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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Ativismo Judicial: A Técnica que provoca Arrepios ao Estado Democrático de Direito


 Autor: Marcelo Palagano(*)

Muito tem se falado a respeito do Ativismo Judicial nos últimos tempos em razão das recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Quando se propõem a estudar este fenômeno nos deparamos com várias teorias favoráveis e contrárias a essa técnica judiciária. Basta fazer uma breve pesquisa na internet e logo aparecem artigos, pesquisas, monografias e livros a respeito do assunto que é tão atual e polêmico. Isto porque, como será apresentado mais adiante, a atuação da nossa Suprema Corte tem apresentado um "protagonismo deletério", pois tem decidido sobre questões que fogem a sua competência, como questões políticas por exemplo, e em questões que afrontam aos princípios estabelecidos na Constituição Federal, documento este que deveria ser resguardado pela atuação da referida instituição.

Pois bem, o termo Ativismo Judicial surgiu pela primeira vez em Janeiro de 1947 numa reportagem do jornalista americano Arthur Schlesinger à revista Fortune, onde ele traçou os perfis dos nove juízes da Suprema Corte Americana. Na ocasião o que estava em discussão era um plano econômico que seria conhecido como new deal. Desde então o termo vem sendo utilizado de forma pejorativa para definir uma atuação expansiva e proativa do Poder Judiciário sob os demais poderes.

O Ativismo Judicial é uma técnica jurídica que é adotada por juízes que, através de uma interpretação expansiva da norma jurídica, busca garantir a efetivação dos Direitos previstos na Constituição Federal aos casos que são levados ao Judiciário, ante a omissão dos outros Poderes de criarem leis ou políticas públicas que visem a dar efetividade a tais Direitos. Esse fenômeno é presente no nosso país em decorrência do arranjo institucional existente a partir da Constituição Federal de 1988 que deu acesso ao Poder Judiciário de poder decidir sobre toda demanda que lhe é apresentado. O problema é que acesso demais dá margem a outro fenômeno conhecido como "Judicialização".

A Judicialização é um fenômeno que compreende num aumento da quantidade de demandas que são levadas ao Judiciário decidir, e que pouco a pouco transfere o Poder Político, exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, ao Poder Judiciário. O fenômeno da Judicialização chega a ser extraordinário ao ponto de que há decisão na justiça que trata da espuma do colarinho do Chope fazer parte integrante deste (Processo nº. 0000103-69.2003.4.04.7205, TRF 4ª Região, 3ª Turma).

É preciso entender que o Ativismo Judicial em parte decorre da falta da atuação dos Poderes Legislativo e Executivo de darem efetividade a determinados Direitos que estão previstos na Constituição Federal, e que possuem certo caráter programático, a exemplo dos Direitos Sociais tais como Saúde, Educação, Alimentação, Assistência Social, etc. É inadmissível, por exemplo, termos no país lugares que mal tem saneamento básico ou sequer energia elétrica e infelizmente essa realidade ainda persiste muito embora a Constituição Federal, com pouco mais de 30 anos em vigor, garante como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana.

Por outro lado é preciso separar o joio do trigo. A atuação ativista do judiciário faz com que ele passe a tomar as decisões políticas que não são da sua competência. Como já dito, a Judicialização faz com que todo assunto possa ser levado ao judiciário para ser decidido, e não é diferente com as questões políticas de governo. Nesse sentido todo ato do governo é contestado perante o Supremo e toda Lei pode ser considerada inconstitucional ou receber a interpretação a seus dispositivos "conforme a Constituição". E é aí que nasce o problema, pois o Poder Judiciário passa a dar a palavra final sobre todos os assuntos. É comum encontrar quem se refira a este fenômeno como "Ditadura do Judiciário". Há quem diga que o século XXI será marcado por um protagonismo maior do Judiciário no funcionamento do Estado, sobretudo na confecção de políticas públicas e também sobre a própria governabilidade do Estado.

Porém, o problema se encontra no fato de que juízes não são eleitos pelos cidadãos. Os Ministros do STF, por exemplo, são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Desta forma, a partir da atuação proativa dos magistrados, estes acabam por ditarem as regras do jogo político e a de fato dar as ordens que conduzem o rumo da sociedade como um todo. E não é para isso que o Judiciário existe e fora constituído na sua origem. Na atual constituição dos Estados Modernos as funções do Estado de Direito são divididas em três poderes: aquele que elabora as Leis (Poder Legislativo), aquele que governa a sociedade fazendo uso das Leis (Poder Executivo) e, por fim, mas não menos importante aquele que julga os casos problemáticos da sociedade aplicando os dispositivos da Lei (Poder Judiciário).

