Autora: Jessica Avance(*)
É incrível perceber a evolução e a mudança de comportamento dos consumidores em um período tão curto de tempo. Requisitos que há 20 anos eram imprescindíveis para o funcionamento de empresas, como uma sede física, por exemplo, hoje em dia podem ser considerados desnecessários, ou de caráter opcional.
Isso porque a tecnologia vem trazendo uma imensa facilidade de acesso a conteúdos, a informações, com extrema riqueza de detalhes, o que possibilita que o consumidor efetue compras de serviços e produtos sem sair do sofá de casa.
Essa realidade é algo completamente normal atualmente, mas se pararmos para pensar que há duas décadas as únicas coisas enviadas pelos correios eram cartas e cartões postais, nos assustamos ao ver a velocidade em que o mundo cresceu, e se transformou.
A velocidade de expansão da tecnologia, também possibilitou um grande crescimento industrial na sociedade moderna. As pessoas começaram a empreender e abrir seus próprios negócios, pois a informação está ao alcance de quem quer aprender, e assim, a cada dia que passa surgem milhões de novas empresas, alimentando o comércio de maneira exponencial.
O foco na produção em massa, na venda, na divulgação dos produtos e serviços em redes sociais e canais digitais, acabou deixando a desejar, na área de maior importância de um negócio: a de relações humanas.
Não é atoa que os Juizados Especiais de todo o território Nacional se encontram assolados com ações de ressarcimento e danos morais, devido à má prestação de serviço, ou má qualidade de produtos. Os empreendedores deixaram de dar atenção e cuidar daqueles que são os mais importantes na sua cadeia de crescimento: os consumidores.
Após o cenário do COVID-19, que se instalou no mundo no ano de 2020, o fenômeno de mudança de comportamento dos consumidores acelerou ainda mais (tendo em vista a impossibilidade de circulação física pelas ruas e lojas), de forma que, na última semana de abril do ano corrente, as compras online cresceram 14%, com uma expectativa de crescimento para 24% na semana seguinte. Felizmente, a pandemia também trouxe uma mudança de comportamento para os fornecedores.
Percebemos que foi necessário a ocorrência de um prejuízo inesperado para as empresas, em ordem de haver uma inclinação para a solução de problemas de forma amigável, ao invés de uma luta através do judiciário. A cada dia os fornecedores vêm notando o quanto são dependentes dos consumidores, e por consequência, vêm valorizando mais a relação com seu público-alvo com objetivo de prestar um melhor serviço e evitar desgastes maiores posteriormente.
A autonomia das partes é essencial nas relações e contratos consumeristas. A vontade humana é o núcleo, a fonte e a legitimação da relação jurídica, e não a lei. Desta forma, a força que obriga as partes a cumprirem o contrato encontra seu fundamento na vontade livremente estipulada no instrumento jurídico, cabendo à lei apenas assegurar os meios que levem ao cumprimento da obrigação.
Portanto, quando existe a possibilidade de um diálogo entre as partes, seus interesses podem ser melhor estabelecidos, de maneira clara e objetiva.
Nesse momento, as grandes empresas, fornecedores de produtos e serviços, percebem que não devem ficar tão longe dos seus consumidores, para que consigam entender melhor suas demandas, suas insatisfações, e para que, ao lado deles, consigam encontrar uma solução.
Diante dos desdobramentos que afetaram as relações consumeristas, surgiram medidas para que as resoluções de problemas fossem realizadas através de acordos entre as partes.
Esse momento é de grande importância, pois relembra aos fornecedores que os contratos consumeristas são feitos a partir de um acordo, que seja beneficente tanto para o consumidor, quanto para o empreendedor. É consequência da autonomia da vontade assegurar que a vontade criadora dos contratos seja livre de defeitos e vícios, ou seja, as partes possuírem a liberdade de contratar ou não, de escolher com quem deseja contratar, as cláusulas e a forma que o instrumento jurídico terá.
Dessa forma, podemos ver que a autonomia da vontade é composta, principalmente, pela liberdade contratual, que está ligada à vontade livre e desimpedida, proferida pelo próprio consumidor sem qualquer coação externa. É a liberdade de contratar ou de se abster, de escolher a parte contratual, de estabelecer os limites do contrato, ou seja, de exteriorizar sua vontade da forma que pretender.
A liberdade contratual tem a premissa de estabelecer-se livremente a forma do contrato e as suas cláusulas, quando não contrariarem a lei. Daí resulta a possibilidade de se criar novos tipos de contratos, não tipificados na legislação, bem como de resolverem as questões sem envolver o judiciário.
O único obstáculo à liberdade contratual encontra-se nas regras imperativas decorrentes da legislação. Contudo, no direito contratual tradicional, estas regras são raras e sua função básica se resume a garantir o exercício da vontade livre e desimpedida dos contratantes, fornecendo parâmetros para a correta interpretação da vontade e regras supletivas para o caso de os contratantes não regularem determinados pontos da obrigação, tal como regras sobre o tempo e o lugar do pagamento.
Para assegurar a autonomia das partes, de forma a proteger os direitos da relação consumerista, duas Medidas Provisórias importantes foram criadas durante a pandemia, com o teor de possibilitar uma resolução de acordo com os interesses dos envolvidos na lide, quais sejam:
• MP nº 925, convertida em LEI Nº 14.034, DE 5 DE AGOSTO DE 2020 (Dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19) e;
• MP nº 948, convertida em LEI Nº 14.046, DE 24 DE AGOSTO DE 2020 (Dispõe sobre o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão do estado de calamidade pública).
Além dessas medidas, podemos citar um importante Decreto Federal que assegura os consuidores nas compras online, determinando regras importantes que devem ser seguidas pelos fornecedores, para que se certifiquem de toda a segurança nas plataformas digitais e eletrônicas de contratação, regras essas que os consumidores devem estar sempre atentos ao utilizar referidas plataformas, vejamos:
"Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos:
I - informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor;
II - atendimento facilitado ao consumidor; e
III - respeito ao direito de arrependimento.
Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
Art. 3º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para ofertas de compras coletivas ou modalidades análogas de contratação deverão conter, além das informações previstas no art. 2º , as seguintes:
I - quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato;
II - prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e
III - identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado, nos termos dos incisos I e II do art. 2º .
Art. 4º Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá:
I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos;
II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação;
III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta;
IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação;
V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato;
VI – confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor ; e
VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.
Parágrafo único. A manifestação do fornecedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor.
Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.
§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou
II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.
§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
Art. 6º As contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação.
Art. 7º A inobservância das condutas descritas neste Decreto ensejará aplicação das sanções previstas no art. 56 da Lei nº 8.078, de 1990.."
Portanto, o que podemos observar é que, com tantas mudanças na esfera consumerista, tanto do comportamento do consumidor, quanto do fornecedor, o Direito vem se adequando às novas necessidades, e tratando as relações comerciais com cada vez mais liberdade entre as partes, para que as vias judiciais sejam o último meio procurado para resolução de lides.
- Formada em Direito pelo PUC
MINAS;
- Pós-Graduada pela Escola
Superior da OAB/MG – em Advocacia Civil;
- Experiência nas questões afetas à Vara Cível; especialmente na área de Direito do consumidor;
- Sócia proprietária do Escritório Avance Advocacia;
(31) 99983-8551;
Nota do Editor:
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