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domingo, 12 de maio de 2019

A Vida Ultrapassa os Limites que a Virtude lhe Fixa


Autora Fabiana Benetti(*)

O gozo da vida não pode oferecer-nos real atrativo se a tememos perder, o conceito de perda traz baixa potência, pois perde de vista que o bem e o mal são virtudes fixas, assim sendo, podemos nos experimentar por múltiplas formas inumanas em nossa humanidade, podemos nos mover com mais experimentação de liberdade. Pois o que nos excita vem da raridade e do desconhecido, para além do bem e do mal no que pode a liberdade humana no seu extremo de libertação? Será que poderíamos aproximar mais o homem e animal? - e Montaigne nos atenta que, para manter despertos o amor e o prazer, é necessária inquietação sobre as verdades absolutas. As dificuldades dos encontros, o perigo das surpresas, a vergonha do dia seguinte e também a fraqueza, o silêncio e os suspiros vindos do fundo do coração são alimentos para o movimento que traz o acontecimento - em uma duração com muitas percepções em um rizoma de experimentações. Nossos apetites desprezam o que se acha à sua disposição como uma formatação do desejo humano e correm atrás do que não têm. O diferente excita o desejo para um novo desafio da entrega ao encontro despido assim nos alimentando para durarmos naquilo que podemos chamar como arte ou encontro. A vida não nos protege do trauma situado além do senso comum que nos mantém no exílio e na servidão da reprodução dos valores e virtudes. 

Vivemos, assim, em constante angústia; a qual promove a neurose que tenta controlar o que é fluxo em dogmas: A justiça tem algo de negativo, podemos pensar em uma ética de repensar o corpo em sua dimensão animal das paixões, acessar o deshumano ou homem amoral que denega e revisita a dimensão silenciada,recalcada, reprimida que nosso corpo é submetido pela cultura. 
"Quando o homem é tomado pelo medo e resiste à mudança, aparecem os senhores: pregam modéstia, a entrega, a prudência, a diligência, a consideração e a longa lista, das pequenas virtudes... apegadas na moral."
(Nietzsche, Zaratustra) 
Quando se investe na vida moral e maniqueísta proposta pela competição e manutenção da mesma, só nos resta o amor; o qual nos permite ocupar o lugar de criadores onde o homem perpétuo se dilui para o homem da passagem. Ruminar provoca a capacidade de mudanças – pois traz consigo o vagar no pensamento investido na criação.

Estamos acostumados a viver na base da informação e reação, onde reagimos de forma imediatista - enquanto o pedido para o acontecimento da criação requer mais ruminação. Deste modo, ficamos apenas na experiência da projeção, não dando espaço para a criação e assimilação do pensamento novo. A falta do tempo-espaço da ruminação resulta em bulimia e anorexia de " novas ideias" , modo mais narcísico de acontecer , o individuo como um ideal, desconsiderando o ser humano indomável que somos, portanto somos seres em relação com encontro que traz a existência de uma acontecimento, onde aprendemos algo de novo de nós mesmos. Quando não ocupamos o tempo, renunciamos aos aliados para viver uma solidão cheia de possibilidades de invenções. 

O extemporâneo é o que se descola da tirania desse presente sem presença – e, ao descolar-se do barulho do tempo, colocará em questão a dicotomia entre ideias fixas e fluidas, se apoiando na moral que a civilização sustenta, será que essa moral esta a altura ao que ela mesma aborta/, traz excesso do desumano em detrimento no que podemos criar sobre o inumano. O ser humano demasiado humano traz pressão em uma vida que se volta contra ela mesma, seria a vida apoiada nos ressentimentos construídos a partir das virtudes morais. Que vida é essa que se volta contra a si mesma se enchendo de culpa que fomenta a avareza da vida que traz essa baixa potência. Como podemos pensar em transvalorar essas virtudes fixas que encapsulam o homem? 

Será que os homens atuais conceberiam ser apenas uma ponte para outra coisa a se criar? Consentiriam em abrir mão do ego e sua ilusão de individualidade, abarcando em seu lugar relações de múltiplas singularidades? 

Precisamos, portanto, dissolver este modo automático de ver e viver preso em um indivíduo de virtudes apoiadas no dualismo – o qual traz consigo o ideal das ideias com formas tão predominante a ponto de perder a forma corpórea que sente. A dissolução nos permite mergulhar nas multiplicidades que se investem na criação através deste corpo singular em relação ... 

