquer atitude de penhora, retenção, ou qualquer outra conduta de restrição praticada pelos credores, salvo no caso de prestações alimentícias. Ademais, impõe-se considerar que a cláusula autorizativa de retenção do saldo em conta corrente, para liquidação ou amortização de dívida, é considerada nula, consoante a regência do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. (TJ-SE – Ap. Cív. 3907/2007 – Relª. Desª. Josefa Paixão de Santana - Julg. em 12-11-2007)
Esta prática é vedada pela Constituição Federal, Código de Processo Civil e Código de Consumidor, pois existem outros meios legais e judiciais disponíveis para evitar uma situação de crise financeira ao correntista.

A legislação brasileira assegura ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, e é exatamente aí que gostaríamos de indagar: o que justifica a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de créditos rotativos, empréstimos ou limite de cheque especial?

Nos termos do inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal.

Não se pode imaginar que a lei vedou ao próprio judiciário a possibilidade de penhorar o salário de um trabalhador, e a instituição realizar diretamente, e na maioria dos casos, sem mesmo um aviso prévio, para que o cliente pudesse se precaver.

A própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso X, garante a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.

A escusa utilizada pelas instituições bancárias é sempre a mesma, alegando que com o objetivo de justificar a retenção de qualquer crédito existente em conta-corrente, os bancos afirmam que quando efetivado o depósito, tal verba deixa de ser caracterizada como salário, sendo, portanto, suscetível de ser utilizada para pagamento de dívidas. Sendo inadmissível a retenção integral de conta-corrente do consumidor.

Por YNGRID HELLEN GONÇALVES DE OLIVEIRA

















-Especialista nas áreas Cível, Criminal e Consumidor;
-Atuação em:
  -Juizados Especiais cível e criminal,     Tribunal de primeira instância, Tribunal de Segunda instância, e Tribunais Superiores;
- Consultoria e assessoria jurídica, acompanhamento processual jurídico e/ou administrativo;- Membro da Comissão de Ciências Criminais- OAB/DF ; e
-Graduada pela instituição de Ensino Icesp/Promove Brasília-DF.
Contatos:
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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Da Discriminação Constitucional da COFINS



DA DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DA “BASE IMPONÍVEL” E “SUJEIÇÃO PASSIVA” RELATIVAMENTE À CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (COFINS) DE CUJA COMUNHÃO DECORRE A IMPOSSIBILIDADE DE INCLUIR-SE O VALOR DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DA CITADA CONTRIBUIÇÃO.

A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi instituída pela Lei Complementar n.º 70/91 já na vigência do atual Sistema Constitucional (CF/88, conforme artigo 195, inciso I) também tendo como base de cálculo o faturamento das Pessoas Jurídicas ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda (artigo 2º e 1º), nesse caso expressamente ratificando e aludindo-se ao conceito proveniente da legislação comercial no sentido daquele respeitar, como no caso do PIS, apenas a “receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”.

Nesse passo já é induvidoso perceber-se que faturamento enquanto base de cálculo ou base imponível da citada contribuição social de seguridade social refere-se unicamente a recursos/receitas próprias que são – e permanecem definitivamente – integradas exclusivamente ao capital/riqueza/acervo econômico-financeiro privado do contribuinte e decorram apenas do exercício da atividade econômica vinculada ao seu objeto social (ditas receitas operacionais), excluídas, assim, aquelas receitas/recursos financeiros que apenas “transitam” em caráter temporário pela posse/detenção do sujeito passivo o qual tem a obrigação legal de, em dado momento posterior, repassar tais importes a quem de direito pertencerem posto constituírem receita própria destinada a integrar patrimônio/cofres de outrem como é o caso do ICMS (cujo montante embora esteja incluído no preço das mercadorias e seja recebido pelo contribuinte “de jure” quando este realiza vendas, deve por este – sujeito passivo – ser repassado/recolhido aos cofres estaduais em momento posterior por força de obrigação que lhe é legalmente imposta nesse sentido) visto tratar-se tal valor de inequívoca receita pública privativa dos estados federativos destinada a integrar exclusivamente o erário/patrimônio estatal desses referidos Entes Tributantes.

