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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Considerações sobre o Assédio Sexual



Alguns casos de assédio sexual estão sendo abordados com mais frequência pelos programas policiais e jornalísticos de toda mídia brasileira. Desses, obteve destaque o caso de um famoso e consagrado ator global que assediou sexualmente uma figurinista no decorrer das gravações de uma novela no ambiente de trabalho (caso José Mayer). Outro, um pouco mais recente, foi o caso dos sócios/editores de uma revista de conteúdo adulto que assediaram modelos com a finalidade de obter vantagens sexuais em troca de benefícios junto a conceituada revista (caso Revista Playboy). Esses casos trás a tona um crime pouco comentado e até conhecido da sociedade, mas muito praticado. 

Pretende-se, no entanto, deixar de lado os casos concretos acima citados, principalmente por falta de conhecimento aprofundado dos fatos, bem como das investigações. O presente artigo objetiva analisar a figura legal do crime de assédio sexual tipificado no Código Penal, bem como os seus limites, características e polêmicas.

Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 10.224/2001, o assédio sexual está no rol dos crimes contra a dignidade sexual, que tem como fundamento primordial tutelar a liberdade sexual em ambientes que haja subalternação ou subordinação. Tipificado a teor do artigo 216-A, do Código Penal Brasileiro, o delito de assedio sexual é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1(um) a 2(dois) anos”. Em outras palavras, o crime de assédio sexual pode ser entendido como uma insistência importuna de alguém em posição privilegiada que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno ou subordinado no exercício de emprego, cargo ou função.

Dessa forma, o delito de assédio sexual pode ser definido, simplificadamente, como qualquer ato sexual, favorecimento sexual e/ou convites impertinentes de natureza sexual ou que o objetivem, que tenham características de manutenção ou promoção na relação de emprego, isto é, nas relações de trabalho de modo geral, onde há impreterivelmente uma relação de subordinação ou ascendência.

Para Damásio de Jesus, trata-se de um crime pluriofensivo, pois, além de tutelar, em primeiro plano, o direito a liberdade sexual, tutela ainda a “honra e o direito a não ser discriminado no trabalho ou nas relações educacionais”. Ainda na seara da classificação do tipo penal, o assédio sexual também é classificado como um crime bi próprio, pois tanto o sujeito ativo (autor), como o sujeito passivo (vítima) precisam de qualidades específicas, ou seja, necessita-se de uma qualidade especial de ambos os sujeitos, qualidade esta exigida na própria tipificação penal, quais sejam: o sujeito ativo (autor), precisa ser superior ou ascendente na relação de emprego, cargo ou função; enquanto que o sujeito passivo (vítima), precisa ser subordinado ou inferior na relação de emprego, cargo ou função. Além de toda a qualidade exigida aos sujeitos, o delito somente se configura caso haja constrangimento por parte do sujeito ativo (autor) em face do sujeito passivo (vítima) com a finalidade de obter vantagens ou favorecimentos de natureza sexual.

O crime de assédio sexual também é classificado como um crime de menor potencial ofensivo, processado pelo rito sumaríssimo, sendo, via de regra, de competência dos Juizados Especiais Criminais, pois sua pena máxima é de até 02 (dois) anos (pena – detenção, de um a dois anos), com o procedimento regido pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Excepcionalmente, no entanto, quando a vítima for maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito) anos, condição esta possivelmente cabível, tendo em vista haver, em casos excepcionais a possibilidade de pessoas menores de idade (menor de 18 anos) se submeterem ao exercício de emprego, cargo ou função, haverá causa de aumento de pena de até 1/3 (um terço), retirando, dessa forma, a competência dos Juizados Especiais, em razão do citado aumento de pena. Neste caso, a competência passa a ser da Vara Criminal comum, processada pelo rito sumário. 

Ainda sobre o tema da competência, é importante salientar que, em regra, o crime de assédio sexual é de ação penal privada, ou seja, é aquela em que a titularidade da ação criminal pertence ao ofendido (vítima). Em simples palavras é aquela ação em que legitimidade para o início (pontapé) da persecução penal depende de representação da vítima.

Há várias formas de assédio, dos quais destacamos o assédio por ascendência, assédio por descendência e assedio paritário. No entanto, só é possível a tipificação penal do delito de assédio sexual nos casos de assédio por ascendência, que é aquele em que o constrangimento decorre de uma relação vertical hierárquica, isto é, de ascendente para descendente, pois é requisito do tipo penal que o assédio decorra no exercício de emprego, cargo ou função, sempre de um superior para um inferior.

Polêmicas acerca da configuração deste tipo penal não são poucas. Há bastante polêmica e divergência sobre a possibilidade de assedio sexual de professor(a) para com aluno(a). Neste caso, há corrente doutrinaria que entender não ser possível a configuração do crime em tela, pois não existe relação de emprego, cargo ou função entre o professor e aluno, vez que a relação laboral se dá entre o professor e a instituição educacional. Da mesma forma, há uma corrente contrária, que entende perfeitamente possível à incidência do delito de assédio sexual entre professor e aluno, porque apesar de o professor não ser superior hierárquico do aluno, tem ascendência, domínio sobre o aluno. O mesmo acontece nas relações entres líderes religiosos (padres e pastores, por exemplo) com os fiéis, tendo, também, correntes doutrinárias divergentes, praticamente nos mesmos termos do caso de professor(a) com aluno(a).

Embora haja essas divergências doutrinarias, o que tem prevalecido é a letra da lei, que limita o crime às relações de trabalho (exercício de emprego, cargo ou função), respeitando, assim a vedação à analogia in malan partem.

Diante de um crime tão comum, mas pouco debatido socialmente, surge a questão de como provar a prática de tal delito, ou seja, como uma vítima do crime de assédio sexual pode provar que o seu ascendente ou superior hierárquico está lhe assediando sexualmente com o objetivo de obter vantagens de natureza sexual? Realmente trata-se de um crime bastante difícil de ser provado, pois além de acontecer às ocultas e no íntimo, são normalmente praticados de forma verbal, onde dificilmente há possíveis testemunhas e/ou provas materiais. Com isso, todo e qualquer elemento é importante para que se possa provar a prática do crime. Um bilhete, e-mail, presentes, mensagens, podem ser considerados elementos informativos e, dependendo do conteúdo, até provas, em seu sentido strictu sensu, capaz de fundamentar e instruir um processo criminal para, então, buscar a verdade real do caso concreto, através do devido processo legal.

Em suma, o tipo penal do assédio sexual tem como objetivo final e primordial evitar a violação do direito dos trabalhadores à segurança, respeito, dignidade e moralidade física e psicológica no ambiente de trabalho, tornando-se, assim, uma ótima ferramenta no combate a tais práticas. Basta, portanto, usá-la. Denuncie!

POR IURY JIM BARBOSA LOBO











-Advogado - OAB/CE 33153;
Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP/CE (2015);
Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA (2017);
Sócio Fundador do Escritório OLIVEIRA, PESSOA & LOBO – ADVOGADOS, situado em Juazeiro do Norte/CE.
Contatos:
(88) 99641-9348
E-mail: iurylobo.adv@outlook.com


Nota do Editor:
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