Mais uma vez, o Estado Islâmico ataca Paris, a capital da França e uma das cidades mais belas e charmosas do mundo. Na sexta-feira, 13 de novembro, segundo informações da imprensa, oito terroristas do Estado Islâmico, armados com metralhadoras e bombas, mataram 128 pessoas indefesas que estavam curtindo a cidade.
A pergunta que deve ser feita é esta: por que os órgãos de segurança da França permitiram que isso acontecesse?
Depois do atentado à revista Charlie Hebdo, o governo da França pouco fez de concreto para prevenir o terrorismo.
Segundo a imprensa, “semanas depois do atentado à redação do semanário Charlie Hebdo, que deixou 12 pessoas mortas, a França prometeu investir mais de 750 milhões de euros em Inteligência. Apenas uma parcela disso foi investido de fato. Antes dos atentado, o governo francês investia menos da metade desses recursos em Inteligência[1]. “”
Não vamos discutir aqui as causas que levaram o Estado Islâmico a cometer esses atos bárbaros, mas sim discutir que tipo de políticas públicas os países livres devem tomar para prevenir o terrorismo.
Lembramos que, no ano que vem, teremos as Olimpíadas no Rio de Janeiro, onde teremos milhares de turistas estrangeiros; portanto, o Brasil também pode ser considerado como um alvo em potencial.
Nesse sentido, a primeira providência a ser tomada pelo Governo brasileiro é aprovar no Congresso Nacional a Lei Antiterror.
O Governo Federal encaminhou um projeto de lei sobre o tema. Trata-se do PL 2016/2015, que pretende alterar as Leis 12.850/2013 e 10.446/2002, para dispor sobre organizações terroristas.
De acordo com o projeto de lei em questão, as organizações terroristas são uma espécie do gênero organização criminosa.
A Lei 12.850/2013 é a Lei das Organizações Criminosas, sendo que o PL 2016/2015 pretende acrescentar ao § 2º do art. 1º daquela lei o inciso II e o § 3º, com a seguinte redação:
II - às organizações terroristas, cujos atos preparatórios ou executórios ocorram por razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero e que tenham por finalidade provocar o terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou a paz pública ou coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo.
§ 3º O inciso II do § 2º não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais ou sindicais movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Interessante notar que o inciso II não conceitua organização terrorista, o que ao nosso ver, é um erro, mas apenas detalha a motivação das condutas preparatórias e executórias dessas organizações.
De acordo com o PL, um grupo terrorista age motivado por razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero. Podemos exemplificar com o Estado Islâmico que mata em nome de Alá, defendendo uma postura radical da religião muçulmana. Os que não observam a Sharia, Lei Islâmica, são considerados infiéis e devem ser mortos, segundo esse grupo radical.
A finalidade do terrorismo, segundo esse dispositivo, é coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo. O terror é usado como medida de coerção, portanto.
Interessante que o Governo Federal, que foi alvo de diversas manifestações no Brasil ao longo do ano, no §3º do PL, pretende excluir os manifestantes políticos e os movimentos sociais e sindicais do conceito de organização terrorista. Entendemos que é uma medida democrática e salutar do Governo Federal fazer essa proposta.
Um manifestante que vai às ruas exigir que o Governo cumpra seus direitos não pode ser comparado a um terrorista que mata milhares de inocentes.
O PL 2016 também trouxe a previsão da criação de tipos penais, pois pretende acrescentar um artigo 2º à Lei das Organizações Criminosas, nos seguintes termos:
“Art. 2º-A. Promover, constituir ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização terrorista.
Pena - reclusão, de 8 a 12 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar as condutas previstas no caput: I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade."
Vemos que o Governo Federal pretende criminalizar também aqueles que promovem, constituem ou integram, pessoalmente ou por interposta pessoa, uma organização terrorista. Qualquer uma dessas três condutas será crime, com uma pena de 8 a 12 anos de reclusão, sem prejuízo das penas dos demais crimes cometidos.
Que tipo de crime seria este? Entendemos que trata-se de um crime formal, pois o tipo penal não exige a ocorrência de um efeito material. Basta fazer parte do grupo terrorista, ou cometer qualquer outra conduta descrita no caput, para que o crime se consume.
Segundo Cleber Masson, os crimes formais “são aqueles nos quais o tipo penal contém em seu bojo uma conduta e um resultado naturalístico, mas este último é desnecessário para a consumação. Em síntese, malgrado possa se produzir o resultado naturalístico, o crime estará consumado com a mera prática da conduta”[2].
No paragrafo único do art. 2º- A, vemos que o Governo Federal pretende responsabilizar, com a mesma pena, quem recruta, transporta ou municia indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade e também criminalizar daqueles que fornecerem ou receberem treinamento em pais distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
Entendemos que trata-se de mais um crime formal. O projeto de lei não exige resultado material para que o mesmo venha a se consumar.
O PL em questão cria também a majoração das penas de crimes já tipificados pelo Código Penal e leis especiais quando praticados por organizações terroristas. O PL pretende acrescentar um art. 2º- B à Lei das Organizações Criminosas com a seguinte redação:
Art. 2º-B. Os crimes contra a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou a paz pública terão as penas aumentadas de um terço ao dobro quando praticados com motivação e finalidade de que trata o inciso II do § 2º do art. 1º. (Grifamos)
§ 1º As penas aplicadas na forma do caput serão aumentadas:I - em até um terço quando a conduta afetar o controle, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas civis ou militares, locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, embaixadas ou consulados;II - em até dois terços quando houver a utilização de agentes químicos, bacteriológicos, radiológicos ou nucleares.
