É relativamente comum ouvirmos que procurar ajuda na psicoterapia é sinal de fraqueza – ou então de loucura. Guardadas as diferenças entre as percepções, ambas desvitalizam o encontro e possivelmente distraem quanto ao que de fato assusta nesse encontro: o desconhecido, o vínculo, o encontrar-se consigo mesmo, com o próprio mundo interno.
Precisar do outro é muitas vezes significado como expressão de fraqueza humana. Assim, pensar-se dependente de alguém – no caso da psicoterapia, do psicólogo – é algo que assusta muita gente. Dá um medo danado de se perceber dependente do outro como se incorresse em risco – quem sabe o risco de sentir as próprias emoções? Afinal, é no encontro com o outro que podemos nos conhecer e nos apropriarmos de nós mesmos – e também nos desenvolver. Ao conhecer mais de mim, de minhas próprias dificuldades e também potencialidades, tenho mais condições de lidar com meus aspectos internos.
Como nos lembra Winnicott, psicanalista inglês, caminhamos de uma dependência absoluta, a do bebê, para uma independência relativa, afinal, sempre necessitamos do outro, seres gregários que somos. Podemos pensar até certo ponto sozinhos, mas necessitamos do outro, da alteridade, para que o pensamento possa de fato se desenvolver – ao encontrar o outro, não para segui-lo como a um receituário, imitá-lo ou venerá-lo, consigo ampliar meu campo de percepção, bem como posso sair em busca de mim mesmo, com chances reais de me encontrar comigo. Por meio da experiência e com o outro, posso conhecer mais de mim mesmo e ser quem sou.
Procurar ajuda na psicoterapia tem a ver com o que Suad Andrade, psicanalista, apresentou como sendo a capacidade de poder receber e usufruir de algo que vem do outro, o que demanda lidar com características muito pessoais e internas. Está ligado à capacidade de poder aprender e a partir daí se desenvolver – no caso da psicoterapia, aprender sobre si mesmo. Aprendemos se podemos receber algo, e nem sempre e nem todos conseguem receber algo de alguém. Para conseguir aprender, para Suad, preciso reconhecer que existe um outro, que é necessariamente diferente de mim; que esse outro existe e é importante e que posso confiar na minha capacidade de aproveitar e usar o que vem dele, de fora. Se considero o outro como importante, na visão da psicanalista, não preciso atacá-lo nem me desfazer dele, pelo contrário, posso usufruir desse outro. E, ao fazer isso, reconhecendo as coisas boas que possuo dentro de mim, também desenvolvo meus próprios recursos, confio que posso tolerar e suportar mais meus próprios sentimentos e emoções. A percepção do outro como necessário possibilita troca, oferecendo a oportunidade produtiva de questionamento ou mesmo de suportar dúvidas, sem se deixar, como Suad afirma, ficar enrijecido nas e pelas próprias certezas e convicções. Dessa forma, na verdade, podemos pensar que poder experienciar ser si mesmo junto com o outro, longe de ser sinônimo de fragilidade, demanda, por certo, muita coragem.
O que se observa, atualmente, em diferentes contextos, é, no entanto, uma tentativa de mostrar e até de provar que o outro não é necessário, em um individualismo crescente. Uma dificuldade e mesmo resistência em se formar vínculo, em se envolver com o outro. O que não se percebe, por outro lado, é o empobrecimento que essa mesma resistência provoca. Através de um isolamento, talvez pensem que possam se proteger – até mesmo do que sentem! – e se manter independentes e inabaláveis, como se isso fosse sinal de força...
Força e coragem talvez estejam, pois, associadas à capacidade de abertura ao desconhecido, ao outro, ao trabalho de estar com esse outro, de aprender sobre si na companhia desse outro, em um movimento de aproximação de si mesmo, que capacita poder cada vez mais usufruir dos próprios recursos pessoais, e é isso que nos dá a oportunidade de não enlouquecer. Não significa, contudo, que essa empreitada esteja livre de sentimentos ambivalentes e mesmo do medo de entrar em contato com nosso universo psíquico. Mas também é preciso coragem para se ter medo. E mais coragem ainda para se ir além do medo.
Por ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS
-Psicóloga Clínica (CRP 06/90086)
-Formada em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP);
-Mestre em Psicologia pela mesma Faculdade e Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia;
-Diretora de Ensino e Membro Associado do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto - IEPRP, onde também integra quadro de psicólogos clínicos e supervisores.;
-Possui experiência nas áreas clínica, da saúde, escolar/educacional e social, além de ensino e pesquisa;
-Atualmente, atende crianças, adolescentes e adultos na abordagem psicanalítica nas cidades de Batatais-SP e Ribeirão Preto-SP;
-Presta assessoria na área da Psicologia Escolar/Educacional a creches e escolas. Coordena grupos de estudos em Psicanálise e Desenvolvimento Infantil; e
- Ainda, atua como professora tutora em curso de Especialização em Psicologia, Orientadora de Monografia e como funcionária pública municipal.
Contato:
Tel.: 98812-5043
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Colunista da Revista Revide: http://www.revide.com.br/blog/ana-flavia-d/
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