Habitamos um mundo inóspito, em tempos de crise. Difícil começar um texto dessa forma… para alguns críticos do pensamento existencial, essa afirmação só reforçaria uma fala muito constante: “os existencialistas possuem uma visão de mundo muito pessimista!”. Mas não é assim tão simples!
Quando dizemos que o mundo é um lugar inóspito estamos nos referindo à falta de controle do homem, a despeito de todas as tentativas nesse sentido. O homem tenta controlar o tempo, as outras pessoas, os próprios sentimentos… constrói regras, mecanismos de regulação, pensa que pode dominar a natureza, sente-se poderoso ocupando altos cargos no mundo corporativo, tomando decisões importantes.
Apesar de tudo isso, a vida acontece. Simplesmente acontece, independente do homem existir ou não. E falar de existência é falar de falta de controle. Essa é a condição que nos é dada. A vida é mudança, movimento, flexibilidade. E justamente porque somos capazes de pensar, entramos em contato com essa realidade e nos angustiamos. E mesmo sem ser um dos sentimentos mais agradáveis, a angústia marca um momento importante na tomada de consciência da necessidade de mudança.
Essa necessidade surge quando a pessoa percebe que o sentido de uma vida – muitas vezes controlada, rotineira, previsível – começa a esvaziar-se. Aquilo tudo em que se acreditava, começa a não ser suficiente para dar conta de suas certezas. E nesse contexto, não cabe mais ficar no lugar conhecido, mas ao mesmo tempo vem o medo de encarar o desconhecido, pois a sensação aqui é de “dar um passo no escuro”.
Nietzsche nos apresenta essa condição a partir de uma metáfora brilhante. Ele diz que a Existência é como atravessar um abismo andando por uma corda, a qual surge apenas no momento em que se dá o próximo passo. Portanto, não podemos saber exatamente qual o resultado de cada passo. Não sabemos sequer se a corda vai aparecer ou se o que nos aguarda é o abismo. E o abismo é apenas uma das possibilidades. E continuamos andando, passo a passo a vida acontecendo.
Aos poucos, o que causava desconforto e angústia, ao ser enfrentado, passa a assumir feições familiares, e devolve à pessoa o sentido perdido. Vira rotina conhecida, previsível e, em algumas vezes, até controlada. E assim é, até a próxima crise, até o fio que se solta começar a comprometer a trama da existência. Resultado: angústia seguida de possibilidade de mudanças importantes!
Pensar a vida dessa maneira, como um movimento entre o familiar e o desconhecido, nos permite um estado de presença muito maior, na medida em que somos convocados a fazer escolhas a cada momento, mesmo sem total garantia, assumindo a responsabilidade pelo nosso crescimento pessoal. Precisamos fazer aquilo que nos cabe e deixar que o acontecer da vida faça sua parte. Não podemos ter a ilusão de controlarmos tudo, mas não podemos abrir mão do nosso poder de escolha, que nos aproxima de nossos sonhos, de nossos planos e da pessoa que queremos nos tornar. Uma das famosas frases da Mafalda, personagem das tirinhas de Quino, encaixa-se muito bem nesse contexto: “Justo a mim coube ser eu”.
Portanto, mesmo sem controle, mesmo em um mundo inóspito, podemos realizar a nossa Existência, fazendo escolhas cuidadosas da melhor forma possível, respeitando nossos limites, enfrentando os diversos “saltos no escuro” que a vida nos apresenta, construindo, assim, uma história que é a nossa, que nos confere uma identidade e nos convida a viver de forma mais plena e autêntica.
Postado em http://www.espacocuidar.com.br/psicologia/artigos/entre-o-familiar-e-o-desconhecido-a-angustia-da-existencia
Por ANNA PAULA RODRIGUES MARIANO
Postado em http://www.espacocuidar.com.br/psicologia/artigos/entre-o-familiar-e-o-desconhecido-a-angustia-da-existencia
Por ANNA PAULA RODRIGUES MARIANO
-Psicoterapeuta existencial;
-Formação em Psicoterapia Fenomenológico Existencial pelo Centro de Psicoterapia Existencial;
-Aprimoramento e Aperfeiçoamento em Psicologia Hospitalar (INCOR-FMUSP E HSPM);e
-Atuação Clínica em Equipe Interdisciplinar e Desenvolvimento de Programas de Orientação Vocacional segundo Abordagem Fenomenológico Existencial.
-Atuação Clínica em Equipe Interdisciplinar e Desenvolvimento de Programas de Orientação Vocacional segundo Abordagem Fenomenológico Existencial.
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