Com efeito, já sob a vigência da atual Carta Magna, em 31/12/91 veio a lume a LC 70/91 que instituiu a Cofins com fundamento no artigo 195, I da CF/88 (conforme artigo 1º: “(...) fica instituída a contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal (...)” igualmente tendo eleita como base de cálculo o faturamento (das pessoas jurídicas empregadoras ou a ela equiparadas pela legislação do IR).

Impende salientar que por força da EC n.º 20/98 (DOU 16/12/98) foi dada nova redação ao aludido artigo 195, I da CF/88 

Entretanto, não há que se alegar que a EC n.º 20/98 (e Lei 9.718/98 que pretendeu antecipadamente disciplinar o conteúdo normativo daquela relativamente a Cofins) teria alterado a situação e exigência fiscal aqui combatida (inclusão do ICMS na Base de Cálculo da Cofins) ao imprimir nova redação ao artigo 195 da CF/88 e permitir a incidência de contribuições sociais também sobre “receita” ao par do faturamento enquanto bases imponíveis expressamente discriminadas para recaírem contribuições sociais de seguridade social eis que em ambas as citadas previsões constitucionais de incidência (materialmente quantificada) o pressuposto nuclear da oneração tributária – base imponível – aliado à discriminação constitucional da sujeição passiva dessas exações (empresas ou empregadores) continua a exigir que os valores tributáveis (faturamento ou receita) pertençam exclusiva e definitivamente incorporados ao capital, riqueza, acervo econômico-financeiro próprio e privado “do contribuinte” e nunca, jamais aos “de outrem” (Estados Federativos no caso dos valores referentes ao ICMS) sob pena de violação não só ao núcleo da materialidade/aspecto dimensível da hipótese de incidência (base de cálculo ou base imponível) como também à discriminação constitucional da sujeição passiva desses tributos (artigo 195, I e alínea “b” da CF/88) apenas em relação às empresas ou empregadores, e igualmente ao princípio da Capacidade Contributiva efetiva (artigo 145, §1º da CF/88) na medida em que mantida a inclusão do ICMS na Base de Cálculo da referida contribuição à evidência que o gravame tributário não está a onerar nem recair sobre parcela de capital/riqueza própria e exclusiva do sujeito passivo – e sim de outrem – nesse caso obrigando-se o sujeito passivo a satisfazer/responder pela Cofins com seu próprio patrimônio (e não com seu faturamento ou receita conforme previsão constitucional de base imponível) o que igualmente é vedado pelo artigo 195, §4º c/c artigo 154, I, da CF/88 haja vista tal exigência fiscal caracterizar direta tributação do patrimônio em si considerado. 

Chegamos então ao cerne da necessária investigação jurídica tendente à solução, qual seja, análise da discriminação constitucional da sujeição passiva da contribuição (Cofins) aliada à do alcance do conceito constitucionalmente eleito como base imponível dessa exação. Senão vejamos.Quer à égide da redação originária do artigo 195, I da CF/88 quer à luz daquela que lhe foi conferida por força da EC 20/98 o qual constitui-se desde 03/89 pressuposto de validade da exigência fiscal relativa a Cofins, não restam dúvidas de que:

1) a sujeição passiva foi direcionada e eleita unicamente em relação aos empregadores, empresas ou entidades a ela equiparadas; ao mesmo tempo em que

2) a base imponível discriminada respeitou (e respeita) unicamente aos valores correspondentes ao faturamento ou receita.

Salta aos olhos a necessária ilação que advém da comunhão da sujeição passiva com a base imponível, ambas constitucionalmente previstas, no sentido que esta última – base imponível – só poderá respeitar aos valores de faturamento ou receita auferidos unicamente pelo sujeito passivo da obrigação tributária (em decorrência das operações negociais por ele realizadas) que sejam incorporados em caráter exclusivo e definitivo ao seu próprio e privado capital/riqueza/acervo econômico-financeiro.

