Neste domingo de páscoa enquanto comem seus ovos de chocolate se deliciem com alguns artigos que selecionei , escritos por colunistas de nossa imprensa e postados hoje, dia 05.04.2015.
Estou alterando o nome da postagem dos domingos, retirando de seu título "Políticos" a fim de não restringir a possibilidade de leitura de artigos interessantes de outras áreas.
Estou alterando o nome da postagem dos domingos, retirando de seu título "Políticos" a fim de não restringir a possibilidade de leitura de artigos interessantes de outras áreas.
Hoje, para facilitar a leitura de vocês não vou linkar a manchete como sempre faço. Após a reprodução do texto em sua íntegra, mencionarei o nome do(a) autor(a) e o nome da empresa jornalística aonde foram postados originariamente.
Só vc pode
Esse Vc - vocês sabem - é você na nova e às vezes famigerada língua internética e digital que come letras para agilizar a conversa, nessa zona que virou o ambiente, principalmente o das redes sociais. Esse mundo virtual, da luta contra corretores ortográficos automáticos, teclados mínimos, dedos que escorregam e etceteras, que nos faz de quando em quando até publicar coisas feias, e não era bem isso. (Escreva, digite rápido "pauta"; ou "pedido". Erra o meu "pode" do título - normal uma letra sempre cair ou ser trocada no caminho).
Volta. Enfim é assim - só vc pode. Em geral é nessa forma que recebo mensagens todos os dias apontando e dando dicas de sobre o que eu preciso, deveria falar, escrever, denunciar, ou contra o que protestar, às vezes com ideias que equivaleriam, se eu tentasse mesmo executá-las, quase a me armar vestidinha como mulher-bomba e me jogar lá meio do Planalto puxando as cordinhas, me indispondo com três poderes. Invariavelmente, o pior: as mensagens começam ou terminam assim: só vc pode.
Dou uma exagerada, certo, para que não me levem a mal e tenham noção da dimensão da responsabilidade que às vezes se ganha, de um amigo, de um leitor. Faço um desabafinho meio chato, espero poder contar com a atenção e compreensão de todos:
- "Posso não, posso tudo isso não".
Tipo "uma andorinha sozinha não faz verão", mas pode virar churrasquinho. Quem é que me garante a retaguarda, se é que me entendem? "Juízo e caldo de galinha" ... "Quem sabe de mim sou eu" - como magnificamente respondeu a Marilia Gabriela numa entrevista outro dia.
Fosse algumas dezenas de anos, um punhado deles atrás, até podia ser que eu achasse que podia ser a rainha da cocada, revolucionária. Lá naquela época grudenta e braba, me meti em muitas coisas, também aprendi muito. Só que ninguém ficava só do lado de fora insuflando. Ao contrário, tínhamos de por a mão na massa e até esconder nossos passos. Mudar a história requer dedicação, boa dose de renúncia e idealismo. Você aceitar um chamado. Quer saber? Por conta de saber disso ando muito, mas muito preocupada mesmo, com o crescente número de adolescentes que estão sendo recrutados em quase uma centena de países e que está se unindo ao que tem de pior e mais cruel no terrorismo internacional. Já somam milhares, conquistados pela grande rede, convencidos. Um dia também fantasiei com a guerrilha, suas lendas, heróis e heroínas, mas não mais. O que estará agora sendo oferecido a esses meninos e o que mais me surpreende, meninas, jovens de tudo e que, como um êxodo, uma abdução, uma hipnose coletiva, estão sendo cooptados? Qual é o Graal?
No momento as coisas estão muito esquisitas. Há quem passe o dia inteiro na internet e se ache o maior mobilizador de massas de que já se teve notícia. Mas não ganha público novo. Ficam todos falando só entre si, comadres. Há dias que recebo mais de vinte vídeos, as mesmas charges e piadas, verdadeiros tratados sobre os erros do governo, os roubos e a corrupção, chamado e propagandas para a grande manifestação. Mas eu já sei de tudo isso, juro que também leio os jornais, trabalho com isso, conheço até alguns atores desse espetáculo! Precisamos ampliar nosso alcance e não é por computador - esse só ajuda, e bem. É difundindo conhecimento, explicando manobras, argumentando com quem ainda é possível e não tenha tido ainda os sentidos entupidos por tanta propaganda política enfiada pela goela.
