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domingo, 26 de abril de 2020

A Eternidade nos Escapa



Autora: Karla Kratschmer(*)



Por que em meio a tantas doenças e mortes diárias, uma epidemia como a do Covid-19 desperta tanta angústia? 

É sabido desde o início das questões existenciais na filosofia, que o que nos diferencia dos animais é a consciência que temos da morte; sabemos que um dia vamos morrer. A morte é inclusive a única certeza que temos. 

Mas esse saber sobre a própria finitude não nos acompanha de modo consciente diariamente, afinal isso seria insuportável. E no atual momento – onde os noticiários falam sobre doença e morte 24 horas por dia – é justamente essa consciência que salta aos olhos, tornando essa nossa condição evidente diariamente; diante da qual cada pessoa responderá da forma que puder; algumas com negação, outras com desespero, outras com tranquilidade. 

Algumas pessoas sofrerão mais, outras menos; por exemplo, quem está habituada a fugir de si mesma, a fugir das frustrações e angústias, poderá sofrer mais; uma vez que certos subterfúgios utilizados estão proibidos atualmente. 

O psicanalista Christian Dunker em entrevista para o Valor na sexta-feira 17/04 utiliza da analogia da prisão, dizendo que “ser coagido a ficar em determinados ambientes, é na nossa cultura um signo de repreensão. É assim que é tratado o adulto que transgride a lei ou a criança que faz coisa errada. O afastamento social é um elemento de forte associação com a punição.”. [1] 

Se tem uma coisa que força o ser humano a olhar no espelho, é um momento de crise. E com a crise epidêmica que estamos vivenciando – que isola e impede aquela pessoa que evita a angústia de utilizar diversões como bares, viagens, festas, etc, como meio de fuga de si mesma – evitar o espelho pode se tornar impossível. 

E como desconstruir e reconstruir a imagem que se vê? É preciso coragem. É preciso manter-se com a mente sã. 

Esse não é o momento de encerrar a análise/terapia, e com certeza será o momento propício para muitas pessoas iniciá-la. Pois, "revivendo o que se passou, e reacomodando os afetos com as ideias, muito de nossa experiência de vida encontra a sua cura (...) e escutar a si mesmo envolve partir do presente, voltar ao passado e projetar um futuro "solucionático" para isso."[2] 

O que não dá é continuar na alienação, afinal, de imediato essa crise traz à tona a terceira ferida narcísica da humanidade mostrada por Freud com a descoberta do inconsciente: não estamos no controle de coisa alguma e é impossível passar uma existência inteira fugindo de si. 

Então sim, esse é um dos momentos na história em que a certeza de que "a eternidade nos escapa" [3] é completamente evidente; mas e aí? o que faremos com isso? 

Negar o fato de que a terra é redonda não irá reverter a primeira ferida narcísica, a mostrada por Copérnico. 


REFERÊNCIAS

[1] Valor EU & FIM DE SEMANA; sexta-feira, 17 de abril de 2020 – Ano 20 – N. 1010;

[2] O palhaço e o psicanalista; de Christian Dunker e Cláudio Thebas;e

[3] A elegância do ouriço; de Muriel Barbery

(*) KARLA KRATSCHMER














Karla Kratschmer é psicóloga e psicanalista;
Realiza atendimento presencial e on-line (por videoconferência).
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Nota do Editor:

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