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sábado, 1 de junho de 2019

Ainda Há Tempo


Autora: Jaqueline Caixeta(*)





Se o leite não derramou, ainda há tempo de desligar o fogo! 

O leite são nossas crianças, fervendo em suas dúvidas, medos, esperanças, sonhos, ansiedades. 

O fogo somos nós, sempre a borbulhar chamas de quem tem pressa. 

Afinal, do que temos pressa? 

Temos pressa de que eles saiam logo do peito para ganharmos a liberdade de ir e vir sem tê-los pendurados em nós. 

Temos pressa de que eles caminhem para aliviar nossos braços. 

Temos pressa de que eles aprendam a falar para que nos contem se alguém fez algo com eles na nossa ausência. 

Temos pressa de que eles comecem a ler e a escrever para não precisarmos tanto de supervisioná-los na hora do para casa. 

Temos pressa, sempre temos pressa. 

Ah, pra quê tanta pressa que eles cresçam? 

Mas ainda há tempo de frearmos, diminuirmos nossa pressa. 

Há tempo de querermos que eles fiquem um pouquinho mais em nosso colo, um pouquinho mais no aconchego de nosso abraço. 

Ainda haverá tempo de rir e fazer cosquinhas na cama, no chão, e brincar de matá-los de rir. 

Ainda haverá tempo de fazer castelos de areia na praia, antes que o sol do tempo se ponha. 

Quando o sol do tempo se pôr, mesmo assim ainda haverá tempo de contar as estrelas e esperar por um novo amanhecer. 

Olhe para sua criança e descubra que ainda há tempo. Não perca os minutos desse tempo que escorre entre os dedos da pressa. 

Abrace e beije muito sua criança antes que os micos da adolescência te digam que já não rola mais dar o beijo de despedida na porta da escola. 

Não tenha tanta pressa, não deixe o leite derramar... Tenha mais calma, deguste mais da infância de seu filho e se permita a não ter pressa. 

Desligue logo o fogo! 

A infância de seu filho é cena de um filme que só passa uma vez na vida. 

Aproveite-a bastante. 

Com afeto, 

*JACQUELINE CAIXETA 








-Especialista em Educação
jacquecaf@hotmail.com











Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

A Primeira Onda Feminista – De Lilith à Hidra de Lerna




Autor:Mateus Melo Machado(*)

  


"Desde a terrível Revolução Francesa, 
um espírito inteiramente novo e demoníaco 
entrou em grande parte da humanidade"
Friedrich Engels (Schelling, o Filósofo em Cristo)



Olympe de Gouges, a Revolução Francesa e a Primeira Onda

Para muitos estudiosos o Feminismo teve sua relevância em meio a Revolução Francesa (1789), no Iluminismo. O principal nome é Olympe de Gouges (seu nome de nascimento é Marie Gouze), dramaturga e ativista política francesa, que lutou pelo direito ao voto das mulheres sem alcançar o seu intento. Ela abraçou a Revolução Francesa; um monstro sangrento que deu início à queda abismal da França e trouxe conseqüências até os dias atuais. 

Decepcionada, Olympe acabou morrendo na guilhotina pelas mãos dos revolucionários radicais jacobinos; diferente do grupo moderado dos girondinos; a ala conservadora. O principal líder dos jacobinos foi Robespierre, com suas posições radicais e esquerdistas usando de extrema violência com objetivo de transformar a França em uma república baseada na igualdade social.

A Primeira Onda é a primeira versão moderna do Feminismo que surgiu no Reino Unido e se estendeu aos Estados Unidos; lembrando que o movimento feminista é um movimento político. As chamadas “Sufragistas” buscaram igualdade com os homens principalmente no casamento, na educação, direito ao voto e na participação política. 

A Primeira Onda Feminista, surgida do movimento operário trabalhista, e por isso ligada ao movimento socialista, teve como algumas de suas principais representantes Flora Tristán, ligada sobre tudo ao socialismo utópico, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai eram ligadas ao socialismo científico, mais conhecido como socialismo marxista. Delas surgiram a ideia do Dia Internacional da Mulher, comemorado dia 8 de março e que foi anunciado pela primeira vez na Dinamarca em 1910 na segunda conferência internacional das mulheres socialistas com a intenção unirem esforços para conquistarem o direito do voto.

Essa data se fortaleceu nos Estados Unidos em 1911 depois de um incêndio em uma fábrica em Nova York que matou mais 130 operárias, causando revolta e comoção internacional. E foi em 1917 que a data definitivamente se consagrou quando na Rússia mulheres saíram em protesto nas ruas contra o czar Nicolau II devido às más condições trabalhistas e a miséria. Elas só não esperavam pela catástrofe social quando o comunismo tomou conta do país através das mãos sanguinárias de Lênin, Trotsky e Stálin. 

Durante todo esse processo, as Sufragistas passaram do protesto pacifico para o vandalismo, incendiando propriedades de políticos, explodindo caixas de correio, cortando fios de telégrafo além de quebrarem vidraças de lojas pela cidade. Ao serem presas faziam greve de fome. Foi nesse cenário que explodiu a Primeira Guerra Mundial, obrigando os homens e deixarem seus lares e irem para o campo de batalha. Com isso as mulheres passaram a assumir os postos de trabalho e em conseqüência a própria economia, e já no final do conflito uma parte das mulheres se juntaram aos homens na guerra. Foi então que elas conseguiram o direito ao voto no Reino Unido e em outros países, ainda que o direito ao voto só fosse concedido às mulheres brancas nascidas nesses países.

Lilith 

Segundo a tradição mitológica judaica, Lilith foi a primeira esposa de Adão, Eva só veio depois. O primeiro indício dessa história nós encontramos na misteriosa passagem bíblica que está em Gênesis 1;27: "Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". Tratando da ação de Deus ao criar homem e mulher. No versículo seguinte, 1;28, está escrito: "E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra ..." No entanto, mais adiante, no capítulo 2;18 está escrito: "Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idônea.". 

