Autora: Stella Sydow Cerny(*)
O assunto planos de saúde sempre traz muitas indagações, seja pelas opções de contratação, seja pelos valores iniciais, aumentos, entre tantos outros assuntos que gravitam sobre o tema.
Em 1998 com o advento da Lei 9.656/98 os planos de saúde e seguros saúde tiveram finalmente seu regramento legal. No ano 2000 com a criação da agência reguladora – ANS – foi criado um mecanismo que deveria impor alguns freios e também assegurar os direitos dos segurados.
Porém, mesmo com esses dois mecanismos – ANS e Lei 9.656/98 - o que constatamos foi uma enxurrada de problemas sendo que sempre as operadoras de plano de saúde tentaram encontrar alguma justificativa para um comportamento contrário à lei. Neste artigo não discutiremos sobre o infinito campo das negativas de cobertura, nem tão pouco sobre as mudanças de faixas etárias, posto que são dois temas bastante extensos e de muitas controvérsias.
Antes do advento da Lei, a SUSEP era o órgão regulador dos planos privados de saúde e seus aumentos, naquela época muito pouco se sabia sobre aumentos, formas de aplicação, faixas etárias. Em muitas situações o Código de Defesa do Consumidor deixava de ser aplicado, sob a alegação que o contrato foi celebrado antes do advento do diploma legal, o que foi devidamente afastado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Feita essas considerações iniciais, ao celebrar um contrato de plano de saúde o contratante terá duas opções: a) plano individual ou familiar; b) plano coletivo, celebrado geralmente através de entidade de classe.
No caso do plano individual/familiar os aumentos anuais serão fixados pela agência reguladora – ANS, baseada na inflação anual média, o que geralmente fica abaixo dos 10%, não havendo discussões sobre esse tema.
Porém, para o contrato coletivo, o aumento anual (financeiro e/ou sinistralidade) será estipulado entre a operadora do plano de saúde e a administradora, sendo livre a negociação, ressalvando-se que os índices são enviados para a ANS que apenas fica ciente, sem verificar qualquer forma de cálculo. Logo, a ANS no caso em tela não tem qualquer gerência sobre os aumentos anuais impostos.
Uma questão bastante intrigante é a maneira, de acordo com as cláusulas contratuais, como as operadoras de plano de saúde calculam os aumentos anuais. A maneira de calcular para todos os planos de saúde os quais já analisamos, são idênticas. O reajuste financeiro baseia-se na variação dos custos médico-hospitalares e o reajuste da sinistralidade, este se traduz no alegado "excessivo" uso do plano de saúde por aquele determinado grupo.
Quanto ao reajuste relativo à variação de custos médico-hospitalares a cláusula contratual mencionou o equilíbrio ao longo dos anos, mas como as operadoras de plano de saúde conseguem prever esse equilíbrio para um evento futuro e incerto? E pior, para um grupo tão heterogêneo de pessoas? Tal indagação nunca foi respondida, posto estarem as cláusulas contratuais eivadas de obscuridade e abusividade.
Quanto ao reajuste da sinistralidade, o cálculo é indecifrável para qualquer pessoa, a uma porque as operadoras utilizam a famosa U.S – Unidade de Serviço, usando valores estabelecidos unilateralmente; a duas porque as operadoras jamais foram transparentes em informar em canais de atendimento a estatística daquele grupo de pessoas – , quantos atendimentos em consultórios, quantos exames de baixa complexidade, entre outros.
Pagamos um plano de saúde para usar e quando usamos somos penalizados com o aumento, essa não é a equivalência entre as partes, a verdade é apenas uma, um contrato de plano de saúde é uma verdadeira loteria ao contrário.
Uma questão fundamental que observamos ao longo dos anos é que os valores pagos tanto aos hospitais, laboratórios, quanto aos prestadores médicos são baseados na tabela da AMB – Associação Médica Brasileira – que não sofre reajustes há anos.
Voltando na linha do tempo, antes da Lei e da ANS, cada operadora de plano de saúde usava critérios próprios para elaboração da tabela de procedimentos médicos e custos, o que gerava baixos custos para os médicos e para os procedimentos. Em vista disso, houve a união entre a Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos Médicos (FENAM) e Conselho Federal de Medicina (CFM) com o apoio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) foi criada a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), reconhecida pela ANS. Essa classificação visou garantir uma remuneração adequada aos procedimentos terapêuticos e diagnósticos, e diga-se, trouxe transparência para os pacientes que poderiam identificar quais condutas diagnósticas são cientificamente comprovadas.
Outro ponto importante é que o repasse dos tratamentos diagnósticos não depende mais da tabela de cada operadora do plano de saúde. Então onde caberia a cláusula das unidades de serviço se a conduta é fixada pela entidade de classe médica e não pela operadora de plano de saúde?
Portanto, as cláusulas contratuais insertas estão em total descompasso com a Lei. Os planos de saúde negam adequar suas cláusulas contratuais, tanto no campo dos aumentos financeiros quanto à sinistralidade, só o fazendo quando compelidos pelo Poder Judiciário.
Ressaltamos que em 2020 mais de 280 mil segurados abandonaram os planos de saúde por absoluta impossibilidade financeira, talvez se esses segurados tivessem a possibilidade de questionar os aumentos e suas formas indecifráveis, a opção seria a manutenção do plano.
*STELLA SYDOW CERNY
-Advogada, graduada pela FMU, atuando na Cerny Advocacia desde 2006;
Pós-Graduanda em Direito Previdenciário (Faculdade Verbo Educacional);
-Especialização em Direito Imobiliário;
- Atuação nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário.
Nota do Editor:
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