A aludida previsão constitucional de incidência vinda no citado artigo 195, I da CF/88 objetiva alcançar unicamente aquela determinada grandeza e parcela econômica-financeira privada do contribuinte (faturamento ou receita) e somente por ele auferida que seja definitivamente agregada ao seu próprio e particular capital/riqueza. 

Essa é a inequívoca tipologia da exação que tenham como pressupostos de validade o comando inscrito no artigo 195, I da CF/88, como é o caso da Cofins.

Outrossim vale lembrar que as expressões vernaculares utilizadas pelo Constituinte no citado artigo 195, I da Lei Maior (Faturamento ou Receita do Empregador ou Empresa) assim como em diversos de seus títulos e capítulos que não se destinam a assegurar direitos individuais devem ser interpretadas em sentido estrito e técnico em conformidade ao já assentado pela mais autorizada Doutrina e Jurisprudência, especialmente aquela emanada do STF nos autos do RE. 166.772-9 no qual o Pretório Excelso, por seu Plenário, em 12/05/94 afastou a incidência de contribuição social sobre valores creditados à pessoas físicas as quais, por não possuírem vínculo empregatício em relação à fonte pagadora, não poderiam perceber salários assim considerado o conceito técnico e estrito deste, e por isso não poderiam integrar a folha de salários do sujeito passivo que por sua vez em relação àqueles não poderia guardar a natureza/qualidade de empregador igualmente considerado este conceito em sentido estrito e técnico segundo formulação advinda do direito do trabalho do qual tais institutos se originam

Tal escorreita exegese das expressões vernaculares inscritas na Lei maior mormente em sede de sistema constitucional tributário proferida pelo pretório excelso no “leading case” em testilha se deve ao fato de que nada obstante a carta magna seja um estatuto principiológico apoiado no elemento sócio-político dirigida a todos os cidadãos do país (devendo por isso ser inteligível aos mesmos), nem por isso se deve entender que sua linguagem, termos e expressões são, todos eles, lançados em seu sentido e acepção “vulgar” ou “coloquial”, antes, pelo contrário, as expressões do Texto Magno são, essencial e primordialmente vazadas em sentido técnico e estrito de modo que, havendo dúvida ou diversidade quanto ao significado do vocábulo, adotar-se-á aquele que expresse o sentido técnico e científico da expressão (conforme advertiu Carlos Maximiliano), em seu clássico “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Ed. Livraria do Globo, 2ª ed., 1933, às pgs. 312/324.

Por isso é que os valores correspondentes ao ICMS ou quaisquer outros que apenas “transitam” em fluxos de caixa e caráter temporário pelas “mãos” do contribuinte sem, contudo, lhe pertencerem ou integrarem definitivamente seu próprio e privado capital/riqueza – haja vista consubstanciarem, no caso do ICMS, receitas públicas dos estados federativos a serem integrados em caráter definitivo aos cofres estaduais – não podem ser incluídos nem considerados como parcela legitimamente integrante da base de cálculo considerada para incidência da Cofins posto tais valores não subsumirem-se ao estrito conceito do que seja faturamento ou receita, os quais hão de ser auferidos exclusivamente pelo contribuinte (empregador ou empresa).

Sendo assim, em conformidade ao comando do artigo 195, I da CF/88, vê-se que o desígnio do Constituinte foi o de onerar a dimensão quantitativa do faturamento ou receita auferida em certo período pelo sujeito passivo eleito a tanto (empresa, empregadores ou legalmente equiparados), impossibilitada, assim, a incidência dos preditos gravames sobre valores que não se incorporem definitivamente à receita/riqueza/grandeza econômica própria, privada e exclusiva da esfera de titularidade do contribuinte, tal como é o caso dos importes representativos do ICMS posto que tal exigência não se coaduna e ofende à expressa previsão constitucional da base imponível e sujeição passiva hospedadas no artigo 195, I da CF/88.