Aqui temos um problema; Se Deus criou homem e mulher, segundo a Sua imagem, por que no capítulo seguinte Deus encontra Adão sozinho? E que seria bom criar uma mulher (outra?) para ele; e que seja uma mulher "idônea", ou seja, uma mulher que seja apta, que sirva perfeitamente ao propósito (de Deus). E antes de criar Eva, por que Deus os abençoou e lhes disse “frutificai-vos e enchei a terra”? Se não era Eva que estava com Adão, então era quem?

No Sepher Ha-Zohar, o Livro do Esplendor, Rabi Abba diz: "O primeiro homem era macho e fêmea ao mesmo tempo, pois a escritura diz: E Elohim disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gên. I, 26). É precisamente para que o homem se assemelhasse a Deus que foi criado macho e fêmea ao mesmo tempo" . Bem como na tradição talmúdica e na Tora encontra-se textos referentes ao Gênesis do Homem.

É possível que tenha acontecido um corte entre essas passagens, 1; 26-28 e 2; 18, há um espaço entre acontecimentos que não estão claros, pior, parece realmente faltar algo aqui. Naturalmente o mistério alimenta especulações.

Outro trecho, pertencente ao capítulo 2, que corrobora com essa interpretação é o versículo 23: "E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne, ela será chamada mulher, pois do homem foi tomada". Em algumas traduções está escrito "agora sim" ou "esta sim" "é osso dos meus ossos...". Esta (Eva) sim, porque a outra não era; a outra foi criada do barro junto com Adão.

Segundo a tradição judaica, Lilith foi a primeira mulher de Adão; foi criada junto com Adão, que no início foi criado como um ser andrógino (macho e fêmea os criou). Mas Lilith reivindica os mesmo direitos que Adão, o mesmo papel na criação. Desde o início ela mostrou a sua natureza rebelde, indomável, por isso deixou a presença de Adão justamente por não querer se submeter a ele, inclusive recusando a forma da relação sexual com o homem sobre a mulher. 

Por que a Serpente não tentou Adão? 

Teólogos argumentam que Eva era a ponta fraca da criação, discordo frontalmente; ela até poderia ser enganada mais facilmente, mas isso não faz dela a ponta frágil do casal. A tentação usada pela Serpente se baseava na ambição; a ambição luciferiana: "...no dia em que dele (o fruto) comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus", Gên. 3; 5; isso soa estranho porque o homem, pela sua natureza, tende a ser mais ambicioso, mais competitivo, que a mulher. 

Ao ser expulsa do Éden, Lilith se tornou um demônio noturno, com o poder de se transfigurar em outras formas. Mesmo sabendo que Eva não à conhecia, se transfigurou em serpente, a mais astuta de todos os animais segundo as escrituras, para entrar no Jardim e levar Eva à perdição; um espírito feminino maligno tentando corromper a nova natureza feminina criada por Deus através de uma parte de Adão. Lilith não procurou Adão porque certamente ele reconheceria a sua primeira companheira, mesmo na forma de serpente. 

Vale lembrar que a Serpente bíblica, antes de ser amaldiçoada, era o animal mais belo do Éden e caminhava, depois foi condenada a rastejar e comer pó. Aqui temos outra perspectiva, mais coerente; a Serpente não era Lilith, mas deixou ser possuída por Lilith para entrar no Jardim e enganar Eva.

Lilith, na pele da Serpente, plantou a discórdia entre Deus e o homem e entre o homem e a mulher; ao ser questionado por Deus, Adão joga a culpa sobre Eva: "A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore e comi", Gên. 3;12. 

Creio que Lilith não gostou da ideia de "encher a terra". Ela negou a maternidade porque o que ela desejava era ter controle sobre o próprio corpo. As feministas adotaram a bandeira pró-aborto usando essa narrativa de serem "donas do próprio corpo". Lembrando que a antiga URSS, no início do regime comunista, já na década de 20, legalizou o aborto.

Já na Primeira Onda, temos como exemplo a feminista e marxista Alexandra Kollontai, que foi amiga do Lênin e que coloca a revolução e a luta de classes acima de tudo, inclusive da maternidade; para ela, as mulheres estavam condenadas a suportarem "todo o peso da maternidade". A solução para arrancar parte do peso da maternidade, sua responsabilidade das costas da mulher, seria o uso de creches como estratégia revolucionária, deixando o Estado como responsável pela criação dos filhos, tirando as crianças das mães e do convívio familiar, facilitando assim o molde comunista como parte da identidade da criança. 

Segundo tradição judaica, Lilith, depois de expulsa do Éden, foi transformada em um demônio feminino. Interessante é que as principais vítimas desse espírito maligno são as crianças; os recém-nascidos; uma maneira de destruir a base familiar, rompendo com isso a ordenança de Deus - "frutificai-vos e enchei a terra"; por isso a negação da maternidade.

O ódio das feministas contra a tradição patriarcal advém do mesmo espírito de Lilith. E a luta pelo direito ao voto e da participação política esconde, na realidade, uma busca pelo poder político e social, inicialmente, equiparado ao homem, ou seja, a busca pelos "direitos iguais" mesmo entre seres diferentes. Nas duas ondas seguintes já não se trata mais de “direitos iguais”, mas da mulher ter o seu próprio caminho e do projeto para suplantar o homem e seu domínio, seu papel, na sociedade como um todo. E fica claro que a força e a influência espiritual maligna de Lilith sobre as feministas ficam mais intensas na Segunda Onda, quando vemos a bandeira da Revolução Sexual se erguer com força total dentro da Contra-Cultura mundial.

A Hidra de Lerna

Se o arquétipo da feminista, o indivíduo, pode ser representado pela figura de Lilith, o movimento feminista, o coletivo, pode ser representado pela figura monstruosa da Hidra de Lerna. Por isso, corte uma de suas cabeças e logo duas outras nascerão no lugar.