Pela análise do dispositivo, a causa de aumento, que deve ser aplicada pelo Juiz na terceira fase da dosimetria da pena, somente é devida para aqueles que cometerem os crimes comuns em caso de motivação prevista no II do § 2º do art. 1º, isto é, terrorismo motivado por: ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero e que tenham por finalidade provocar o terror.
Porém, o projeto de lei também traz a previsão da criação de uma causa de diminuição de pena, conforme podemos ver no §2º, nos seguintes termos:
§ 2º As penas aplicadas na forma do caput serão reduzidas de um terço a três quartos em caso de prática de ato preparatório de crime contra a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública, contra a paz pública quando a conduta for praticada com motivação e finalidade de que trata o inciso II do § 2º do art. 1º. (Grifamos).
Podemos afirmar que o projeto de lei cria uma nova espécie de “tentativa”, pois pretende reduzir a pena dos crimes comuns praticados por meio de terrorismo, num percentual que varia entre um terço e três quartos. Essa “tentativa terrorista”, deve ser aplicada pelo magistrado na terceira fase da dosimetria da pena, e entendemos que é um direito do réu, caso o mesmo preencha os requisitos legais.
O PL 2016 propõe também a criminalização dos financiadores de atos terroristas, nos termos do art. 2º C, que deve ser acrescentado à Lei das Organizações Criminosas, nos seguintes termos:
Art. 2º-C. Oferecer, receber, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens ou recursos financeiros, com a finalidade de financiar, custear, diretamente ou indiretamente:I - a prática de atos previstos nos art. 2º-A ou art. 2º-B, ainda que cometidos fora do território nacional; II - pessoa física ou jurídica, grupo de pessoas, associação criminosa, organização criminosa, ou organização terrorista que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática de atos previstos nos art. 2º-A ou art. 2º-B.Pena - reclusão, de 8 a 12 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.” (NR)
Entendemos que a pena de reclusão proposta para esse crime é muito leve para a gravidade do terrorismo. A pena deveria ser mais pesada para o financiador. Isto porque os atentados terroristas, como o de 11 de setembro e os recentes ataques a Paris, tiveram toda uma logística bem organizada. Se o Estado Islâmico não fosse financiado, não haveria todos esses atos terroristas.
No PL 2016, o Governo pretende também federalizar a investigação dessas atividades terroristas, passando à Policia Federal o monopólio da investigação desses crimes.
Art. 2º A Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.1º ................................................................................................................................VII - delitos previstos nos art. 2º-A, 2º-B e 2º-C da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013.
A Lei nº 10.446/ 2002, dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição.
Assim, pelo PL o terrorismo merece repressão uniforme, sendo que a atuação da PF deve prevalecer, sem prejuízo da atuação das demais forças de segurança.
De acordo com o site da Câmara dos Deputados, o PL 2016/2015 foi aprovado pelos deputados, com um substitutivo, e seguiu para o Senado, em 05/11/2015, onde será discutido e votado.
Segundo o site da Câmara a situação atual do PL é esta: “Aguardando Designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC); Aguardando Designação de Relator na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN); Pronta para Pauta no PLENÁRIO (PLEN)”.[3]
Desse modo, falta apenas que o Senado indique os relatores nas referidas comissões, para que o PL seja colocado para pauta no Plenário.
Podemos concluir este artigo afirmando que a aprovação do PL 2016/2015 pelo Senado Federal será muito importante, porque entendemos que faltava na legislação brasileira a regulamentação dos atos praticados pelas organizações terroristas. Além do mais, o Brasil deve adotar a postura de nação independente e de líder do continente, devendo punir com rigor aqueles que tentarem por meio do terror destruir os valores da liberdade, igualdade e fraternidade.
O Brasil irá sediar em 2016, no Rio de Janeiro, um grandioso evento esportivo mundial, que são as Olimpíadas; por isso, a aprovação de uma Lei Antiterror é uma salutar medida para se garantir a segurança dos brasileiros e dos milhares de turistas que aqui chegarão.
E quanto à França, entendemos que o Governo de François Hollande e sociedade francesa devem reagir aos terroristas do Estado Islâmico, investindo em tecnologias de informação, para evitar novos ataques e também reprimir com rigor esse grupo terrorista; inclusive, pensamos que a França deveria fazer uma aliança militar com a Rússia de Vladimir Putin para caçar esses terroristas. Não vemos outra alternativa.
REFERÊNCIAS
Masson, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 3ª edição. São Paulo: Método.
O terror em Paris tem mais de um motivo. Disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/11/o-terror-em-paris-tem-mais-de-um-motivo.html. Acesso em: 14/11/2015
PL 2016/2015. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1514014.> Acesso em: 14/11/2015.
Notas
[1] O terror em Paris tem mais de um motivo. Disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/11/o-terror-em-paris-tem-mais-de-um-motivo.html. Acesso em: 14/11/2015.
[2] Direito Penal Esquematizado. 3ª edição. São Paulo: Método, pg. 177.
[3]Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1514014.> Acesso em: 14/11/2015.
Publicado no dia 15.11 em http://jus.com.br/284016-marcio-de-almeida-farias/publicacoes
Por MÁRCIO DE ALMEIDA FARIAS
-Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará;
-Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá;
-Mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazonia e
nalista Judiciário do TJPA
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