Repito: por aqui está cada dia mais complicado não ter eira nem beira, não ser do A nem B, não pender nem para a direita nem para a esquerda, não torcer nem para o Fla, nem pra o Flu. Por a cara para bater. Não ter opinião formada sobre quase tudo. Fora os achismos que carimbam nas nossas costas com certa facilidade. Se batemos, talvez estejamos com algum "interesse", isso, e eles falam fazendo aspas assim com a mão; se defendemos que radicalismos não são legais, alguns são até bem burros, é porque devemos ser da mesma laia. Se sou do samba não posso trabalhar para o rock. Quero manter meu direito ao contraditório!
Nosso papel é o de ser antídoto. Conjugue esse verbo. Se eu posso, tu podes, ele pode, nós podemos, vós...eles podem. Vamos nos diversificar, sem que ninguém troque letra alguma para sacanear. Há um monte de coisas que os outros falam ou escrevem e que eu gostaria de ter falado ou escrito. Precisamos nos orgulhar assim uns dos outros, mas parar de outorgar nossos poderes, transformando em celebridade ou Gênio da Humildade qualquer um, o primeiro que passar dando uma piscadinha.
Conto com seu apoio sim. Porque eu acho que posso. Vc pode. Só vc pode. Conta comigo. Vem pra rua. Vem falar nela.
São Paulo, 2015
MARLI GONÇALVES - Diário do poder
Pra que ciclovia em SP?
Porque é preciso alternativas de locomoção urbana. Porque já se instaurou uma cultura de bicicleta, com cada vez mais adeptos.
Segundo associações de cicloativismo e a Prefeitura de São Paulo, mais de 500 mil ciclistas usam a bike como meio de transporte diário.
Porque é saudável. Pessoas menos sedentárias são mais felizes e dão menos gastos à saúde pública.
Porque é democrático. Em cima de uma bicicleta somos mais parecidos uns com os outros. Porque com mais pessoas na rua temos menos violência. Porque é mais barato construir ciclovias do que qualquer outra infraestrutura de transporte.
Porque ciclovias atraem famílias e é fundamental no processo de educação e cidadania das crianças. A criança que anda de bicicleta, e vive de fato a cidade e a rua, será um adulto mais comprometido com seu planeta, mais engajado.
Porque é sustentável. Porque menos carro gera menos poluição. Porque o excesso de automóveis paralisa a cidade, afeta a economia e a qualidade de vida. Porque estimula o comércio local. Porque é autoritário e egoísta que, em São Paulo, os carros ocupem 80% do espaço das vias, levando apenas 20% das pessoas que se deslocam.
Porque segundo o plano da CET, as vias para bikes ocuparão as faixas de estacionamento, e não as vias de rolamento dos carros: o espaço destinado para o estacionamento de veículos é público.
Porque a CET faz estudos técnicos de implantação das ciclovias há mais de duas décadas. Porque foi amplamente discutido em diversas audiências públicas do Conselho Municipal de Transportes.
Porque mesmo com uma topografia cheia de sobe e desce, existem alternativas de rotas e a possibilidade de usar o metrô e o ônibus em horários especiais, num sistema misto de locomoção. Porque temos o direito à segurança, diariamente tenho medo de morrer indo para o meu estúdio pedalando.
Porque é um direito previsto pelo Código Brasileiro de Trânsito. Porque ajuda a construir identidade urbana e sentimento de pertencimento. Pedalando sorrimos mais, olhamos nos olhos, devolvemos a verdadeira escala que a cidade deve ter, a cidade para pessoas.
Guto Requena - Folha de São Paulo
A Grande Caçada
O melhor da festa (depois, nem precisava dizer, da Grande Caçada no Jardim, mas disso falo mais adiante) era quando, à meia-noite, uma voz se ouvia, solene, nas silenciosas trevas do mosteiro, voz em latim que parecia vir do fundo do tempo e do espaço, quem sabe da Terra Santa de muitíssimos séculos atrás, Lumen Christi, Lumen Christi - e uma repentina claridade, luz de Cristo, revelava as paredes sem revestimento da construção eternamente inacabada. Velas se acendiam, outras vozes se ouviam, monges se precipitavam para recolher os véus do luto que ocultavam os santos. De uma hora para outra, o que era circunspecção e sombra se convertera em júbilo.