O feminismo não defende mulheres. O feminismo defende uma causa política, um movimento, uma ideologia que foi inserida dentro de uma agenda global. Aquelas mulheres que não se filiam ao movimento, que não concordam ou não se adéquam a essa ideologia são condenadas pelo feminismo. 

E o feminismo é apenas uma das engrenagens da Engenharia Social, um mero instrumento, um monstro criado em laboratório. A Dra. Renata Gusson adverte que a bandeira pró-aborto foi financiada, logo no início da década de 50, pelo multimilionário John Rockfeller III através da Population Council, uma organização mundial de controle populacional.

A ironia é que as feministas, orientadas pelos regimes socialistas e comunistas, são meras empregadinhas dos mega-capitalistas que financiam seus movimentos ativistas em prol de uma agenda global, parte de um sistema maior e mais complexo. E o que há por detrás de tudo isso já deixou de ser teoria faz tempo.

* MATEUS MELO MACHADO



Poeta, escritor e crítico literário;
Vencedor de Prêmios Literários, entre eles Ocho Venado (México), e um dos finalistas do Mapa Cultural Paulista (edição 2002);
Autor dos livros: “Origami de Metal” – Poemas – 2005 (Editora Pontes);
A Mulher Vestida de Sol” – Poemas – 2007 (Editora Íbis Líbris);
“Pandora” – Romance em parceria com Nadia Greco – 2009 (Editora Íbis Líbris);
“As Hienas de Rimbaud” – Romance -2018 (Editora Desconcertos),“
Contatos: mateusmachadoescritor@gmail.com
Cel/whats app (11) 940560885



Nota do Editor:

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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Mediação em Empresas Familiares

Autora: Águida Barbosa*

"EXISTE UMA COISA MAIS PODEROSA QUE TODOS OS EXÉRCITOS:
 UMA IDEIA CUJO TEMPO É CHEGADO"
VICTOR HUGO
                


A mediação é a ideia cujo tempo é chegado, no cenário brasileiro e mundial, nesta segunda década do Terceiro Milênio, justamente logo em seguida à década inaugural dedicada à Cultura de Paz, assim nomeada pela UNESCO.

Este tempo contém um poder maior que todos os exércitos, porém, para que a novel ideia revele todo o seu poder, é preciso que se concretizem novos paradigmas, com a renovação de valores, despindo-se de preconceitos, permitindo que o novo permeie o que existe, operando, assim, a transformação que eleva o ser humano a vibrar em uma oitava superior. 

O resgate da prática da mediação, na contemporaneidade, tem o berço nos Estados Unidos, na década de 1.960, que prima pelo pragmatismo, e na França, que se arroga da tradição milenar que lhe é reconhecida de sistematizar as novas idéias, buscando fundamento na filosofia, atualizando este conhecimento na conformidade dos novos paradigmas.

A mediação não se presta a desafogar o Judiciário, mas, se trata de um mecanismo capaz de buscar o aprimoramento dos meios de acesso à justiça para promover a transformação do conflito, valorando o uso da palavra para esta atividade humana, estimulando o diálogo e a comunicação.

No Brasil, com toda a força da ideia cujo tempo é chegado, a mediação vem como resposta a uma crise do Judiciário, sem precedentes, que exige uma reflexão sistematizada para que se aproveite a oportunidade de aprimoramento. Trata-se de um sintoma que anuncia o descompasso entre o modelo de acesso à justiça existente e o ideal de justiça universal, que paira sobre a humanidade, nesse momento histórico, pois, em tempos de mundialização, não cabe mais entender o mundo nesta divisão simplista - mundo oriental e mundo ocidental – quando as relações humanas estão se construindo com base na complexidade do conhecimento, que leva em conta o sentimento expresso pela palavra.

Há uma crença forjada pela repetição na história de que, em tempos de crise é que nascem as oportunidades que criam campo fértil para as revoluções das idéias, dos costumes e do modo de ser e de agir, das pessoas e das instituições. Daí a importância de se atribuir à mediação esta qualidade de uma ideia cujo tempo é chegado.

Neste contexto, a ideia da mediação representa uma trajetória histórica, tratando-se de um instrumento de humanização do acesso à justiça, tendo como valor fundamental a palavra, este atributo do ser humano que ainda não se compreende, em sua plenitude, visto que misto de concreto e de espírito. A palavra articulada pelo homem guarda, em si, um mistério a ser revelado.

Em decorrência desta qualidade, a mediação pode ser preventiva, portanto, sua atuação pode ocorrer sem a existência de conflito. 

O ponto de partida da mediação não é o conflito, mas, ela se posiciona antes dele, o mais próximo possível da nascente. Por meio da presença qualificada do mediador, os protagonistas são levados a um questionamento e à efetiva conscientização dos limites do impasse, até então em campo nebuloso, pois desconhecem a fonte primordial da inadequada comunicação que vincula os sujeitos de um conflito latente ou expresso. E a mediação presta-se ao resgate da via da qual, inconscientemente, desviaram-se para o atalho. 

Munidos destes recursos pessoais adormecidos, os mediandos são capazes de construir uma comunicação adequada e cristalina. Por isso, é incorreto dizer que mediação é uma forma de resolução de conflitos. No entanto, os norte-americanos reduzem a mediação, unicamente, a esta fórmula, ao lado da conciliação que tem por objeto a celebração de acordo, regida pelo adágio popular: é melhor um mau acordo que uma boa demanda. 

O conceito de mediação aqui eleito não é este, norte-americano, mas aquele lapidado pelos estudiosos franceses. Enfim, mediação é uma linguagem, qual seja, trata-se de uma atividade que afasta o julgamento e a exclusão, de qualquer natureza, pois, seu objeto é o exercício da palavra, em busca de compreensão e inclusão, o que só é possível por meio do uso da linguagem ternária - pensamento - sentimento - ação.

