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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Direito de Família: A Clínica do Direito!!


                                                                                                                                                       Autora
                                                                Águida Arruda Barbosa *


A expressão clínica do direito foi usada, pela primeira vez, na década de 1.990, pelo prestigiado advogado Rodrigo da Cunha Pereira[1], visando comunicar a inauguração de uma nova ética para a praxis da advocacia especializada em Direito de Família. Escreveu muitos artigos e livros acerca do tema, demonstrando que, a partir de sua experiência pessoal e profissional, a psicanálise é um instrumento indispensável para este ramo da advocacia, na contemporaneidade. 

Merece destaque, portanto, que o advogado especializado em Direito de Família deve ter a consciência de se preparar para um trabalho solitário, pois precisa estar disposto a acolher os segredos pessoais e familiares trazidos pelos clientes, normalmente em crise familiar[2], não suportando mais carregar, sozinhos, o fardo de suas angústias. Buscam alívio ao dividir o medo do futuro incerto com o profissional que deve estar capacitado ao exercício de uma escuta ativa e qualificada. 

A advogada e mediadora Jacqueline Mourret[3] traduz, em linguagem poética, a essência do papel do profissional de direito que acolhe o sujeito de direito, em sofrimento, quando faz uso de ferramentas adequadas: "é um estado de espírito, que transforma em esperança o que era desespero, em recomeço, o que parecia fim" .

A psiquiatra e mediadora norte-americana Florence Kaslow[4] expressa com muita propriedade: "Se o caminho desejado for o litígio, então os cônjuges têm muitas probabilidades de se sentirem desamparados, pessimistas, abandonados e deprimidos, pois as negociações estão principalmente nas mãos dos advogados e as decisões relacionadas à custódia, às responsabilidades paternas e à divisão de bens ficam a critério do juiz. Há uma grande quantidade de ansiedade proveniente da incerteza. Dada a mistura de confusão, solidão, tristeza e luto por todas as perdas que a ruptura do casamento e da família trazem consigo, a retribuição pode se tornar um objetivo dominante". 

Nesta linha de pensamento, a psicanalista Françoise Dolto[5], com muita propriedade, sintetiza: "a única verdadeira razão de um divórcio é que um dos cônjuges não vê outra solução, senão esta, para dar continuidade a uma vida saudável". Eis, nessa síntese, a importância da definição da responsabilidade dos operadores do Direito que atuam em conflitos de família, e os efeitos desta atuação sobre as escolhas adequadas dos protagonistas. 

Enfim, neste diapasão, o advogado, sendo o primeiro a receber o sujeito de direito, traçará o encaminhamento do conflito, buscando atitudes saudáveis, ou, em outra linha de atuação, para aqueles que agem pela lógica do litígio, acabam promovendo mecanismos para fomentar a litigiosidade, envolvendo a família em intermináveis disputas, com muito sofrimento. 

Em recente divórcio de um casal jovem, ambos com pouco mais de trinta anos, com um filho recém-nascido, decorrente de fertilização in vitro, depois de muitas tentativas de gravidez malsucedidas, exemplifica esta assertiva de que o encaminhamento dado pelo advogado será fundamental para as escolhas feitas pelos protagonistas do conflito familiar. 

Neste caso em tela a advogada do marido, comprometida com o exercício da clínica do direito, levantou a hipótese de que não se tratava de conflito conjugal, mas que a crise revelava-se como sintoma de comprometimento da saúde da mulher, em decorrência das excessivas doses de hormônio do tratamento que resultou na fertilização do filho do casal. 

A sugestão feita à advogada representante da mulher, de encaminhamento do casal para uma avaliação médica e psicológica, foi rejeitada pela causídica, chegando, mesmo, a comunicar que tomaria as medidas necessárias para a via litigiosa. No entanto, o marido foi buscar um perecer acerca da hipótese levantada, tendo obtido o diagnóstico de profunda depressão da mulher, que aceitou o tratamento médico e, paralelamente, o casal submeteu-se a uma terapia de casal. 

Não importa saber do desfecho deste relato, cujo objetivo é, tão somente, exemplificar a importância da conduta dos advogados, cada um no seu estilo. O enquadre que interessa, neste contexto, é demonstrar a importância da consciência da responsabilidade profissional depositada nas mãos dos operadores de direito. 

Daí a necessidade imposta aos advogados de ampliar seu campo de ação com outros conhecimentos, capazes de transformar o olhar sobre o sofrimento humano, buscando uma formação transdisciplinar. 

Tomando por parâmetro Mourret, Kaslow e Dolto, em suas sensíveis abordagens acerca do conflito familiar, é possível concluir que o adequado tratamento do divórcio é fundamental para o exercício da clínica do direito.

REFERÊNCIAS

[1] Rodrigo da Cunha Pereira, advogado especializado em Direito de Família, presidente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, autor de várias obras, dentre as quais Direito e Psicanálise, cunhou a expressão Clínica do Direito; 

[2]O termo "divórcio", "crise familiar" e "ruptura da vida conjugal" serão empregados em seu sentido amplo, aplicando-se ao casamento e à união estável, referindo-se também aos demais conflitos oriundos das relações familiares, como conseqüência da ruptura; 

[3] MOURRET, Jacqueline. "La médiation Familiale: Une "culture de paix", Ateliers de la Licorne, França. 1.996; 

[4] KASLOW, Florence. Dinâmicas do Divórcio. Editorial Psy, 1.995, pág. 50; e

5- RENCHON, Jean Louis. "La Médiation: un mode alternatif de résolution des conflits?" publicação do Institut Suisse de Droit Comparé, pág. 288, Zurich, 1.992.

*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA

*Advogada especializada em Direito de Família. Mediadora familiar interdisciplinar . Doutora e Mestre pela FDUSP(1972)





Nota do Editor:

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