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terça-feira, 20 de março de 2018

O Devido Processo Legal na Transgressão Disciplinar Militar




Trabalho de conclusão de Curso em pós-graduação lato senso apresentado ao Verbo Jurídico como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Penal Militar.

Resumo:

O devido processo legal possui, entre outras funções, a de super princípio pois coordena e delimita todos os demais princípios. Previsto na Constituição Federal de 1988, assegura a todos os litigantes, seja no âmbito processual ou administrativo, “um processo justo e imparcial”. O ordenamento é único e não comporta exceções a própria constituição. De mesma forma deve se pensar numa só administração. No entanto, há órgãos que possuem particularidades que só cabem a ela, como as organizações militares. A existência de Administração Pública é a própria materialização do ordenamento jurídico vigente promulgado pela Constituição Federal. O que significa dizer que o aparato administrativo trabalhará em prol de materializar as garantias prevista em sede constitucional. Promovendo ação pública a fim de promover a dignidade humana, conforme fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, é que se deve pautar as transgressões disciplinares, apuradas no ambiente castrense, que também deverão observar o devido processo legal previsto em sede constitucional, sob pena de violação de fundamento constitucional e negação ao princípio da dignidade humana. 

Palavras chaves: Devido Processo Legal, Transgressão Disciplinar, Dignidade da Pessoa Humana. 


I Introdução 

O objeto deste trabalho é analisar o princípio do devido processo legal nas transgressões disciplinares, verificando o direito do militar a um processo justo. Neste trabalho não se busca distinguir o mérito da transgressão disciplinar e o crime militar, mas sem apontar lacunas no processo das transgressões. Em consonância com a Lei Maior brasileira, a todo individuo é assegurado o devido processo legal, sem o qual não poderá perder sua liberdade, nem ser privado de seus bens. 

A necessidade de pesquisa deste trabalho se verificou com o confronto entre o direito positivado e a realidade castrense já que em nome da hierarquia e da disciplina o militar tem sua liberdade cerceada sem que haja direito a um processo justo e imparcial. A autoridade militar competente detém o conhecimento pessoal da infração e é a própria autoridade autorizada a punir o suposto infrator, ficando a seu bem querer aplicar o regulamento disciplinar. 

O tema trazido à baila é sensível uma vez que o Direito Militar é pouco escrito, discutido haja vista a infeliz ideia de que a vida castrense deve ser solucionada no interior dos quarteis pela singularidade da matéria. No entanto, olvidam-se de uma nova ordem constitucional promulgada pela Carta de 1988, incorporando ao ordenamento jurídico brasileiro direitos e garantias a todos assegurados.

Ademais a nova ordem constitucional e após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é que não se pode aceitar a existência, ainda que por vias transversas, de julgamentos que coloquem em questão direitos mínimos fundamentais a própria existência humana. 

Portanto, a análise do due process of law e princípios a ele inerente é fundamental para se alcançar sua aplicação na apuração e julgamentos das transgressões disciplinares. Em que pese ser o militar constituir uma categoria diferenciada de servidor, a ele também é assegurado o princípio do devido processo legal por que antes de militar, ele é ser humano. 

Mister discutir o tema ora apresentado com vista a conscientizar a população da necessidade de normativo para frear atos desarrazoados, ilegítimos e desproporcionais em relação as punições disciplinares, ferindo o princípio da legalidade. Diante do caráter genérico e indeterminado das transgressões disciplinares incompatíveis com a nova ordem constitucional. 


II Direitos Fundamentais 

O pós-guerra da II Guerra Mundial comoveu o mundo diante da barbárie ocorrida com o povo judeu. Com o intuito de construir um novo cenário de respeito perante a vida, a Declaração dos Direitos Humanos, embora não seja um documento oficial, serviu como fundamento de tratados sobre direitos humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU) com força de lei entre os povos. 

A humanidade passou a incorporar ao seu patrimônio os direitos humanos. Vale registrar que os direitos humanos são aqueles que se sabe ter com fundamento no plano jusnaturalista. São direitos inatos ao homem, advindo de sua própria existência cuja validade é atemporal.
[...]"a Declaração de 1948, explicita, no preâmbulo, sua doutrina. Esta se baseia no reconhecimento da "dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis" como "fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo[1]"[...] 
Como já dito, a Declaração dos Direitos Humanos não é um documento oficial, no entanto, reconhecido perante a Organização das Nações Unidas, compõe a Carta Internacional dos Direitos Humanos. 