A mediação tem um amplo espectro de atuação pois é aplicável a qualquer forma de relação interpessoal.
Na França existe a mediação familiar, hospitalar, escolar, de comunidade etc. Porém, um campo que se amplia no Brasil é a mediação nas empresas familiares, que exige do mediador o conhecimento da complexidade dos sistemas relacionais humanos que permeiam a atividade empresarial, para que se tenha melhor desempenho no traquejo da linguagem ternária, qual seja a inclusão do sentimento como valor universal, no mesmo plano do pensamento e da ação. 

A empresa familiar é toda aquela que gira em torno do eixo familiar, correspondendo a um sonho, um ideal de seus integrantes, ou mesmo da necessidade ou da oportunidade de uma fonte de recursos para sustento de seus membros. Assim, o empresário gera a atividade empresarial e administra o patrimônio que, simultaneamente, pertence à empresa e à família.

É bastante frequente o modelo de empresa familiar que se forma a partir da iniciativa de um membro do casal, dividindo as tarefas com o seu cônjuge ou companheiro, posteriormente, envolvendo os filhos nas atividades e operações empresariais. Evitam a contratação de estranhos, seja para que os recursos financeiros não saiam do grupo familiar, seja para não delegar poder a terceiros. 

As empresas familiares[1] preponderam, visto que a maior parte das empresas do mundo nascem de uma pequena atividade de iniciativa dos membros de uma família, e, quando crescem e necessitam de contratação de pessoas estranhas, o poder de decisão continua nas mãos dos fundadores. 

A sucessão do poder decisório dessas empresas costuma ocorrer pela hereditariedade, ou pelo planejamento sucessório, mantendo a estrutura familiar personalíssima, porquanto sua constituição seja fundada em uma série de comportamentos específicos da família, provocando particularidades na atuação na empresa, tornando-a diferente das concorrentes.

Além dos conflitos habituais que podem ocorrer em qualquer empresa, como as divergências entre os sócios, diante da tomada de decisões para dar um passo mais largo que o habitual, ou mesmo as escolhas para enfrentar as crises de mercado ou da economia, quando se trata de empresa familiar há forte tendência de mistura das relações.

Em certa oportunidade, atendendo uma empresa familiar formada pela mãe, na presidência que acabava de assumir em decorrência de viuvez inesperada, sem nenhuma experiência tampouco formação profissional para a atividade empresarial, e os cinco filhos nas cinco diretorias criadas para acomodar toda a família, com salários altíssimos, se comparados ao mercado, vivia uma crise financeira que se encaminhava à bancarrota. Havia diagnóstico de uma crise de gestão e os sócios - a mãe com 90% das quotas e os cinco filhos com 2% cada um na participação societária – estavam completamente despreparados para enfrentar as dificuldades.

O consultor da empresa os encaminhou para a mediação, embora se mantivesse no exercício de suas atribuições, prestando serviços especializados. No entanto, como estava na empresa desde áureos tempos, durante seu crescimento sob o comando do falecido cônjuge e pai dos atuais sócios, logo se deu conta de que havia ali uma crise financeira decorrente da atual gestão, da brusca mudança de orientação, distante de uma visão profissional e de experiência de mercado.

Embora os sócios insistissem em realizar as sessões de mediação nas instalações da empresa, o mediador ponderou a garantia do bom aproveitamento daquele trabalho, desde que o espaço físico fosse estranho ao da empresa, evitando a contaminação daquela dinâmica pelos vícios arraigados a sistema empresarial e familiar.

Todos compareceram à primeira sessão de mediação, contratada pela mãe/presidente, porém, aceita pelos filhos/diretores, que depositaram naquele trabalho muitas esperanças de alívio às tensões que viviam, sejam as relacionais, sejam aquelas advindas da insegurança financeira. A sessão inaugural foi difícil, pois não estavam acostumados ao exercício da palavra, com voz para falar de sentimento, razão e ação, em perfeita consonância.

A segunda sessão, uma semana depois, não contou com a participação de um filho/diretor, que se justificou com evasivas, porém, a mãe/presidente comunicou que o filho havia sido convidado para trabalhar numa concorrente, com oferta de salário irrecusável. Este era o único formado em engenharia na especialidade desenvolvida pela empresa, PhD nos Estados Unidos e que representava os sócios nas feiras internacionais, como especialista no assunto.

Diante de tais mudanças anunciadas, instalou-se uma crise entre todos os participantes, pois os filhos/diretores acusavam a mãe/presidente de conluio com o filho/diretor ausente, pois sempre foi o "queridinho" da mamãe, posto que fosse o mais inteligente, o mais bonito, o mais parecido com a mãe, enfim, foi perceptível a crise de identidade daqueles que não investiram em uma formação profissional, embora todos tivessem tidos todas as oportunidades de dedicação aos estudos e à profissionalização.

Todos compareceram à terceira sessão que foi o ponto alto da mediação. A mãe/presidente revelou que percebia a mistura das relações familiares e societárias. Contou que convocou uma reunião de diretoria na empresa, na véspera daquela sessão, e observou que mais parecia o almoço de domingo, que tradicionalmente realizava em sua casa, na ampla mesa da sala de refeições, onde todos tinham assento, repetindo a tradição de seus sogros e fundadores daquela empresa.

A filha/diretora concordou com aquele relato e asseverou que se dera conta deste fenômeno observando o almoço de domingo, no qual o tema central foi a gestão da empresa e a necessidade de obter um empréstimo bancário para fazer face ao pagamento do décimo-terceiro salário, para o qual não haviam feito a devida reserva mensal, como orientou o consultor. 

Nesta mesma sessão foi levantado que deveriam tomar providências para reduzir os custos da empresa, sendo que o filho/diretor responsável pelas finanças distribuiu um relatório, demonstrando que a empresa estava “no vermelho” durante todo aquele ano e que ninguém se deu conta. Revelou, ademais, que a remuneração da diretoria era o ponto nevrálgico, posto que em desacordo com as efetivas condições da empresa.