Inobstante as razões de ordem constitucional retro expendidas serem óbices suficientes à prevalência da guerreada pretensão fazendária, cumpre-nos trazer a respectiva legislação infraconstitucional na qual se ampara a pretensão fazendária de ver incluído na base de cálculo da Cofins os valores correspondentes ao ICMS haja vista que os mesmos não foram elencados no rol das exclusões veiculadas pelas citadas legislações, inobstante nas mesmas fosse – e ainda seja – prevista a exclusão dos valores do IPI, substancialmente idêntico ao ICMS, para os fins ora pretendidos. Senão vejamos.

A Cofins, desde seu nascedouro era autorizada de forma taxativa a exclusão das vendas canceladas, descontos incondicionais e dos valores do IPI – mas não os do ICMS – da respectiva base de cálculo daquela, conforme artigo 2º, Parágrafo Único da LC nº 70/91. 

A Lei 9718/98 continuou a não elencar os valores de ICMS como passíveis de serem excluídos da base de cálculo da citada contribuições (embora expressamente o admita quando tais valores forem relativos ao IPI), haja vista o disposto no §2º, I do artigo 3º.

Como se depreende das normas trazidas à colação, sempre foi autorizada expressamente a exclusão dos valores de IPI da base de cálculo da Cofins, inexistindo, contudo, tal permissivo relativamente aos valores de ICMS o que “data venia” não se justifica segundo o rigor acadêmico que se impõem para a exegese necessária à solução desta Lide, haja vista que tanto IPI quanto ICMS são igualmente impostos não-cumulativos recebidos pelo sujeito passivo quando realiza operações mercantis - na qualidade de mero arrecadador e depositário- cujo montante, por dever legal, compete-lhe recolher/repassar aos Cofres Públicos (Federal e Estadual, respectivamente) em momento posterior, não se configurando, em ambos os casos (valores de IPI ou ICMS) receitas/riquezas/grandezas econômico-financeiras próprias, particulares e definitivamente integradas ao patrimônio “do contribuinte”, fato esse exigido constitucionalmente como decorrência da eleição da sujeição passiva e base imponível discriminadas pelo artigo 195, I da CF/88 para legitimar a incidência da contribuição social em comento (Cofins).

Como visto, inexiste motivação jurídica (de ordem científica e rigor técnico) que legitime a distinção de tratamento conferido pelas aludidas legislações infraconstitucionais da Cofins naquilo em que as mesmas autorizam apenas a exclusão dos valores de IPI da base de cálculo da mencionada contribuição, não o fazendo, como seria de rigor, também em relação aos valores do ICMS posto que em ambos os casos (IPI e ICMS) sobre serem tributos substancialmente idênticos, igualmente não se incorporam definitivamente ao patrimônio do sujeito passivo que em relação aos mesmos age apenas como mero depositário e agente arrecadador eis que por dever legal tem a obrigação de recolher/repassar tais importes aos respectivos cofres públicos (federal e estadual) haja vista consubstanciarem receitas públicas destinadas a integrar definitivamente a titularidade patrimonial daqueles entes tributantes, e por isso não se qualificam como receita ou faturamento do contribuinte na exegese que se impõem conferir a tais expressões conforme seus estritos sentidos técnicos, pena de violação ao artigo 195, I da CF/88, sede material da tipologia e conformação da contribuição a Cofins.

A lei 12.973/14 modificou o teor do artigo 12 do decreto-lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, que enunciava:

"A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados".

Nos termos da nova lei, dentre outras novidades, ficou expressamente consignado que incluem-se na receita bruta os tributos sobre ela incidentes (e isso inclui o ICMS). Eis o teor da norma:


"Art. 12. A receita bruta compreende: 
(…) 
§ 5º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art, 183 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º."

Assim a Receita Federal consolidou seu entendimento, com base na lei 12.973/14, que o ICMS integra a receita bruta, por falta de disposição expressa para sua exclusão.

No entanto, o entendimento da Receita Federal não pode prosperar, sob o argumento de que as leis não precisam estabelecer a exclusão expressa do ICMS, visto que o imposto não integra o conceito de receita ou faturamento, por se tratar de valor que embora cobrado pelo comerciante em suas vendas, é automaticamente repassado ao erário estadual.

