Entre as definições comuns do que seja ‘Direito’ encontramos o consenso em expressões, como, “aquilo que é justo, reto e conforme a Lei” ou “faculdade legal de praticar ou deixar de praticar um ato” ou “prerrogativa, que alguém possui, de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos, ou o respeito a situações que lhe aproveitam”.
Também há o entendimento que “Direito é a ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens em sociedade” e, nesta linha, vem a “jurisprudentia” do Latim tardio, “Jurisprudência” como a ciência do Direito e das Leis, que é a “interpretação reiterada que os Tribunais dão à Lei, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento”.
Como Lei natural, há o “Direito Universal” que é entendido como o “complexo de normas não formuladas que regem o comportamento humano”.
O comportamento humano é o conjunto de atitudes e reações do indivíduo em face do seu meio social. Em Psicologia, o comportamento é o conjunto das reações que se podem observar num indivíduo, estando este em seu ambiente, e em dadas circunstâncias.
Há um belo pensamento atribuído ao Poeta e Pensador Indiano, Rabindranath Tagore (1861-1941), Prêmio Nobel de Literatura em 1913, que diz:
- “Ser responsável é responder por seus atos, da responsabilidade nasce a alegria de viver”.
A beleza da Vida na Terra, está no fato de que todos, sem exceção, somos instados a experienciar etapas naturais de aprendizados com trabalho e esforço, que desenvolvem as virtudes e as aptidões próprias a cada indivíduo com o conhecimento dos seus direitos, deveres e responsabilidades que se ampliam sempre, na exata medida em que fomentam o progresso coletivo.
Para muitos, pode parecer que a fuga das situações difíceis seja uma solução para os problemas que se afiguram como os insucessos, os desaires, as frustrações, as amarguras, as ansiedades. Outros, se entregam à fuga do trabalho edificante, demonstrando desprezo à Sociedade e desconsideração às Leis. Alguns, escolhem fugir da responsabilidade enquanto dão asas às paixões e ilusões que se transformarão, indubitavelmente, em tormentos. Aqueloutros fogem da própria Vida, desertando da luta, acreditando que a morte seja o nada, portanto, um aconchego à desesperança.
Há os que se entregam ao abandono da dignidade fugindo de cultivar o dever. Porém, o ‘dever’ é a obrigação moral da criatura para consigo mesma em primeiro plano, e, para com os outros, seguidamente. Neste contexto, o ‘dever’ é a Lei da Vida. A par do dever imposto pelas obrigações profissionais, familiares e sociais, há o ‘Dever Moral’ com o qual a criatura se depara, seja nas mais simples situações como nos atos mais elevados da existência.
Neste ponto do comportamento humano é que o Direito, o Dever e a Responsabilidade se encontram, pois, enquanto o ‘Direito’ é aquilo que é justo, reto e conforme a Lei, o ‘Dever’ está na consciência, sendo o guardião da probidade interior que adverte e sustenta as criaturas, contudo, no livre-arbítrio de cada ser, muitas vezes, o dever é subjugado aos sofismas da paixão. Já, a ‘responsabilidade’ que, conforme o entendimento filosófico, é denominada como ‘Responsabilidade moral’ diz respeito à situação de um agente consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente, além de ser também, a obrigação de reparar o mal que causou a outrem.
Juridicamente, a ‘Responsabilidade’, é compreendida como a capacidade de entendimento ético-jurídico e determinação volitiva adequada, que constitui pressuposto penal necessário da punibilidade. Daí a ‘Responsabilidade civil’, ser a condição jurídica daquele que está obrigado a reparar dano material ou moral causado por ato ilícito ou abuso de direito que tenha praticado, ou por imputação legal independentemente de culpa.
Desta forma, é impossível fugir-se ao ‘Dever’, às ‘Responsabilidades’ e à própria Vida, porque esta, sendo Mestra infalível, mais adiante, sempre surpreenderá os transgressores das suas Leis, com maior carga de aflições. Haja vista, que os problemas adiados, complicam-se com o suceder do tempo. As dívidas não pagas, exigirão ressarcimento sob pesados juros. Os compromissos assumidos e não cumpridos, reaparecerão com mais difícil complexidade.
Ninguém está isento das lutas e das fainas cotidianas que são sementeiras para a conquista pessoal. Os problemas e as dificuldades não podem ser encarados como obstáculos à felicidade, porém, devem ser examinados na condição de mecanismos para a aquisição de valiosas experiências, através das quais, a criatura alcançará integridade e retidão para uma vida plena e feliz.
Como as virtudes e os vícios permeiam o comportamento, com o conhecimento inspirado nas coisas divinas e humanas, vamos encontrar na erudição do grande romancista e ensaísta português, Alexandre Herculano (1810-1877), os embates reais entre o bem e o mal, para que, com parcimônia, não nos afadiguemos tomando como pesos o ‘Direito’, o ‘Dever’ e a ‘Responsabilidade’...
