Autor: Jacinto Nogueira(*)
Sou brasileiro. E asseguro-lhe, sou brasileiro com orgulho.
Quando adolescente, por volta do ano
de 1500, vivia livre, plantava, coletava, caçava e pescava para a sobrevivência
da minha grande-família. Eu dividia algum excedente com os integrantes da tribo
e, já nesta época, vivíamos com igualdade e dignidade. Foi quando, pelo mar,
surgiram os colonizadores europeus.
Lembro que se interessavam por algumas
das nossas riquezas e trocamos paus-brasis por seus espelhos, machados e miçangas.
Seja como for, onde haja concretizada uma negociação num país democrático haverá
pessoas satisfeitas dos dois lados (haverá?). E assim foi meu contato com os
portugueses. Tornei-me escravo.
Décadas depois, em meio a violências,
seduções, mentiras e imposições, minha natureza já não era apenas nativa e meu
DNA havia-se miscigenado com o DNA deles. A quem beneficiou aquele escambo?
Ao tornar-me um jovem adulto, algumas
décadas depois da "colonização", chegaram mais humanos na nossa
terra. Estes agora vindos do continente africano. Capturados, violentados
e humilhados vieram para o meu País e tiveram que "negociar" a força
de seus corpos, suas crenças e existências pela chance de se manterem vivos.
Infelizmente alguns nem conseguiram. O tráfico negreiro enriqueceu muitos
patifes oficiais.
Não sei se é possível comparar as duas
formas de dominação mas sei que os anos que se sucederam foram pavorosos e
desumanos, do ponto de vista dos irmãos africanos obviamente. E, mesmo
escravizados, superaram adversidades e sua existência persistiu intacta e no
sangue, costumes e cultura do brasileiro de hoje, como eu.
Poucos séculos depois do tal
"descobrimento", hoje, já senhor vivido, sou um corpo formado por várias
conquistas, tragédias e superações.
Vários tipos de sangue correm em
minhas veias e a história deste homem que vos escreve é de uma riqueza
impactante. Sou composto de vergonhosas violações mas também de respeitável
persistência. Sou feito de trapaças e invasões, mas carrego resistência e
amabilidade que me sustentam. Sou construído de tijolos horríveis, misturados,
porém, com bons materiais, sublimes e honrados.
E ao relatar-vos um pouco desta
caminhada, chego, agora, no ponto em que quero repensar as minhas formas de
negociar o futuro dos meus filhos e netos.
De que maneira resolvo, hoje, submeter
a vida dos que amo aos cuidados dos políticos eleitos. Como continuo, depois de
tudo, trocando objetos insignificantes, de prazer momentâneo, pela vida e honra
dos meus netos? Que decisão é esta que traz prejuízo aos que me proponho a
proteger?
Um prejuízo na vida, na educação pública
e na liberdade de andar seguro nas cidades em troca da falsa atenção no dia da
eleição? Ou em troca de uma falsa promessa? A perda de um ministro honesto que
deixou de ser indicado para se indicar alguém que prometeu defender o interesse
do político que ganhou meu voto ao me "doar" um produto qualquer? Por
que continuo trocando o sonho inocente da minha filha pelos sorriso e abraço de
um político interesseiro? Como continuo acreditando naqueles falsos olhares dos
egoístas colonizadores?
Em épocas de eleições, no Brasil,
surgem muitos "salvadores da Pátria" interessados em resolver os
problemas dos cidadãos pobres e oprimidos. Vendem-se como portadores de soluções
para os brasileiros carentes e necessitados. E época de eleição é um conceito
cada vez mais elástico. Talvez todo tempo, no Brasil. Para todo político
interesseiro e mal intencionado existe um eleitor metido a esperto, porém,
historicamente escravo.
E por que isto se repete, geração após
geração? Benefício imediato em troca de quê? Teimamos em trocar o futuro digno
de nossas famílias por um presente eleitoreiro. Não conseguimos perceber que o
favor imediato que este político faz para se eleger custa a vida dos nossos
semelhantes? Podemos negociar resultados mais significativos para as nossas
cidades?
Prova de maturidade é trocar alguns
prazeres fugazes imediatos pela satisfação da tranquilidade e segurança do
futuro. Sociedades maduras respeitam as famílias, honram o indivíduo, valorizam
os seus cidadãos. Tais sociedades são construídas por indivíduos esclarecidos e
exigentes. O que falta para sermos uma nação desenvolvida? Cito aqui o psicólogo
canadense Jordan B. Peterson: "Se você for disciplinado e privilegiar o
futuro em detrimento do presente, você pode mudar a estrutura da realidade em
seu favor."
É possível, sim, modificar a realidade
dos nossos descendentes!
Em breve, várias
cidades se transformarão em canteiros de obras.
E hoje, 2019, mercenários sujos e
parasitas continuam oferecendo bugigangas em troca de voto… ou melhor, escravidão
consentida. Isto é uma prova do desprezo ao indivíduo brasileiro. Preciso de, e exijo um poder judiciário imparcial que
combata os criminosos ilustres. Preciso de uma instituição que combata de forma
eficaz os falsos juízes. Com falsa justiça jamais seremos dignos. As miçangas
de hoje podem ser ornadas de falsas boas ações que seduzem e conseguem votos e
admiração em troca. Como saber?
Concluo, aos quinhentos e poucos anos,
que não existe um salvador da Pátria. A salvação é a força moral de cada
brasileiro. A saída é a minha coragem para reformar meus maus tijolos. Assumo
hoje o compromisso de negociar um futuro mais humano para nossas crianças. É preciso
cuidar delas, mais do que nunca. Sei que devo combater a tentação da covardia.
O falso aperto de mão dos aproveitadores tem que ser condenado. Sei que é hora
de pensar, criticar, estudar, discutir e chegar aos meus próprios passos. O
novo Brasil precisa de tijolos fortes e verdadeiros.
Lanço a última questão: TENHO SIDO INGÊNUO
E COITADINHO OU UM PÉSSIMO NEGOCIANTE?
*JACINTO LUIGI DE MORAIS NOGUEIRA
-Médico formado em 2003 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará;
Anestesiologista especializado no SANE-RS / Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / IC-FUC.; e
- Profissional liberal.
Nota do Editor:
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Prezado Evandro Sudério, bom dia. Sinto-me honrado pelo seu comentário. E agradeço pela lembrança das dentaduras que certamente fazem parte da realidade brasileira ainda em 2019. Vale realmente a pena trocar uma dentadura pelo futuro de nossas crianças? Creio que não.
ResponderExcluirAbraço.
Luigi Morais