Portanto a inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins é ilegítima e inconstitucional, pois fere o princípio da estrita legalidade previsto no artigo 150, I da CF/88 e 97 do CTN, o artigo 195, I, "b" da CF/88 e o art. 110 do CTN, porque receita e faturamento são conceitos de direito privado que não podem ser alterados, pois a Constituição Federal os utilizou expressamente para definir competência tributária.

A mesma lei 12.973/14, no seu artigo 52, também alterou o artigo 3º da lei 9.718/98 que trata da base de cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos. O artigo 3º passou a ter a seguinte redação:

"Art. 3º O faturamento a que se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-lei nº 1598, de 26 de dezembro de 1977" (redação dada pela lei 12.973/2014).


Isso significa dizer que a base de cálculo do PIS e da Cofins cumulativos a partir de 2015, segundo a Receita, é a receita bruta considerando os tributos sobre ela incidentes, inclusive o ICMS, agora, por disposição expressa da lei.


Contudo a manutenção da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins é ilegítima e inconstitucional, pois fere o princípio da estrita legalidade previsto no artigo 150, I da CF/88 e 97 do CTN, o artigo 195, I, "b" da CF/88 e o art. 110 do CTN, porque receita e faturamento são conceitos de direito privado que não podem ser alterados, pois a Constituição Federal os utilizou expressamente para definir competência tributária, mesmo no disposto do novo normativo através lei 12.973/14 que modificou o teor do artigo 12 do decreto-lei 1.598, passando a declarar assim expressamente a inclusão na receita bruta os tributos sobre ela incidentes.

Em discussão no Supremo Tribunal Federal, foi levado pela primeira vez ao plenário da corte, processo acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. A maioria dos ministros - seis deles – já votou pela exclusão do imposto.

O caso analisado é recurso (RE n.º 240.785), oriundo de decisão do Tribunal Regional Federal 3ª Região, que entendeu ser constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. O relator do caso, Ministro Marco Aurélio de Mello, votou pela inconstitucionalidade da inclusão, seguido pelos Ministros Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowaki, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluzo e Sepúlveda Pertence, compondo maioria. A favor do fisco votou o Ministro Eros Grau, e com posição favorável ao fisco, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, evitando assim o desfecho do julgamento.

Considerando que a mudança de posição de um Ministro é um evento bastante raro, conclui-se que a questão está na eminência de ser pacificada em favor do contribuinte.


Por fim o debate envolve uma ordem econômica de significativo impacto para a União, e quem dará efetivamente a palavra final é o STF em julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 18/DF), que está sendo analisada a matéria no controle abstrato de constitucionalidade, com efeito vinculante e erga omnes, ou seja, valerá para todos, ou mesmo no Recurso Extraordinário nº 574.706, com repercussão geral já reconhecida, na Corte Suprema.


Por LEONARDO DE ANDRADE










- Advogado, civilista e tributarista especializado na administração de passivo, direito bancário e direito tributário;
- Graduado em Direito – Universidade Paulista – Unip;
- Pós Graduando pela Universidade Mackenzie Processo Civil;
- Responsável pelo:

Contencioso tributário do escritório Hélio Brasil Consultores Tributários;
Departamento jurídico do escritório JCF Contabilidade e Assessoria Empresarial Ltda.;
Departamento tributário do escritório Arcuri & Cimini; e 
- Consultor tributário do escritório Rocha Calderon Advogados Associados.

- Foi consultor da :

IOB THOMSON, 
Fiscosoft Sistemas 
SYSTAX Sistemas.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Caso de corrupção na Siemens:A resposta eficaz às ações antiéticas



Na Siemens pós-2009 pode-se observar ações coletivas que representaram uma resposta eficaz à ações individuais antiéticas e que tiveram como fundamento o programa de Iniciativa de Integridade e o estabelecimento de Diretrizes de Compliance.

Após a crise ética e em decorrência do acordo assinado com o Banco Mundial, lançou-se em 2009 um programa de incentivo à integridade que visava apoiar projetos de organizações que almejem o combate à corrupção através de ações coletivas. 