Marcada a quarta sessão para a semana seguinte, sempre no mesmo dia da semana e no mesmo horário, foi cancelada na véspera, pela secretária da presidente da empresa. Este fato era um sintoma de que a ferida foi descoberta e estava causando muita dor. O mediador ficou na expectativa, pois poderiam abandonar a mediação, negando as evidências, ou precisavam daquela pausa para a reorganização dos objetivos.

Diante do silêncio dos protagonistas, na semana seguinte, para não ser distante nem invasivo, porém, demonstrando respeito à regra estabelecida na primeira sessão, qual seja, a reserva de dia e horários fixos semanais, a secretária do mediador telefonou para a secretária da presidente da empresa para saber se estava confirmada a quarta sessão para o dia seguinte, reservado para aquela dinâmica de mediação. Não houve confirmação, porém, a presidente logo telefonou ao mediador, manifestando o desejo de ser recebida isoladamente, sem os filhos.

Esta é uma questão delicada numa mediação e precisa ser analisada caso a caso. O mediador indagou se os demais partícipes estavam de acordo com aquela consulta isolada do grupo, ao que ela respondeu que não os consultou. Prontificou-se a convocar uma reunião para o fim específico de decidir acerca da mediação. No dia seguinte voltou a ligar ao mediador, perguntando se o consultor poderia participar da sessão, ao que foi respondido que sim, desde que todos estivessem de acordo.

Realizou-se a quarta sessão de mediação na semana seguinte, depois desse intervalo de três semanas, com a presença do consultor. Estavam todos completamente mudados em suas convicções iniciais, tomados de uma conscientização amadurecida das dificuldades individuais, reconhecendo as diferenças entre eles. Relataram que conseguiram almoçar no domingo, na casa materna, sem levar as questões da empresa, e realizaram uma reunião na empresa, com a presença do consultor, e conseguiram assumir o papel de cada um na diretoria, com poucos deslizes na mistura com os papéis familiares, com a preciosa colaboração do consultor, elemento estranho à família.

Ao todo foram dez sessões de mediação, com a presença de pessoa estranha à família a algumas delas, como o gerente geral que contrataram, com experiência no mercado, e uma das sessões, por sugestão de um dos diretores, contou com a participação de apenas da presidente e ele, para lidar com questões de conflito pessoal entre eles, mas que refletia nas relações empresariais.

Ajustaram a remuneração do diretor PhD ao patamar da concorrência, com o reconhecimento de que ele tinha um diferencial em relação aos demais, e a presidente concluiu que em lugar de remuneração, estava dando mesada aos filhos, rebaixando-os a uma posição de subserviência à "mamãe".

A presidente foi fazer um curso de liderança para melhorar sua performance na função que lhe era atribuída. Recentemente, depois de dois anos do término da dinâmica da mediação, o mediador teve notícia de que a família vendeu a empresa, depois de recuperá-la financeiramente, obtendo um valor real. Como a mãe tinha 90% da participação societária da empresa, com o produto da venda fez doações aos filhos. Três deles investiram em franquias que lhes garantem rendimentos para se manterem, a filha foi morar na Europa, acompanhando o marido em missão diplomática, e o filho engenheiro PhD é diretor contratado pela empresa que venderam, com alta remuneração, pois ele representa o diferencial trazido pela cultura da família, imprimida pelos avós imigrantes, desenvolvida pelo filho único, pai e marido dos sucessores. 

A mediação nas empresas familiares é um campo de importante aplicação desse conhecimento, com resultados rápidos, eficazes e eficientes para o fortalecimento da empresa, do patrimônio e das relações familiares, além de evitar litígios intermináveis, que podem inviabilizar a empresa, como muitos casos conhecidos, de poderosos grupos econômicos. 

Trata-se de uma oportunidade de reconhecimento e resignificação da função da empresa, naquele momento histórico tanto da empresa como da família. Há, enfim, uma atualização da atividade em relação ao mercado e a oportunidade de avaliar se os sucessores estão realizando uma vocação ou se estão, apenas, servindo de seguidores dos sonhos dos ancestrais.

REFERÊNCIAS

[1] As empresas familiares são muito freqüentes, a exemplo do Grupo Votorantim, que fez um planejamento sucessório com profissionais dos Estados Unidos, para estabelecer os critérios de administração da empresa em caso de morte de seus integrantes da mesma família. O Grupo Pão de Açúcar viveu, publicamente, sérios conflitos entre irmãos que ocupavam a segunda geração da empresa, e se submeteram a uma mediação empresarial nos Estados Unidos. No entanto, há empresas familiares brasileiras cujo conflito familiar por ocasião do divórcio dos fundadores resultou na falência da empresa familiar, ou na venda da empresa por valor irrisório.
BIBLIOGRAFIA 

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação Familiar Interdisciplinar. São Paulo: Editora Atlas, 2015; e
SIX, Jean-François. Dinâmica da Mediação. Tradução de Águida Arruda Barbosa e outras. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001.

*ÁGUIDA BARBOSA

-Graduada pela USP (Turma de 1972);
-Doutora e Mestre pela USP;
-Professora;
- Advogada especializada em Direito de Família; e
-Mediadora Familiar Interdisciplinar.

Contato: 11 5531-3388


Nota do Editor:


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quarta-feira, 29 de maio de 2019

Falha na prestação do serviço e sentença condenatória (punitivo pedagógica)

Autora: Luciana Wiegand(*)


Hoje vou falar sobre um caso concreto, e mostrar a vocês parte de uma sentença condenatória, muito bem redigida por sinal, atentando para o caráter punitivo pedagógico da condenação. 

O desvio produtivo do consumidor, decorre do tempo útil dispendido pelo consumidor, tentando solucionar a falha na prestação de um serviço, ocasionado por um mau fornecedor. 

Relato do caso: Consumidor contratou com site de empresa conhecida, serviço de "lista de casamento", onde convidados de sua festa poderiam presenteá-los realizando compras no site da empresa, que seriam entregues na residência dos noivos.