"No curso de seu meio século de existência, a Declaração Universal dos Direitos do Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade. Codificou as esperanças de todos os oprimidos, fornecendo linguagem autorizada a semântica de suas reivindicações. Proporcionou base legislativa a lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das constituições nacionais na positivação dos direitos da cidadania[2]." 
Os direitos previstos em tratados internacionais necessitam de instrumento para lhes conferir conteúdo e garantia no arcabouço jurídico. No Brasil, o documento hábil a atribuir essa qualidade é a Constituição Federal. Os direitos humanos positivados em sede constitucional são fundamentais a existência do homem, não o ser masculino, mas a pessoa humana. Esta que, como ser jurídico, tem assegurado o mínimo existencial à sua dignidade humana. 

III O Devido Processo Legal 

A Constituição Federal de 1988 influenciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos incorporou o devido processo legal ao estabelecer que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Portanto, infere-se da leitura da Carta Magna que o indivíduo não perderá sua liberdade, tampouco o domínio de seus bens, sem que haja procedimento pré-estabelecido para tal resultado. 
"XI - todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (CANADÁ. Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de dezembro de 1948) "
O devido processo legal "é uma das garantias mais amplas e relevantes"[3], trata-se de um conjunto de práticas jurídicas previstas na constituição e na legislação infraconstitucional cuja finalidade é garantir a concretização da justiça. 


Na busca pela justiça, este princípio constitucional tem aplicação dupla, seja no âmbito processual, seja no âmbito material. Destarte, com espeque no due processo of law, as partes poderão se valer de todos os meios jurídicos disponíveis à defesa de seus interesses. Pode-se afirmar que derivam do devido processo legal o contraditório e a ampla defesa, o direito de acesso à justiça, o direito ao juiz natural, o direito de não ser preso senão por ordem judicial e o direito a não ser processado e julgado com base em provas ilícitas. 

"A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentos como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, inc. XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5º, inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV, de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, inc. LV) e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX).[4]"
Já no âmbito do direito material, podemos traçar a observância do devido processo legal à aplicação do princípio da proporcionalidade, uma vez que os direitos fundamentais não exigem apenas que o processo seja regularmente instaurado, mas também, devem primar pela justiça, equilíbrio e proporcionalidade das decisões. “Faz-se modernamente uma assimilação da ideia de devido processo legal a de processo justo” (THEODORO JUNIOR, 2008) 
"O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa[5]."
A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no seu art. 6º, assegura a todos um processo equitativo. O princípio do devido processo legal, inicialmente, era aplicado tão somente ao direito processual penal, sob o enfoque das proteções processuais do preso, no entanto, hodiernamente, irradia para o direito processual civil, bem como, para o direito administrativo. 

O devido processo legal possui como principais corolários os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse diapasão, apesar de não haver ordem expressa, no campo administrativo, de tipificação que se subsuma ao regramento, os atos ilícitos administrativos devem ser imputados de forma a garantir a defesa pelo acusado. Isto porque a Carta Magna é clara ao dispor que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, é assegurado a ampla defesa e o contraditório. 
"O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e ampla defesa, que significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa as manifestações do princípio do contraditório[6]." 
Ademais, a concretização do princípio do devido processo legal vai muito além. O que se busca não é apenas a perfeição quanto ao trâmite processual, procura-se garantir o justo entre as partes. Pode-se citar a paridade conferida entre as partes processuais, publicidade processual, não aceitação de provas obtidas por meio ilícitos, duração razoável do processo, dentre outros. Todos esses princípios materializam o devido processo legal. 
"A igualdade interage com o devido processo legal, pois o exercício do poder estatal só se legitima através de resultados justos e conformes com o ordenamento jurídico, por meio de plena observância da ordem estabelecida, com as oportunidades e garantias que assegurem o respeito ao tratamento paritário das partes. Tal é o processo do direito justo, ou seja, o direito a efetividade das normas e garantias que as leis do processo e de direito material oferecem[7]." 
Percebe-se, doutrinariamente, que não há um conceito bem fechado de devido processo legal. Será tutelado pelo devido processo legal todo direito e garantia oriunda da ordem jurídica fundamentada nas colunas democráticas com vista a garantir oportunidades equânimes e equilibradas no processo. 


IV Transgressão disciplinar 

A Carta Magna ao tratar das transgressões disciplinares no art. 5º, inciso XLI, dispõe que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. 

