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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Apagar a história


Alceu Albregard Jr.(*)

Penso aqui no mistério da Atlântida. Divulgada por Platão na narração de um diálogo, é um mito sobre uma vasta ilha, situada próximo ao estreito de Gibraltar. De avançada cultura e tecnologia, os atlantes dominaram por muito tempo o mediterrâneo até serem afastados pelos gregos. 

Devastada completamente por cataclismas, diz o diálogo, deixaram de existir quaisquer provas de que realmente teria existido, passando a ocupar, na história, a dimensão de um mito. Apenas uma lenda. 

Duvidamos que a Atlântida tenha existido. 

Assim é a história. Podemos assumir como verdadeiros muitos eventos fantásticos do passado,simplesmente porque existem provas de que ocorreram. Esqueletos de dinossauros nos levam a milhões de anos no passado, simplesmente porque estão ali, em museus espelhados mundo afora. 

As pirâmides do Egito e da América nos mostram a capacidade de construção de povos que viveram há milênios, mas a falta de documentos nos faz fantasiar sobre como teriam sido construídas. 

Guerras terríveis, extermínios de povos, movimentos de continentes, são eventos que a história reconhece como ocorridos simplesmente por terem deixados rastros visíveis. 

E mesmo assim, há pessoas que, apesar de todas as evidências palpáveis, duvidam que tais eventos ocorreram. 

Penso agora no movimento de destruição das estátuas que remetem a eras escravagistas. Monumentos que um dia homenagearam pessoas que impuseram dor e sofrimento a outras por sua origem, sua cor, sua condição social. 

Naquela época tais monumentos foram erigidos por pessoas que compartilharam dos ideais insanos de outros e lhes dedicaram homenagens pelo significado de uma vitória extraída do horror que causaram. 

Essas mesmas homenagens, com o passar do tempo, com a evolução da sociedade, sofreram reinterpretação. Na memória de muitos, dos povos que praticaram esses atos outrora considerados grandiosos, as atitudes monstruosas se transformaram em cicatrizes de vergonha. São marcas permanentes na história. 

No presente, venerar o passado desses homenageados é discutível e menosprezado, pois em lugar da adoração, a vergonha deve ocupar o lugar. Mas apenas enquanto existem tais marcas, as atrocidades podem ser lembradas como tal e discutidas, enfrentadas, examinadas. 

Penso que, com o passar de anos, os negros jamais terão sido escravos. Os judeus jamais terão sido vítimas de holocaustos. Nenhum líder jamais terá sido monstruoso. 

Ao destruirmos monumentos estamos apagando os fatos, estamos criando mitos. Estamos, como dizem, perdendo a memória e o significado de eventos que deveriam ser mantidos como alerta, para que gerações futuras não os repitam. Estamos, finalmente, perdoando as ações nefastas do passado.

Com o passar tempo surgirá a dúvida sobre a existência daquelas ações no passado e passaremos a enxergar as narrativas dos livros como meros desvarios, fruto da imaginação, delírio de mentes insanas ou apenas ficção de autores do passado. 

Dizem que devemos preservar a história para aprendermos com nossos erros e evitarmos que se repitam. 

Bem, talvez esteja aí o prenúncio de novas eras de terror, pela repetição de ações que jamais terão ocorrido.

* ALCEU ALBREGARD JUNIOR

-Advogado tributarista e imobiliário nas horas pagas e
-Escritor de Contos e Crônicas nas horas vagas e não pagas.









Nota do Editor:

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