Casamento ocorreu, e um dos presentes não foi entregue. A noiva tentou resolver diversas vezes por telefone, e-mail, reclamações em sites específicos e outros locais. Não obteve sucesso. Só esse estresse e demora para resolução do fato já configura a chamada teoria do desvio produtivo do consumidor. 

O casal responsável pela compra do presente não entregue era amigo do casal, encontrou-os e perguntou sobre o presente. Imagina o constrangimento. Os noivos nem sabiam de quem havia sido o presente comprado e não entregue, e assim, não puderam agradecer aos convidados adequadamente. Dano moral configurado. Vergonha, constrangimento, não recebimento de presente de casamento, encontro com os compradores do presente não entregue, sem palavras. 

Ação ajuizada. Pedido de danos materiais e morais. Quando comprovado abuso e/ou falha na prestação do serviço pelo fornecedor, resta ao consumidor pedir socorro ao Judiciário como única forma de ter compensados os danos materiais e morais decorrentes da violação da dignidade da pessoa humana. 

Pretende-se que a sentença condene o réu a restituição do valor do presente (dano material) e ainda o dano moral, considerando o caráter punitivo- pedagógico da sentença. 

Somente o Poder judiciário, através de uma condenação justa, além da compensação pelos danos causados ao consumidor, poderá fazer com que o réu possa melhorar a qualidade da prestação de serviços oferecidos ao consumidor. 

Assim, há uma maior chance de garantirmos o fim do descaso e incompetência das empresas, desestimulando o réu a prática de tais condutas ilícitas que ocasionam danos e necessidade de ingresso no judiciário. 

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, independente de culpa, com base na Teoria do Risco do Empreendimento, nos termos do art. 14 da Lei 8.978/90, in verbis: 
"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços." 
O Código Civil menciona que a responsabilidade civil de quem pratica ato ilícito e viole direito e/ou cause dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, nos termos dos art. 186 e 927 do CC/2002, in verbis: 
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo." 
Portanto, configurados os elementos da responsabilidade objetiva, a saber: a conduta, o nexo de causalidade e o dano à parte autora, mostram comprovado o dever de indenizar dos Réus. Assim, no caso concreto a juíza muito bem avaliou os fatos detalhadamente, proferindo a seguinte sentença (em parte): 

"A relação jurídica entre as partes é de consumo, portanto, regida pela Lei 8078/90. A responsabilidade do réu é objetiva, o que significa que responde pelos danos causados, independentemente da aferição da culpa no campo probatório. Presentes a verossimilhança das alegações autorais, bem como sua hipossuficiência técnica, deve ser invertido o ônus da prova, o que é regra de julgamento, aplicável a critério do Julgador (artigos 6º, VI, VIII, X, 14 e 22, da Lei 8.078/90). 

Quanto ao dano moral, entendo que a conduta desidiosa do réu frustrou as legítimas expectativas da parte autora, acarretando transtornos que ultrapassam a esfera do mero aborrecimento e foram suficientes para gerar lesão à sua integridade psicofísica, notadamente por se tratar de presentes do seu casamento que não foram entregues diante da desídia do réu quanto à prestação dos seus serviços, o que impossibilitou a autora de agradecer individualmente pelos bens adquiridos por seus convidados. 

Convém observar que a publicidade ostensiva da ré nos meios de comunicação quanto às suas ofertas, produtos e serviços gera indubitável espera e confiança nos consumidores quanto aos bens adquiridos, devendo ser aprimorados os serviços da ré e condução dos seus negócios. 

Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está implícito na própria ofensa, de tal modo que, provado o fato danoso, ipso facto está demonstrado o dano, à guisa de uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. Soma-se a isso o fato de que o réu é um dos 30 maiores litigantes deste Estado, conforme se percebe do relatório ¿Top 30 ¿ Maiores Litigantes¿, elaborado pelo TJRJ e disponibilizado no sítio eletrônico http://srv85.tjrj.jus.br/MaisAcionadas/, o que revela a falha reiterada na prestação do serviço e possibilita o arbitramento do valor indenizatório levando em consideração o caráter punitivo e pedagógico, de forma a estimular a melhoria do mercado de consumo (art. 4º, IV, CDC)." 

Conclusão, o juiz condenou a empresa a pagar aos noivos, ou melhor, já cônjuges, a restituição de R$280,81 referente ao valor do presente não entregue, e ainda R$3.500,00 de danos morais. 

Assim, percebemos que, como consumidores, infelizmente, ainda precisamos do Poder Judiciário para que a justiça seja feita e as grandes empresas cumpram o prometido em tantas e tantas propagandas. 

Como advogada, entristece-me que tenhamos que recorrer ao judiciário toda hora por falha na prestação de serviços. Seria melhor, como advogada, consumidora e ser humano, que as empresas fossem mais corretas e cumprissem com suas obrigações, respeitassem seus contratos e prezassem pelo bom relacionamento com o cliente. 

Caso precisem, estamos aqui, prontos para atendê-los em qualquer parte do Brasil. Que a justiça seja feita, em todas esferas de nossas vidas. 

*LUCIANA WIEGAND 


OAB-RJ 130.297
WIEGAND & RIBEIRO
ADVOCACIA E ASSESSORIA JURÍDICA
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Nota do Editor:

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terça-feira, 28 de maio de 2019

Desaparecimento de Crianças e Adolescentes: Inovações Legais


Autora: Camila   Lobato(*)


Abordar temas que envolvam crianças e adolescentes é uma tarefa árdua e meticulosa, ainda mais quando tratamos de crimes praticados contra esses infantes que por estarem em estágio de desenvolvimento acabam sendo vulneráveis em qualquer situação, sendo mais fácil de dominá-los e persuadi-los.

A situação de abandono e também da violência contra crianças e adolescentes ocorre desde os primórdios e diante do fortalecimento de movimentos sociais e de muitas lutas esse cenário mudou e pode-se reconhecer essas pessoas como sujeitos de direito. 