Desta leitura, compreende-se que a prisão efetuada, nos casos de transgressão disciplinar ou crime propriamente militar, deverá ser por ordem escrita fundamentada sim, no entanto será dispensada a figura da autoridade judiciaria, sendo substituído pela autoridade militar competente proferida decisão por escrito. 

Nas Forças Armadas as transgressões disciplinares são condutas reprováveis praticadas pelo militar que ferem princípios como a disciplina e a hierarquia. Consoante a regulamento verde oliva a hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações. 

Enquanto que a disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar. O Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880/80, em seu art. 47 transfere para cada Força a competência para estabelecer as normas relativa a amplitude e aplicação das penas disciplinares. 

"Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares. 
§ 1º As penas disciplinares de impedimento, detenção ou prisão não podem ultrapassar 30 (trinta) dias. 
§ 2º À praça especial aplicam-se, também, as disposições disciplinares previstas no regulamento do estabelecimento de ensino onde estiver matriculada." 
Os regulamentos também estabeleceram a classificação do comportamento militar e a interposição de recursos contra as penas disciplinares. Atualmente, cada Força tem a sua regra disciplinar prevista nos Decretos nº 88.545, de 26 de julho de 1983, Decreto nº 4.346 de 26 de agosto de 2002 e o Decreto nº 76.322 de 22 de setembro de 1975 da Marinha, Exército e Aeronáutica respectivamente.

No tocante ao princípio da recepção, os regulamentos disciplinares aprovados por meio de decretos foram recepcionados pela nova ordem constitucional, situação semelhante ocorreu com o Código Penal, Código Processo Penal, Código Penal Militar, Código Processo Penal Militar e outros diplomas legais[8]

No entanto, há entendimento contrário ao afirmarem que os decretos regulamentares são inconstitucionais. As transgressões previstas em decretos não poderiam surtir qualquer efeito, nem tão pouco servir de fundamento para restrição de liberdade de militar já que a Constituição prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, violando o princípio da legalidade. 
[...] "as normas desta espécie previstas nos regulamentos disciplinares castrenses são inconstitucionais, pois permitem a existência do livre arbítrio, que pode levar ao auso e excesso de poder[9]" [...] 
O normativo em análise é anterior a Constituição de 1988, a despeito de exigência de previsão legal para fundamentar a privação de liberdade de alguém, ressalvou a transgressão disciplinar e o crime propriamente militar. Aliado a isso, o princípio da recepção é plenamente aceito pelo ordenamento pátrio. 

Consonante os ensinamentos de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa a transgressão disciplinar militar pode ser entendida como sendo toda ação ou omissão contrária ao dever militar e, como tal classificada no regulamento. São consideradas também transgressão disciplinar as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas, nas leis penais militares[10]

Ademais, o Código Penal não define o conceito de crime, deixando sua elaboração pela doutrina. O conceito analítico de crime é o mais aceito pela doutrina hodiernamente. Pode ser conceituado como a ação humana, antijurídica, típica, culpável e punível. 

Por outro lado, o regulamento disciplinar do Exército prevê que transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensivo a ética, aos deveres e as obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e ao decoro da classe. 

Percebe-se que o conceito de transgressão disciplinar não é tão distante do conceito de crime uma vez que se inicia a partir da ação humana (ação ou omissão) praticada contra o dever militar e prevista em regulamento. Infere-se desse singelo parâmetro que há semelhança entre os dois institutos. 
"Isto porque a transgressão disciplinar e o crime militar têm idêntico fundamento, qual seja, a violação das obrigações ou dos deveres militares como preceitua expressamente, o art. 42 da Lei nº 6.880/1980[11]."
Nessa senda, o princípio da legalidade é basilar também às transgressões militares. Nesse diapasão, fica reservado somente a lei determinar quais condutas são tipificadas como transgressão disciplinar. Outra consequência da aplicação do princípio da legalidade é a anterioridade que nos orienta a raciocinar que qualquer fato descrito na norma como transgressão disciplinar deverá viger antes da ocorrência do fato. 