Além disso, o estudo chamado Turnaround de Empresas com Problemas de Compliance – O Caso Siemens (2015), autoria de Nadine Corrêa Machado Fonseca, revelou que foram estabelecidas 12 diretrizes de compliance visando combater as fraudes e os atos de corrupção na empresa, são elas:

1) Código de Conduta Profissional: Contém normas precisas sobre compliance das leis em concorrências e situações de corrupção (entre outras), além de normas a respeito de doações e presentes, como evitar conflitos de interesse no fornecimento de serviços, proibição de uso de informações privilegiadas e proteção dos ativos da empresa.  
2) Patrocínio, doações, associações e outras contribuições sem contrapartida: A finalidade deste regulamento é ter uma separação clara das atividades de negócio e da cidadania corporativa, engajamento de partes interessadas e as atividades de marketing. 
3) Presentes e hospitalidades: Apesar de presentes e convites serem habituais no dia a dia, eles não podem exceder certos limites. Todos os colaboradores são obrigados a observar as diretrizes internas sobre este assunto. 
4) Ferramentas e Sistemas: - Scorecard, deve ser utilizada para registrar oferecimento/recebimento de brindes e refeições à terceiros (de preferência antes do ocorrido), sendo que, para pessoas do Governo ou relacionadas, o uso é Obrigatório. - SpoDoM, deve ser utilizada para obter a aprovação Antes do oferecimento de: Eventos de Entretenimento, Viagens, Hospedagens, Patrocínios, Doações, Associações e Outras Contribuições sem Contrapartida. Essa aprovação é solicitada e concebida por meio da ferramenta. 
5) Compliance e proibição da corrupção no setor público: Uma diretriz interna fornece regras complementares sobre como lidar com os negócios da empresa na tratativa com os funcionários públicos. Gestores e colaboradores são obrigados a evitar até mesmo a aparência de má fé e impropriedade.
6) Projetos de negócios: Na tomada de decisão de proceder com um determinado projeto, a empresa avalia sistematicamente critérios legais, éticos, técnicos, econômicos, comerciais e contratuais. 
7) Parceiros de negócios: Todas as unidades de negócios da empresa devem tomar medidas adequadas antes de entrar em uma relação comercial com parceiros de negócios de forma a garantir que a relação comercial seja devidamente revisada e gerenciada. 
8) Fornecedores: Para garantir um alto padrão no relacionamento com o fornecedor, é imposto na relação contratual com fornecedores que eles cumpram o Código de Conduta de Fornecedores Siemens, que refere-se ao respeito aos direitos humanos, normas trabalhistas, proteção ambiental e ocupacional e também ao cumprimento de normas anticorrupção. 
9) Código de Ética para Assuntos Financeiros: Ele consolida os códigos de comportamento estabelecidos na Siemens para o tratamento apropriado de assuntos financeiros – tais como o “princípio de quatro olhos” estabelecido há muito tempo, antes da implantação do novo sistema de compliance, em um único documento. 
10) Compliance em Fusões e Aquisições: Todos os investimentos ou desinvestimentos devem passar por uma revisão de compliance (due diligence). 
11) Reporte de Violações de Compliance: Siemens espera que seus colaboradores e parceiros de negócios reportem as violações de compliance de que tomem conhecimento. A diretriz interna sobre reporte de violações de compliance é clara informando que nenhuma retaliação ou sanções contra denunciantes serão toleradas. 
12) Consequências disciplinares para má conduta: O Código de Conduta Profissional estipula que qualquer colaborador culpado de má conduta terá de contar com consequências disciplinares devido à violação das obrigações do contrato de trabalho, independentemente das sanções previstas na lei.

Portanto, estas foram algumas ações coletivas que a Siemens tomou para seu turnaround ética empresarial que podem servir de exemplo às empresas envolvidas na Operação Lava-Jato.



Por EVANDRO  CAMILO VIEIRA 



-Advogado especialista em crimes corporativos na Teixeira e Camilo Advocacia;
-Pós-graduado em Direito Penal Econômico (FGV-SP);e
-Membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP.
Telefone: 011- 2673-0056