Assim, após um longo período percorrido da infância negada e ignorada, pela primeira vez na história do Brasil, crianças e adolescentes foram vistos como prioridade absoluta, sendo, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227, caput, reconhecida a doutrina da proteção integral, regulamentada, em 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, garantindo a efetivação dos direitos fundamentais, em questão a sobrevivência, ao seu desenvolvimento pessoal, social, físico, psicológico e moral. Além de garantir que crianças e adolescentes não devem ser alvos de qualquer forma de negligência, crueldade, violência, maus-tratos, exploração e opressão, devendo ser responsabilizados os autores que violarem esses direitos.

Ocorre que apesar desse avanço na história, ainda temos um grande caminho a percorrer, a cada dia a sociedade e o Estado parecem regredir no trato com o público infanto juvenil que mesmo tendo seus direitos expressos em Lei, a falta de fiscalização, aplicação correta da norma e políticas públicas, fazem com que seus direitos sejam constantemente violados. Podemos afirmar que uma das grandes e lastimáveis violações ao direito das crianças e adolescentes é o descaso quanto ao desaparecimento de meninos e meninas no Brasil, uma problemática que assola o nosso País e que atinge mais famílias do que se imagina.

Diante dessa triste realidade ignorada pela população e pelos órgãos públicos, crianças e  adolescentes por serem mais vulneráveis, tanto psicologicamente, quanto economicamente, seja pela falta de informação ou por sua fragilidade por serem pessoas em desenvolvimento, são as mais afetadas. Estima-se que o desaparecimento desses infantes, no Brasil, chega a mais de 40 mil todo o ano, principalmente, crianças do sexo feminino. Na verdade, esse número tende a ser muito maior, devido nem todos os casos entrarem nas estatísticas oficiais.

Os motivos do desaparecimento de muitas crianças e adolescentes podem ser diversos, conforme a faixa etária e a situação ocorrida, por ações de terceiros ou por motivações pessoais. Contudo, o principal motivo é o tráfico para variados segmentos como: a exploração sexual para fins comerciais (prostituição ou pornografia); o trabalho doméstico, a adoção ilegal, o trabalho forçado, a comercialização de órgãos, a mendicância e atividades ilícitas ou qualquer tipo de trabalho que coloque em perigo a saúde ou a vida das crianças e adolescentes.

Em face do crescente número de registros de pessoas desaparecidas e tendo como principal motivo o tráfico, a Lei nº 13.344/16, alterou o Código Penal Brasileiro, inserindo o art. 149-A, que salienta:

     "Tráfico de Pessoa
 Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;IV - adoção ilegal; ouV - exploração sexual.Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ouIV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional."

Por outro lado, pode ocorrer o desaparecimento por motivações pessoais, onde crianças e principalmente muitos adolescentes acabam fugindo de casa em decorrência de maus-tratos, conflitos familiares, como casos em que pais não aceitam a sexualidade dos filhos ou pais que tem novos companheiros que os filhos recusam, uso de drogas lícitas ou ilícitas, como o álcool, maconha, crack…, e, o abuso sexual. 

Ocorre, que nesses últimos casos o problema do desaparecimento acaba sendo solucionado de forma mais fácil, diferentemente do que ocorre com os casos de crianças e adolescentes que são vítimas de tráfico, onde a dificuldade para solucionar o problema acaba sendo muito maior.

O tráfico de pessoas é considerado o comércio mais rentável do mundo da indústria do crime e o Brasil é o país da América Latina com a maior incidência em tráfico internacional de crianças, principalmente, para fins de exploração sexual ou para adoção ilegal. Em vista disso, devemos refletir quanto ao descaso das autoridades e a baixa visibilidade de um assunto tão alarmante e importante para a nossa sociedade.

Acontece que diante da situação econômica e sociocultural do nosso povo, muitas crianças são vendidas como mercadorias, pelos próprios pais que são aliciados, enganados e levados a entregar seus filhos, por não se acharem em condições de criá-los, visando uma oportunidade e qualidade de vida para suas crianças, que eles não seriam capazes de dar. Semelhantemente, no caso de adolescentes, estes podem ser enganados e influenciados por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida. No entanto, acabam encontrando uma realidade bem diferente do que esperavam, muitos são escravizados ou até mortos.

No Brasil a falta de fiscalização e a pouca atenção que o Poder Público dá para casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, principalmente, de famílias mais pobres e humildes, que são as mais afetadas, pela própria falta de instrução e amparo, faz com que quadrilhas formadas por médicos, assistentes sociais, advogados, Juízes, pessoas da migração, policiais, falsários, dentre outros, se aproveitem dessa situação de costume popular, para enriquecimento próprio, surgindo, ainda, os intermediadores que fazem a comercialização nacional e internacional de bebês, crianças e adolescentes, que são rejeitados, abandonados, roubados ou enganados.

Nesse sentido, com o avanço da globalização e da tecnologia, aumentou a comercialização do corpo da criança e do adolescente, além de facilitar o aliciamento por meio da internet, favorecendo os lucros milionários do tráfico, principalmente para fins de exploração sexual, o que acaba por multiplicar os casos subnotificados.

A facilidade de cometer crime dessa natureza no Brasil ocorre por diversos fatores, o que acaba dificultando e muitas vezes generalizando o trato que as autoridades competentes dão nesses casos. 

Tendo em vista que a grande maioria dos casos de desaparecimento notificados são de crianças e adolescentes que fugiram de casa e desapareceram por motivos familiares, as autoridades acabam não dando a importância que deveriam, determinando, muitas vezes, que os pais ou responsáveis esperem um limite de tempo de 24hs a 48hs para poder tomar alguma providência, fazendo muitas vezes mal juízo dos jovens desaparecidos e de seus familiares. Além disso, o que facilita também o tráfico é a falta de fiscalização ao entrar em outros países, como ocorre na fronteira do Brasil – Paraguai, e, também entre os Estados do Brasil.