No entanto, o que se observa dos conceitos trazidos pelos regulamentos das três forças são definições bastante abertas, indeterminadas o que fere de morte o princípio da legalidade previsto no art. 5º da Carta Magna, e aplicável a todos os brasileiros indistintamente se civil ou militar. 
"O cuidado apresentado quando da elaboração do decreto proveniente do Poder Executivo não afastou a amplitude do conceito de transgressão disciplina militar, cujas sanções podem sujeitar o militar a uma detenção disciplinar, prisão disciplinar, ou mesmo o licenciamento ou a exclusão a bem da disciplina, conforme estabelece o art. 24 do novo regulamento do Exército Brasileiro[12]." 
O dever militar é o bem jurídico tutelado pela transgressão disciplinar. Segundo o Estatuto dos Militares o dever militar é um conjunto de vínculos racionais, morais que ligam o militar à Pátria ou a seu serviço. 
"É dentro deste contexto que se originam os vários deveres militares, entre os quais o da dedicação e a fidelidade à Pátria, o culto aos símbolos nacionais, a probidade e a lealdade em todas as ocasiões e circunstâncias, a disciplina e o respeito à hierarquia, o cumprimento das obrigações e ordens e a obrigação de tratar o subordinado com dignidade e urbanidade[13]." 
Portanto, considerando o princípio da recepção quanto aos Decretos disciplinares, as transgressões disciplinares violam o princípio da legalidade. Conceitos abertos, condutas abstratas, de amplitude indeterminada proporcionam interpretações que podem resultar em abuso de poder. O que se busca tutelar é a instituição militar, seus princípios, valores, honra, e não conferir instrumento de perseguição calcado na hierarquia. 

V O devido processo legal nas transgressões disciplinares 

A Carta Magna de 1988 implantou uma nova ordem constitucional, trazendo diversas modificações no Direito Militar, tanto na esfera penal quanto, administrativa. No entanto, apesar de passados quase trinta anos da nova ordem estatal, as organizações militares ainda não incorporaram as novas diretrizes em que se fundam a República Federativa do Brasil. 

Entre as várias modificações, destacamos a aplicação do devido processo legal estendido aos litigantes em geral, inclusive, em processo administrativo. O direito à liberdade foi erigido a direito fundamental de todo cidadão, seja ele civil ou militar, podendo ser cerceado somente pela autoridade judiciária competente. 
"A norma disciplinar assim como a norma penal ficam sujeitas ao princípio da legalidade, em respeito aos princípios que foram estabelecidos na Carta de 1988, que tem por objetivo permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório, na busca de um processo que tenha como fundamento a efetiva aplicação da justiça[14]. "
Nos regulamentos das três forças o que se nota são conceitos de caráter genérico e indeterminado. Ainda que aceito a exegese de recepção dos decretos regulamentares pela Carta Magna de 1988, não se concebe a imputação de fato indefinido a qualquer cidadão uma vez que, em tese, tal normativo prevê a restrição de liberdade do militar transgressor. 
"É a moderna tendência da jurisdicionalização do poder disciplinar, que impõe condutas formais e obrigatórias para garantia dos acusados, contra arbítrio da Administração, assegurando-lhes não só a oportunidade de defesa como a observância do rito legalmente estabelecido para o processo[15]." 
Nesta esteira, pode-se citar o rol exemplificativo dos 100 (cem) tipos de transgressão disciplinar, inserida no art. 10 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer). Cabe destacar a redação do item 100 do mencionado diploma: “Concorrer, de qualquer modo, para a prática de transgressão disciplinar”. (BRASIL. Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975. Poder executivo Federal). 

Outrossim, a imputação de transgressão disciplinar ao militar é praticada pela subjetividade da autoridade superior, ficando ao seu bel-prazer tipificar, não raras vezes, em várias disposições uma única conduta praticada pelo militar. 

Todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas, e os princípios como os da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da analogia, do “non bis in idem”, da proporcionalidade, da culpabilidade etc, valem integralmente inclusive no âmbito administrativo.[16]"

Outra garantia assegurada aos litigantes em geral é o contraditório e a ampla defesa. Consoante os ensinamentos de Vicente Greco Filho[17] , "consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado; e e) poder recorrer da decisão desfavorável". 

A realidade vivenciada no ambiente castrense fere de morte toda nova ideologia trazida pela Carta de 88, no tocante as garantias processuais e materiais de todos litigantes em geral. No procedimento não é dado oportunidade ao militar transgressor a maioria dessas garantias já que s o ponto de partida é uma transgressão de caráter genérico, não se podendo delimitar a acusação, tão pouco a defesa, violando o princípio da legalidade. 