Jesus Cristo, ufa, tinha uma vez mais ressuscitado, pondo fim ao sobressalto que, menino, eu experimentava, ano após ano, no breu absoluto da vigília de Páscoa. Restabelecida a luz, não via a hora de desabar na cama e dela só sair para encontrar, já posta, a mesa de um café da manhã sob medida para aquele dia.
Da adolescência para a frente, outros rituais fortes vieram cravejar minhas lembranças da Semana Santa. Nenhuma delas mais forte que a Procissão do Enterro em Ouro Preto, na Sexta-feira da Paixão. A impressão que eu tinha é de que de fato alguém, Alguém com maiúscula, tinha morrido, não no remoto Gólgota, mas ali mesmo, na antiga Capital de Minas, sobre a qual, pelas 3 da tarde daquele dia, baixava como névoa uma tristeza, um pesadume espesso e unânime, do qual nem o mais empedernido ateu estaria a salvo. O Demônio, se ali estivesse, haveria de se persignar, num canto de muro, escondido de si mesmo.
Havia uma encenação dos passos de Jesus até o momento em que, suspenso na cruz num Calvário ouro-pretano, ladeado pelo Bom e pelo Mau Ladrão, Ele entregava a alma ao Pai. Faço ideia do orgulho do caboclo que pegavam para Cristo. E quem era humilde o bastante para encarnar o Mau Ladrão?
Um enorme, nada sutil microfone pendia do pescoço do Filho de Deus, para tornar audíveis as breves e dramáticas falas que Ele, já exangue, deveria sussurrar, rogando ao Pai que afastasse a taça amarga. Contava-se do dia em que, no momento culminante, a cruz, mal espetada no chão, cedeu uns centímetros para a frente, como se fosse cair - e a solenidade da encenação foi para o brejo, pois em lugar da esperada fala foi um palavrão que reboou em cada canto de Ouro Preto.
Lembro-me de uma Sexta-feira da Paixão em que, a caráter (embarcado que estava noutra paixão, nem um pouco minúscula), eu namorava no aconchego de uma furna, o Calabouço, quando lá de fora veio o ruído meio humano, meio mineral da Procissão do Enterro, descendo a rua no seu passo mineiro - para adiante, mas freando o tempo todo. Mineral porque havia o fragor sincopado, téim, téim-téim, téim, téim-téim, dos bastões com ponteiras de metal que os membros das irmandades percutiam no lajedo da rua. Não menos impressionante era o funéreo tec-tec-tec da matraca. E que dizer do lamento em carne viva da Verônica a exibir o lenço no qual imprimira o rosto em sangue do Cristo agonizante?
(Foi num dia como aquele, diziam, ali por 1967, 68, que o sacerdote no comando da Procissão do Enterro subitamente ordenou que se interrompesse a marcha, pois divisara mais abaixo, na porta do Calabouço, o próprio Demônio, na pessoa de Vinicius de Moraes, pecador a quem não faltava sequer um copo de birita. Para que o andor pudesse passar em frente ao antro do pecado, o padre ordenou que se cobrisse a Mãe de Cristo).
Mas fiquemos com lembranças mais amenas. A mesa do café de Páscoa, um alentado ovo de chocolate ao lado de cada xícara. De chocolate ou de açúcar-cande, e não sei onde meu pai estava com a cabeça, ainda mais sendo dentista, ao franquear cristais duríssimos, capazes de danificar os marfins da filharada.
Havia também - e eis o que na primeira linha anunciei - o desafio de achar ovinhos de chocolate que o Coelho escondera no jardim. Já marmanjo, eu conversava um dia com um amigo que vivera o mesmo frisson, e tentamos achar um equivalente adulto para a excitação que havíamos experimentado, cada qual no seu jardim, nas manhãs de Páscoa. Um bando de espermatozoides a correr atrás do óvulo, cravou ele. Imagem brutal, concordo com você - mas me ache outra mais exata.
HUMBERTO WERNECK - ESTADO DE SÃO PAULO
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