Por vezes, o Judiciário atua, de certa forma, como poder constituinte derivado, ou toma para si a competência de ser o próprio poder constituinte originário. O poder constituinte originário é aquele que deu origem ao texto da Constituição, e é formado a partir de uma Assembleia Nacional Constituinte, ao passo que o poder constituinte derivado é aquele que promove alterações na Constituição Federal e isso é feito mediante Proposta de Emenda a Constituição (PEC). Aqui no Brasil adotou-se um sistema rígido para promover as alterações ao texto da Carta Magna, inclusive há dispositivos que são considerados cláusulas pétreas, ou seja, normas que não devem ser abolidas, tais como a forma federativa do Estado, a tripartição dos Poderes, o voto secreto e os direitos e garantias individuais.

A atuação proativa de alguns juízes fazendo uso da interpretação expansiva da norma jurídica pode, como acontece em muitos casos, dar ao texto da Lei o sentido que nela não está contido. E assim, dando outros significados que não aqueles que estão na Lei, pode o Ativismo Judicial deteriorar a ordem estabelecida pelo Estado Democrático de Direito. Isso porque essa forma de agir pode caracterizar um meio de conspirar contra a própria Constituição Federal que os magistrados juraram cumprir, velar e fazerem cumprir.

Um exemplo de como o Ativismo Judicial pode ser prejudicial ao Estado Democrático de Direito pode ser visto no que aconteceu no julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6.524 no final de 2020, em que se levou ao Supremo Tribunal Federal a discussão a respeito da possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Naquela oportunidade a mais alta Corte do país teve de enfrentar, mais uma vez, o seu próprio dilema como "guardião da Constituição". Mediante uma manobra interpretativa com único fim político por trás, o Supremo foi levado a dizer, ou melhor, esclarecer o que estava escrito no parágrafo 4º do artigo 57 da Constituição Federal, que claramente dispõe que "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".

É de se saltar os olhos ao ver o placar do julgamento da ADI 6.524. Dos onze ministros que compõem a mais alta Corte do país, 5 (cinco) votaram contra o dispositivo destacado acima, em perfeito e categórico Ativismo Judicial já visto.

O problema começa quando esse tipo de demanda chega à mesa dos Ministros para ser julgada. Como nada em âmbito político é tão simples e aparentemente lógico, o Relator do caso elabora uma tese para sustentar seu voto que é uma verdadeira ginástica hermenêutica que afronta os limites da razão humana. Para o Relator, Ministro Gilmar Mendes, o Congresso poderia alterar a regra internamente por uma mudança regimental, questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar" e não necessariamente por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

 O que assusta no caso em discussão é que metade da Corte atua de forma ativista ao querer dar interpretação à dispositivos da Constituição de maneira diversa como o Constituinte Originário havia editado a Carta Magna. É como  tem se criticado ultimamente, mas ao que parece no Brasil temos onze Constituições diferentes. Cada ministro do Supremo Tribunal Federal atua como se ele próprio tivesse escrito a Constituição Federal de 1988.

No julgado o Ministro Luiz Fux, atual presidente da Corte, destaca que "...merece crítica a prática epidêmica de se transferirem voluntariamente conflitos políticos para a arena judicial, o que tem exposto o Poder Judiciário, em especial este Tribunal, a um protagonismo danoso para a sustentabilidade do sistema constitucional". E prossegue alertando que "não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor".

Fux tem plena clareza a respeito do tema do Ativismo Judicial e da Judicialização aqui discutida, segundo ele o STF tem sido exposto a um "protagonismo deletério".

De fato, ao levar questões politicas para o centro do judiciário, necessariamente haverá um desgaste na reputação e credibilidade da instituição. Como pudemos ver no julgado da ADI 6.524 a ousadia do Ativismo Judicial faz com que até a letra da Constituição tenha sentido diferente daquele que o constituinte originário quis dar. E a coisa vai além ao supor que a possibilidade na alteração do entendimento da norma pode-se dar através de outros caminhos que não aqueles que a própria Constituição assim estabeleceu, ou seja, por meio de Proposta de Emenda à Constituição.

Portanto, o Ativismo Judicial deve ser algo que precisa ser cada vez mais discutido nas salas de aulas das faculdades de Direito e nas escolas de formação de magistrados para quem sabe as próximas gerações de juristas enxerguem o quão ruim pode ser para a Democracia e o Estado de Direito a ditadura do judiciário.

 

* MARCELO DUARTE PALAGANO










-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul(2015);

 -Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020;

Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.







Nota do Editor:

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