Sem olvidar a realidade em que se processa a notícia da prática de transgressão disciplinar. Habitualmente a autoridade que acusa a ocorrência do fato indisciplinar é a mesma que apura ou aplica a sanção disciplinar. A imparcialidade das decisões resta prejudicada haja vista a falta de norma processual para regulamentar o tramite na busca dos indícios de materialidade e autoria da pratica da transgressão disciplinar. A subjetividade ora apontada não mais comporta no Estado democrático de Direito à luz da Constituição Federal. 
"A defesa da aplicação dos princípios do devido processo legal e da inocência no direito Administrativo militar ainda é uma novidade e continua sendo novidade apesar do período de mais de 20 anos de vigência do atual texto constitucional[18]
[...] 
Para se evitar possíveis arbitrariedades no campo administrativo disciplinar se faz necessária a edição de uma lei que trate de princípios e normas que devem ser observadas nos julgamentos[19]". 
Nesse diapasão, a aplicação do devido processo legal nas transgressões disciplinares está muito aquém da força normativa da Constituição Federal uma vez que assegura aos litigantes em geral o devido processo legal, indo além da esfera processual, em busca do processo justo. 

VI Conclusão 

A Declaração de Direitos dos Homens, em que pese não se tratar de documento oficial, com força de lei, mas com forte conteúdo da existência de direitos inerentes ao homem que ultrapassam qualquer discussão doutrinária ou jurídica, reconheceu a condição de seres humanos a qualquer indivíduo, atribuindo direitos para o mínimo existencial de uma vida digna. 

Coadunando com a mesma ideia, a Organização das Nações Unidas, entidade criada após a barbárie da Segunda Guerra Mundial, publicou a Carta Internacional dos Direitos Humanos, influenciando países do mundo a reconhecerem, valorizarem e buscarem a concretização dos Direitos Humanos reconhecidos como inatos ao ser humano.

A Constituição Federal de 1988, documento máximo de direcionamento de um país soberano, contém as diretrizes, valores, princípios que devem permear toda ação estatal, perquirindo concretizar os valores fundamentais reconhecidos constitucionalmente. Transpondo a essa ideia, a Carta Magna de 88, previu o devido processo legal. 

Este princípio que, num primeiro momento era aplicado somente ao direito processual penal, passou a irradiar para todas as áreas do ramo do Direito, outrossim, ao direito civil e administrativo. Nesta esteira é que a Carta de 88 prevê que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. 

O due process of law que a despeito de não comportar conceito fechado, apresenta sentido bem definido, como sendo, todo e qualquer direito que sufragado na ordem democrática com o escopo de garantir oportunidades equânimes e equilibradas no processo será tutelado pelo princípio do devido processo legal. 

Os principais instrumentos constitucionais de concretização do devido processo legal, no ordenamento brasileiro, são os princípios do contraditório e da ampla defesa, o princípio da legalidade, do juiz natural, da imparcialidade, da decisão fundamentada, do acesso à justiça, entre outros. 

No tocante as transgressões disciplinares previstas nos regulamentos disciplinares das forças armadas, da maneira como previstas, contendo expressões genéricas e indeterminadas violam o princípio da legalidade, do contraditório e da ampla defesa na medida em que impossibilitam o militar, suposto transgressor da norma, de exercer com plenitude seu direito de defesa. 

Em que pese a previsão do contraditório e da ampla defesa nos regulamentos disciplinares, diante da omissão legal quanto ao momento de exercê-lo e seus instrumentos no processo disciplinar, este princípio é silenciado pela fragilidade dos agentes administrativos militares e pela falsa cultura de discricionariedade do ato punitivo disciplinar a autoridade competente militar. 

O grau ínfimo de consciência da nova ordem constitucional nos quarteis reflete a imaturidade de aplicação dos regulamentos disciplinares. O bem jurídico tutelado pelos regulamentos militares: o dever militar; na ordem constitucional vigente é mitigado frente ao direito fundamental de liberdade. 

Outro elemento relevante, é a falta de norma processual com vista a garantir a legalidade no procedimento de apuração dos fatos. Não há regulamentação que preveja a consequência de atos na busca sobre a verdade dos fatos. Lamentavelmente, ainda perdura, no ambiente castrense, a falsa percepção que o Comandante detém discricionariedade quanto ao julgamento dos seus militares. 
"A liberdade do administrador deve se pautar pelo respeito à lei, porque este foi o sistema adotado no país. Para se evitar possíveis arbitrariedades no campo administrativo militar se faz necessária a edição de uma lei que trate dos princípios e normas que devem ser observadas nos julgamentos[20]." 
O que se nota na administração militar é a sobreposição de funções. O órgão que apura os fatos é o mesmo que os julgam. Para aplicação do devido processo legal nas transgressões disciplinares necessário seria a criação de uma nova estrutura dentro dos órgãos militares.