Será que não basta ser um elo de uma cadeia ao invés de um ideal estagnado que não existe? 

Neste mergulho o individuo já não vale nada sem estar em relação ao que se compõe; pois mudamos sempre, conforme nos relacionamos, dentro da aceitação de sermos ultrapassados pelas experiências. Quebrar o que se venera se transmuta em movimento que supera o ideal - e traz movimento no real impossível, o qual é criado a cada encontro possível e singular.Assim desmontando as Ideias presas no conforto do apego, a serem desconstruídas através da experimentação e duração da construção de si mesmo: 
"O além do homem é o sentido da terra, permaneceis fiéis a terra e não ao modelo e ideias supraterrestre e verdades absolutas. Se fossemos fiéis à terra e não ao céu, seriamos outra humanidade."
(Nietzsche, Zaratustra) 
Descolar dessa dicotomia céu-terra ou bem-mal para poder reencontrar o processo corpo potência é trabalhoso; é, porém, a pulsão de ligar aos afetos que trazem potência de criação. Aceitarmos que somos seres da terra, a quem a culpa mantém fomentando através da melancolia humana: uma criação do sistema que rouba a potência, a fim de estruturar os pensamentos como tentativa de controle. 

Perseguir a felicidade significa perder o medo que se traduz em apego à perpetuação de um modelo fixo, potência sovina humana que se apóia nos ideais da crença ao invés da experimentação e do movimento incessante de criar novos conceitos e formas de existência. Aceitar algo se quebrando por toda parte ,um desmoronamento de mentiras que desprezam a vida - através das poderosas virtudes do apego a valores fixos, tais como a "ordem de Deus". 

Abre-se o espaço para rearranjo e remoções de virtudes e valores hierárquicos dando espaço para formas rizomáticas de vida. Desapegar-se de si mesmo até na volúpia do desapego , assim criando meios de lidar com a violência - como um fruto em crescimento que necessita romper a casca para nascer. Poderes políticos, econômicos e culturais achatados como verdades e virtudes absolutas de um modo certo de acontecer .

Estamos libidinizados por afecções estimuladas no apego, diferentes do devir que traz o acontecimento. Desta forma, o desprezo pelo outro significa desprezo a si mesmo; pois não se experimenta a outra singularidade, não se avalia o processo de sentir a potência pelo corpo (e não apenas imaginários das coisas e afetos carregados de significados e significantes), onde o conhecimento se torna o juiz da vida, a separar o que a vida pode. 

O pensamento é um serviço da vida. Esta não cobra o entendimento mas nos propõe a experimentação, age como força ativa do pensamento e potência afirmativa. Pensar significa descobrir, inventar novas possibilidades de vida. 

A vida ultrapassa os limites que a vida lhe fixa, expansão como força que expande, é vontade de potência que traz capacidades de produzir novos valores e modos de existências. Faz do pensamento algo ativo/afirmativo que excita o querer, fomentando a vontade de potência em rivalidade com o ideal perfeito, trazendo a realidade de espaços a serem experimentados e criados. 

A vida atual nos convoca para um tempo que abre espaço para nossa pressa e reações imediatistas. O extemporâneo é o que se descola da tirania do presente e do barulho do tempo organizado para um rebanho, rompendo com a obviedade da virtude, a qual busca o mínimo de risco e o máximo de controle. 

O que é a virtude senão a expressão de um modo de vida? Será que é possível se descolar desse antropocentrismo?

*FABIANA BENETTI














-Psicóloga, psicanalista, especialista em psicossomática e esquizoanalista;
-Psicóloga graduada pela Universidade Paulista(1997);
-Aprimoramento em Analises do comportamento aplicado(ABA) United Response ,Londres,2001; 
-Pós Graduada em Cross Cultural Psychology pela Brunel University em  Londres, 2002;
- Psicanalista com especialização em psicossomática no Instituto Sedes Sapientiae,2005-2014;
-Aprimoramento na psiquiatria infantil no IPQ ( Hospital das Clínicas)2013-2016;
-Atendimento em consultório particular em São Paulo-Tel/what´s 11 985363035.
-Membro do Departamento de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae;e
-Agenciamento  em Filosofia e Esquizoanálise com Peter Pál Pelbart e Luiz Fuganti.

Nota do Editor:

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