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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Rindo de Bobo

Autora: Beatriz Ramos Mesquita*



Agora começa a melhor idade, eles dizem. Aposentadoria é a época de fazer novos cursos, viajar e descansar, eles falam. Pois sim. Esqueceram de contar que, se não for o feliz possuidor de uma aposentadoria do setor público, rico ou tiver contribuído para uma previdência privada – que não tenha quebrado, claro -, você está frito. Vai precisar trabalhar até morrer. 

Depois de esbravejar, de ameaçar ter vários ataques histéricos na fila do INSS e de aumentar consideravelmente meu consumo diário de calmantes, resolvi me conformar e... ir embora antes que seja tarde. 

Tenho vários amigos e duas irmãs morando em lugares tão diversos quanto: Seattle, St. John’s, Paris, Porto e Regina – que não é só marca de queijo, mas também uma cidade no Canadá – e todos parecem incapazes de conceber a realidade brasileira, o que me levou à brilhante conclusão de que viver como nós é privilégio de poucos países do mundo. – Uebaaa -, pensei com meus botões, - a solução é vender tudo e cair no mundo. 

Seria, mas em 2013 o governo brasileiro, sadicamente previdente, decidiu acabar com a mania insuportável que boa parte da população demonstrava ter de pular do barco, e determinou que qualquer aposentado que more no exterior deve pagar 25% de imposto de renda, independendo do que receba. Não basta ser explorado, é preciso aguentar firme a espoliação, sem reclamar ou fugir da raia.

É inconstitucional, claro, ninguém pode ser penalizado por morar fora do Brasil. Se todos são iguais perante a lei, não há justificativa para que aposentados que recebam o mesmo valor de benefício paguem alíquotas diferentes, em função da localização geográfica. Derrubar a lei é possível e cada vez mais comum, mas demora aproximadamente um ano, e até lá? 

Sou meio lerda e custei a perceber a carga tributária que penaliza os felizes integrantes da melhor idade – o próximo que me chamar assim correrá risco de vida. Um amigo-irmão sinalizou sutilmente que a mordida era grande, – Acho que não vai dar para morar fora sem ganhar na Loto... - mas desdenhei dos avisos. Meu irmão é Leão com um monte de aspectos em Capricórnio e todo mundo sabe que Saturno é o planeta da crítica e da restrição, rá! Eu ia provar fácil que ele estava errado. 

Me estrepei, os vários sites que orientam quem pretende morar fora já fazem os cálculos contando que o indigitado vá receber R$ 4.600,00, jamais o teto. 

De qualquer forma vale a pena. Em Portugal, por exemplo, ninguém paga plano de saúde, informa o site eurodicas.com, pelo singelo motivo de que a saúde pública funciona. Nem precisa fazer conta para saber o peso que os planos de saúde têm no orçamento dos velhos brasileiros, aqueles que preferem não morrer nas filas dos hospitais públicos nacionais, claro está. 

Um apartamento de dois quartos em Viseu, com 180 m², ao câmbio do dia, custa oitocentos mil reais; já um imóvel de 79 m², também de dois quartos, em Botafogo, sai em torno de R$ 890 mil. É mais barato comprar em Portugal, ou investir em um quarto e sala com a mesma área útil do apartamento carioca por 140 mil euros e aplicar os quase duzentos mil reais de diferença. 

Sem pagar aluguel e plano de saúde é perfeitamente possível viver com mil euros, apregoam todos os textos que consultei. Se escolher morar em Braga, Sintra, Coimbra, Cascais e o Porto, ainda dá para trabalhar e aumentar a renda mensal. Será que lá tem telemarketing? Operadora com sotaque pode? Quem sabe cuidadora de idosos..

O difícil é ter apartamento no Brasil para vender e comprar outro lá, e se você faz parte do imenso contingente dos encostados sem-teto é melhor se resignar, vai continuar sendo um aposentado pobre por aqui mesmo. Espero que tenha uma saúde de ferro, ou médicos na família; que sua biblioteca seja abastecida e que goste de ler – e reler, porque não vai sobrar para comprar livros novos – e não ligue para insignificâncias como andar na moda, comer fora ou ir ao cinema. 

Podia ser pior, afinal de contas você agora faz parte da melhor idade, da fase da vida em que vai poder fazer o que quiser e viajar para onde lhe aprouver, desde que o faça mentalmente. Um novo ciclo se desenrola à sua frente. Anote em lugar visível o número do Serviço de Prevenção ao Suicídio mais próximo e se jogue, de preferência nas ruas, na luta por um final de vida melhor. Tá rindo de quê? 

*BEATRIZ RAMOS MESQUITA





-Cronista; e
Publicitária 
Trabalha com mídias sociais. 









NOTA DO EDITOR :

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