Consoante as lições de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, seria imperioso instituir a figura do oficial acusador, quem seria responsável pela colheita dos elementos de culpabilidade do agente que serviriam para subsidiar o oficial julgador na tomada de decisões, mantendo sua imparcialidade no processo administrativo disciplinar. Portanto, ao se defrontar com elementos frágeis de autoria e materialidade da transgressão não poderiam resultar em ato condenatório, culminando na absolvição do militar pelo princípio da inocência.

Portanto, infere-se que o princípio constitucional do devido processo legal não é aplicado integralmente nas relações castrenses. Isto porque, as infrações genéricas e de conteúdo indeterminado viola o princípio do contraditório e da ampla defesa. A imparcialidade na apuração e julgamento dos processos disciplinares fere o princípio da legalidade. 

Deste modo, nota-se a urgência de edição de norma que oriente os militares na aplicação dos regulamentos disciplinares. A liberdade é direito fundamental assegurado a todo indivíduo, e não pode ficar disponível ao bem querer do Comandante, contrariando os preceitos estatuídos pela Lei Maior. 

VII Referências bibliográficas 

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BRASIL. COSTITUIÇÃO FEDERAL, de 05 de outubro de 1988. República Federativa do Brasil; 
________ DECRETO nº 88.545, DE 26 de julho de 1983. República Federativa do Brasil. Poder Executivo Federal; 

________DECRETO nº 4.346, de26 de agosto de 2002. República Federativa do Brasil. Poder Executivo Federal; 

________DECRETO Nº 76.322, de 22 de setembro de 1975. República Federativa do Brasil. Poder Executivo Federal; 

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[1] ALVES, J. A. Lindgren. A Declaração dos Direitos Humanos no pós-modernidade. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: www.egov.ufsc.br

[2] ALVES, J. A. Lindgren. A Declaração dos Direitos Humanos no pós-modernidade. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: www.egov.ufsc.br

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora Saraiva, 2011, p. 592-594;

[4] THEODODRO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 48ª edição. Editora Forense, 2008, p.29; 

[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª edição. São Paulo: Atlas, 2004, p. 124-125; 

[6] THEODORO JUNIOR, Humberto apud NERY JR, Nelson. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do direito Processual civil e processo de conhecimento. 48ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008; 

[7] LIMA, Alexandre Miguel de apud LUCON, Paulo Henrique dos Santos. A garantia constitucional do devido processo legal na transgressão disciplinar militar. Disponível em <www.monografias.com> Acessado em 14/08/2017; 

[8] ROSA, Paulo Tadeu Guimarães. Direito Administrativo Militar. 4ª edição. Editora: Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2011 p. 70-71; 

[9] LIMA, Alexandre Miguel de apud ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. A garantia constitucional do devido processo legal na transgressão disciplinar militar. Disponível em www.monografias.com Acessado em 14/08/2017; 

[10] ROSA, Paulo Tadeu Guimarães. Direito Administrativo Militar. 4ª edição. Editora: Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2011 p. 68-69; 

[11] ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito Administrativo Militar. 1ª Edição. Método: São Paulo, 2010, p 335;
[12] ROSA, Paulo Tadeu Guimarães. Direito Administrativo Militar. 4ª edição. Editora: Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2011 p. 77; 

[13] DUARTE, Antônio Pereira. Direto Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 45; 

[14] LIMA, Alexandre Miguel de apud ROSA, Paulo Tadeu Guimarães. A garantia constitucional do devido processo legal na transgressão disciplinar militar. Disponível em <www.monografias.com> Acessado em 14/08/2017; 

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22º Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 1997, p 601-603; 

[16] LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 1992, p.25; 

[17] LIMA, Alexandre Miguel de apud GRECO FILHO, Vicente. A garantia constitucional do devido processo legal na transgressão disciplinar militar. Disponível em <www.monografias.com> Acessado em 14/08/2017; 

[18] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris,2011, p.4 

[19] Idem; e

[20] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris,2011, p.6.


POR
ALINE VIANA SOARES COIMBRA










-Graduada em Direito pela Universidade Católica de Salvador(2009);
- Pós graduação em:
  - Direito Previdenciário pela Faculdade Social da Bahia(2012) e
  - Direito Penal Militar pela Verbo Jurídico(2018)
Nota do Editor:


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