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terça-feira, 6 de outubro de 2020

O Aborto: religião, laicismo e redes sociais


Autora: Rafaella Santana Carnavalli(*)


Ao se falar sobre aborto todo cuidado é pouco,  visto que  se trata de um tema polêmico, sobre o qual há muitas opiniões.

Neste ano, ficou bastante conhecido o caso da infante de 10 anos que ficou grávida, após ser vítima de abuso sexual. A menina optou pelo aborto, opção está que fez com que inúmeras pessoas chegassem a fazer manifestações em frente ao hospital em que estava sendo realizado o procedimento.

A manifestação não foi apenas em frente ao hospital, bem como envolveu as redes sociais, alcançando uma repercussão grandiosa.

Exponho este caso para que seja possível a seguinte reflexão: se o Estado, que tem poder de Soberania, permite por lei em situações específicas o aborto, porque quando este direito é pleiteado, as pessoas apresentam certa resistência em garanti-lo?

Podemos encontrar está resposta na história. O Brasil foi construído em cima da cultura Portuguesa, que por sua vez tinha como religião o catolicismo, logo, tudo que era proibido pela religião em Portugal, se tornou proibido no Brasil.

O aborto foi tratado como crime grave, por leis genéricas até 1940, quando o Código Penal passou a versar sobre o tema tornando-o mais claro e específico. 

Foram necessários 440 anos para que houvesse uma lei que esclarecesse e especificasse a temática do aborto, ou seja, durante 84,61% dos 520 anos da descoberta do Brasil, o aborto foi proibido em quaisquer circunstâncias.

O conteúdo do Código Penal de 1940, em sua essência, permanece em vigor até a atualidade. O mesmo instituiu que o aborto é um dos "Crimes contra a vida", não sendo punido apenas quando praticado por médico, conforme dispõe o artigo 128 do CP, nos seguintes casos: 
"I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
 II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal." 

Mesmo com a dita "autorização" do Estado, por meio de legislação, a resistência à garantia deste direito existe, pois durante muito tempo, a cultura pregava que o aborto era terminantemente proibido.

No Brasil, 87% da população é cristã, logo, presume-se que boa parte das decisões tomadas pela população brasileira possuem conotação religiosa. No entanto, apesar de a religião impor seus princípios e as pessoas terem dificuldade de mudar de opinião, o Estado é Laico. 

As leis brasileiras são criadas pelos seres humanos, que fazem parte do Poder Legislativo e estes homens e mulheres podem ser cristãos, budistas, espiritas, entre outros, mas todos têm o dever de observar a necessidade da população com base no laicismo. 

A decisão de abortar é da vítima e estando plenamente amparada por lei, não há o que se discutir e as pessoas podem até discordar da decisão. Mas tentar intimidar a vítima e sua família no exercício de um direito legal é desumano, bem como potencializa o sofrimento da pessoa.

No caso da infante de 10 anos, os manifestantes berraram gritos de guerra, orações, xingaram o médico de "assassino" e ameaçaram invadir o hospital. Está situação assemelha-se ao terrorismo antiaborto praticado nos Estados Unidos da América, onde médicos são assassinados, explodem bombas e ateiam fogo nas clínicas em nome da "vida".

Na atualidade, o ódio é propagado nas redes sociais avassaladoramente e, segundo um estudo que foi publicado na revista "Proceedings of the National Academy of Science", foi demonstrado que os usuários estão somente buscando visões que reforcem suas opiniões. O estudo descobriu que os usuários tendem a se unir em comunidades de seu interesse, deixando todo o resto de lado.

De acordo com Orkut Büyükkökten, as redes sociais dão uma brecha para o avanço do extremismo, já que "o extremismo sempre esteve por perto, mas agora é mais fácil ficar exposto a isso".

A internet salienta o lado bom e mau das pessoas e, nas redes sociais, a liberdade de expressão e a facilidade de se compartilhar conteúdos são grandes atrativos, atrativos estes que podem destruir a vida das pessoas, bem como propagarem o aumento de crimes. 

Heidegger nos diz que "o mais problemático do nosso problemático tempo é que ainda não pensamos", mas não é que não pensemos, apenas não o fazemos de modo próprio. É mais fácil aderir a opiniões alheias, do que construir uma.


Referências:

BRASIL. Decreto-Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 24 set. 2020;

DA ROCHA, Maria Isabel Baltar. A Questão do Aborto no Brasil o debate no Congresso. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 4, n. 2, p. 381, jan. 1996. ISSN 1806-9584. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16809/15400>. Acesso em: 24 set. 2020;

FONSECA, Joel Pinheiro da. O aborto não foi criminoso; o estupro e os protestos, sim. Blog de Jamildo, ago. 2020. Disponível em: <https://m.blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2020/08/18/o-aborto-nao-foi-criminoso-o-estupro-e-os-protestos-sim-diz-filosofo/>. Acesso em: 24 set. 2020;

GNIPPER, Patricia. Uma análise sobre a propagação do ódio pela internet e suas consequências. Canal tech, set. 2017. Disponível em: < https://canaltech.com.br/comportamento/uma-analise-sobre-a-propagacao-do-odio-pela-internet-e-suas-consequencias-100018/>. Acesso em: 24 set. 2020;

HEIDEGGER, Que Chamamos Pensar?; trad. [inédito] Edgar Lyra, a partir de Was heisst Denken?. Tübingen: Max Niemeyer,1954, p. 6;

_____. Número de evangélicos aumenta 61% em 10 anos, aponta IBGE. G1, São Paulo, jun. 2012. Disponível em: < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html>. Acesso em: 24 set. 2020;

SOUZA, Valdomiro José de. O ABORTO NO BRASIL: UM RESGATE DAS CONCEPÇÕES MORAIS CATÓLICAS EM CONTRAPOSIÇÃO AOS GRUPOS PRÓ-ABORTO. Revista Brasileira de História das Religiões – ANPUH, Maringá, v. 1, n. 3, 2009. ISSN 1983-2859. Disponível em <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.htm>. Acesso em: 24 set. 2020.

*RAFAELLA  SANTANA CARNAVALLI













Graduanda em Direito pela Universidade Paulista - UNIP;
Graduanda em Gestão Comercial pela Universidade Cidade de São Paulo - UNICID;
Foi estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na 1ª Vara Civil da Comarca de Santa Bárbara D'Oeste.
Tem experiência na área de Direito Civil.

Nota do Editor:

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