Ao escrever sua obra “Lendas e Narrativas” no capítulo III intitulado “O Auto”, ele narra uma cerimônia religiosa na “Igreja de Sancta Maria da Victoria” onde teria sido apresentada uma peça teatral de “Adoração dos Reis”, a qual se refere, conforme a tradição Cristã, à festa da “Epifania”, ou, o dia da ‘manifestação do Senhor’ ou, o dia em que o Menino Jesus foi adorado pelos três Reis Magos como o ‘Rei de toda a Terra’.
A encantadora e bem-humorada narrativa, em português clássico do Século XIX, descreve que toda a fidalguia estava presente na aclamada celebração, inclusive ‘el Rei’, e, na encenação do ‘auto’, três figuras representavam a ‘Fé’, a ‘Esperança’, e a ‘Caridade’ enquanto outras três representavam a ‘Idolatria’, o ‘Diabo’ e a ‘Soberba’, todas com suas insígnias “mui expressivas”.
A encenação apresenta, após as “vênias a el Rei” um debate acalorado entre as três virtudes teologais e os três vícios malignos, estes, na tentativa de imputar àqueloutras, as suas desditas. Porém, narra Herculano que “o que enlevava os olhos da grande multidão dos espectadores era o Diabo, vestido de peles de cabra e com um rabo que lhe arrastava pelo tablado, e seu forcado na mão, mui vistoso e bem-posto”.
Enquanto a ‘Idolatria’ arrazoava contra a ‘Fé’ “queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse em que estava de receber cultos de todo gênero humano”, a ‘Fé’, defendia-se dizendo que “ab initio estava apontado o dia em que o império dos ídolos devia acabar...”.
A seu tempo, “o Diabo vinha, lamentando-se de que a Esperança começasse de entrar no coração dos homens; que ele Diabo tinha jus antiquíssimo de desesperar toda a gente; (...)”
O ‘Diabo’ enraivecido por ver as afrontas que a ‘Esperança’ lhe aprontava, “careteava com tais momos e trejeitos que o povo ria a rebentar, o mais devotamente que era possível. Ainda que o ‘Diabo’ fizesse de truão da festa, nem por isso a sua contendora, a ‘Esperança’, dava descargo de si com menos compostura do que a tão honrada virtude cumpria, dizendo que ela obedecia ao Senhor de todas ‘las cousas’, e que este vendo e considerando os grandes desvarios que pelo mundo iam, e como os homens se arremessavam desacordadamente no inferno, a mandara para lhes apontar o direito caminho do céu”.
Assim prosseguia a ‘Esperança’ em sua defesa “com razões mui devotas e discretas, que moveriam a devotíssimas lágrimas os ouvintes, se a devoto riso não os movesse o ‘Diabo’ com seus trejeitos e visagens...”.
A ‘Soberba’ por sua vez, após ouvidas as razões da ‘Esperança’, “com voz torvada e rosto acesso, começou de bradar que esta dona era sandia (estúpida), porque entendera de enganar os homens com vaidades de incertos futuros, (...) que pretendia com toda a ordem de boa razão, que a gente vil houvesse igual quinhão no céu com os senhores e cavalheiros, o que era descomunal ousadia, e fora da geral opinião e direito, indo por aqui discursando com remoques mui orgulhosos, como a soberba que era”.
A ‘Caridade’ sem alterar o ânimo ante o “descomposto razoar da sua fidagal inimiga”, a ‘Soberba’, partindo deste ponto, repreendeu-a dizendo que “os filhos de Adão eram todos uns aos olhos do Todo-Poderoso, que a Soberba inventara as vans distinções entre os homens, e que à vida eternal mais amorosamente eram os pequenos e humildes chamados, do que os potentes, o que provou claramente à sua contrária com bastos textos das sanctas escripturas, de que a Soberba ficou mui corrida, por não ter contra tão grande autoridade, resposta cabal”.
A Alma humana, frequentemente, se debate entre a razão e a paixão, entre as virtudes e os vícios, entre a rivalidade e a união, entre a discórdia e a harmonia. Todavia, se a criatura admitir que o ‘Dever’ é a síntese de todas as especulações morais, ao se perceber ante os embates e as encruzilhadas da vida, o ‘Dever’ agirá como o galardão da Razão, o que significa dizer que, o ‘Dever’ emergindo da Razão será como ‘norte’ para o caminheiro da existência ou, será como a bússola para orientar o navegante tantas vezes indeciso nos mares da Vida. A criatura precisa respeitar o ‘Dever’ porque ele confere à Alma a força necessária ao seu crescimento moral. O Dever, a Responsabilidade e o Direito, são os lauréis do comportamento humano para a paz e a felicidade.
Referência Bibliográfica:
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal.
Autora
MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO
-Advogada especializada em Direito de Família e Sucessões, Direito Internacional Público e Direto Administrativo.