Diante dessa preocupante e caótica problemática, entrou em vigor a lei nº 11.259/2005, que acrescenta o § 2º ao art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90, desmistificando o tempo que deve ser notificado aos órgãos competentes sobre o desaparecimento de uma criança ou adolescentes, sendo assim, percebendo a ausência desses, imediatamente, deve ser comunicado à polícia, para que sejam tomadas as devidas providências, também de forma imediata, não devendo aguarda entre  24h ou 48h para fazer essa notificação e iniciar as buscas, pois quanto mais o tempo passar, mais remotas são as chances de encontrar a pessoa procurada. Desta forma, deve-se procurar a delegacia mais próxima e registrar um boletim de ocorrência, sobre o desaparecimento da criança ou adolescente, para que as buscas comecem. Assinala a Lei de Busca Imediata:

Art. 1º O art. 208 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 passa a vigorar acrescido do seguinte § 2o, convertendo-se o atual parágrafo único em § 1º:
"Art. 208. ..........................................................…§ 1o (...)§ 2º A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido."
Ademais, desde 2009, através da Lei nº 12.127/2009, o Brasil conta com um Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes desaparecidos, para auxiliar nas buscas, identificação e localização de jovens em todo o território nacional, porém é desatualizado e pouco priorizado. Esse cadastro, por ter a possibilidade de ser alimentado pelos próprios familiares da pessoa desaparecida, faz com que as autoridades competentes que deveriam ter o dever de cadastrar situações de desaparecimento com regularidade, acabam não dando a devida importância, dificultando o próprio objetivo da criação do cadastro que é o compartilhamento de dados com outros Estados para ajudar nas investigações de pessoas desaparecidas. Devido a falta de uma estrutura integrada entre os Estados e o Governo Federal acaba dificultando a investigação e a busca por essas crianças e adolescentes desaparecidos.

Diante do número alarmante de crianças desaparecidas e tendo em vista a falta de estruturação no combate a essa problemática, no corrente ano uma nova ação foi criada para combater o desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil, a Lei nº 13.812/2019, que terminou por instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, além de criar um Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, e de alterar o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto a viagens de jovens desacompanhados em território nacional, estabelecendo ser proibido que adolescentes menores de 16 anos viajem sem autorização judicial para fora da comarca de sua residência desacompanhado dos pais ou de responsáveis em voos nacionais ou ônibus interestaduais, ou seja, aumentou de 12 anos para 16 anos essa proibição. Vejamos:

"Art. 83. Nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá viajar para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou dos responsáveis sem expressa autorização judicial.         §1º ...............................................................a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 (dezesseis) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;b)a criança ou o adolescente menor de 16 (dezesseis) anos estiver acompanhado:(...)"
Além de que fica estabelecido que os hospitais, as clínicas e os albergues, públicos ou privados, devem informar às autoridades públicas sobre o ingresso ou o cadastro de pessoas nesses locais, sem a devida identificação.
Com o advento da Lei em comento, o Legislador acabou por unificar o Cadastro de Pessoas Desaparecidas, tanto de crianças e adolescentes, como adultos. Criou o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, afirmando que a busca e a localização dessas pessoas são prioridades com caráter de urgência pelo poder público. Vejamos:

"Art. 3º A busca e a localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo poder público e devem ser realizadas preferencialmente por órgãos investigativos especializados, sendo obrigatória a cooperação operacional por meio de cadastro nacional, incluídos órgãos de segurança pública e outras entidades que venham a intervir nesses casos."
A Lei trouxe ainda o dever que as autoridades de segurança pública competente tem de inserir, atualizar e validar as informações no Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, além de que a autoridade central federal e as autoridades centrais estaduais deverão elaborar relatório anual, com as estatísticas sobre os desaparecimentos.

"Art. 7º A autoridade central federal e as autoridades centrais estaduais elaborarão relatório anual, com as estatísticas acerca dos desaparecimentos, do qual deverão constar:I - número total de pessoas desaparecidas;II - número de crianças e adolescentes desaparecidos;III - quantidade de casos solucionados;IV - causas dos desaparecimentos solucionados."

Ainda, a lei exige que as investigações de pessoas desaparecidas deverão ser realizadas até a efetiva localização da pessoa, não existindo a possibilidade de arquivamento das investigações policiais, sendo de suma importância a localização da pessoa desaparecida.

Por derradeiro, conclui-se que mesmo com os avanços legislativos, buscando soluções para o enfrentamento, a prevenção e investigação assídua de crianças e adolescentes desaparecidos, infelizmente, caso a norma não seja aplicada e cumprida rigorosamente, junto com outras medidas de politicas públicas vinculadas a esse tema, inclusive com a integração de diversas instituições, como o Ministério Público, Judiciário, Polícia, Conselho Tutelar, dentre outros, tudo será em vão e os direitos desses jovens continuaram sendo violados.

Por fim, importante ressaltar que no dia 25 de maio é celebrado o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Essa data tem por objetivo conscientizar a sociedade sobre os cuidados para prevenir o desaparecimento de crianças, além de encorajar a população a refletir sobre esse tema diante dos alarmantes casos de desaparecimento no Brasil e no Mundo. 

Devemos dar uma atenção maior para esse assunto, melhorar a metodologia de atendimento e a qualidade das informações dos desaparecidos. Sendo, ainda, importante que pais e educadores, orientem adequadamente crianças e adolescentes sobre o referido tema. A sociedade também deve fazer sua parte, procurando o disque denúncia e compartilhando informações pelas redes sociais. Somente assim, será possível enfrentarmos essa problemática que destrói muitas famílias e prejudica a vida de muitas crianças e adolescentes.

*CAMILA DANIELLA SEABRA LOBATO

-Graduação na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2013);
- Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2017);
- Mestranda em Criminologia Forense na Universidad de La Empresa - UDE - Montevideo - Uruguai;
-Advogada na área de família;
-Rede social (instagram): camiladanilobato

NOTA DO EDITOR :

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