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quarta-feira, 31 de março de 2021

Mudança na tributação de combustíveis


 Autora: Edna Dias (*)


Em razão do aumento progressivo de combustíveis, o governo publicou a Lei Complementar nº 192/2022, com vigência a partir de 11.03.2022, definindo quais os combustíveis incidirá uma única vez o ICMS, mesmo em operações  iniciadas no exterior.

Portanto, os combustíveis que incidem ICMS de forma única, qualquer que seja sua finalidade, são:

a) gasolina e etanol anidro combustível;

b) diesel e biodiesel;

c) gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado do gás natural.

Lembrando que, nas operações com os combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo e em operações interestaduais, entre contribuintes, com os combustíveis não incluídos como derivados de petróleo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias.

Quando destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem e as alíquotas serão definidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, observado:

a) serão uniformes em todo o território nacional e poderão ser diferenciadas por produto;

b) serão específicas (ad rem), por unidade de medida adotada;

c) poderão ser reduzidas e restabelecidas no mesmo exercício financeiro, observado o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal/1988 .

É de se ressaltar que, na definição das alíquotas deverá ser previsto um intervalo mínimo de 12 meses entre a 1ª fixação e o 1º reajuste dessas alíquotas, e de 6 meses para os reajustes subsequentes.

Os Estados e o Distrito Federal observarão as estimativas de evolução do preço dos combustíveis de modo que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor.

Os incentivos fiscais sobre as operações com os combustíveis. inclusive aquelas não tributadas ou isentas, serão concedidos nos termos da Lei Complementar nº 24/1975 , em conformidade com a Constituição Federal e denais normas e a forma de tributar o ICMS dependera de Convênio ICMS que disciplinara estas regras.

Por fim,  foram publicados os Convênios ICMS nºs 15 e 16/2022, dispondo sobre a substituição tributária de combustíveis e a incidência única do imposto sobre o óleo diesel.

Tema importante e atual para seu negócio e que por conta da Guerra entre Rússia e Ucrânia está fazendo com que todos sofram as consequências desta alta desenfreada e por isso, a mudança na tributação, pode minimizar o preço na bomba.

* EDNA DIAS


-Advogada na Duarte e Tonetti Advogados;
-Especialista em Direito Tributário pelo IPEC - Instituto Paulista de Educação Continuada;
-Extensão em Direito Tributário pelo IPEC;
-Planejamento Tributário pelo IBET;
-Cursando Ciências Contábeis pela Universidade Anhanguera;
-Palestrante; e
-Co-autora do Livro Coaching para Advogados


Nota do Editor:

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A MP 1023/2020 e o "Novo" Benefício da Prestação Continuada - BPC



Autora: Ana Carolina Ávila Cavalcante (*)

Inicialmente é preciso esclarecer que o BPC/LOAS não se trata de uma aposentadoria.

No Brasil, temos o segmento 'Seguridade Social' que é composta de três elementos são estes: a Saúde, a Previdência Social e a Assistência Social. Sendo assim, o Benefício de Prestação Continuada-BPC é um benefício assistencial instituído pela Constituição de 1988 e regulamentado na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), por isso a denominação BPC/LOAS.

O referido benefício consiste em uma ajuda financeira concedidas a determinadas pessoas que se encaixam nos critérios dispostos na legislação vigente. Assim, o BPC pode se dar a dois grupos de pessoas, sendo estes: ao idoso, sendo considerado idoso, aquele com idade igual ou superior a 65 anos; e a pessoa com deficiência, deficiência esta que pode ser de qualquer natureza ( física, mental, intelectual entre outras), desde que não possuam condições de prover a sua subsistência nem por meio de sua família como bem enuncia o inciso V, do artigo 203 da CF/88 abaixo:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988)
 
De outro modo, este benefício é pago pela Previdência Social, o que corrobora com a constante dúvida de dizerem que se trata de uma aposentadoria, porém conforme visto anteriormente, o BPC é um benefício assistencial, tanto é que este não garante ao beneficiário o 13º salário, ou em caso de falecimento, a pensão por morte aos dependentes.

Todavia, o BPC não é concedido a todos os idosos ou pessoas com deficiência, existem outros requisitos que afunilam ainda mais a concessão deste benefício, até mesmo porque a Assistência Social possui como um de seus fundamentos e eixos a seletividade, ou seja, ela seleciona a partir de critérios um grupo de pessoas que realmente fazem jus ao recebimento daquele benefício.

O benefício em comento vem passando por diversas alterações, principalmente nos últimos anos, tendo como enfoque neste estudo, a última mudança ocorrida com a Medida Provisória nº 1.023/2020 aprovada pelo atual presidente.

Antes de adentrar ao critério que mais tem sido flexibilizado e alterado nos últimos anos, é necessário que conheçamos os demais requisitos que permeiam tal benefício: 

a)O primeiro requisito é que o beneficiário seja brasileiro(a), porém em 2017 o Tribunal reconheceu este direito aos estrangeiros, deixando claro uma mitigação quanto a este primeiro critério, mas vale ressaltar, que o estrangeiro deve preencher os demais;

b)Outro critério é que o beneficiário não esteja recebendo outro benefício, ou seja, este não pode ser cumulado com outro benefício da Seguridade Social, com exceção de: remuneração de aprendiz com deficiência por 2 anos; assistência medica (SUS); e benefício especial de natureza indenizatória. Este ainda é sempre pago na proporção de um salário mínimo, no presente ano (2021) corresponde a R$1.100,00 (um mil e cem reais) e

c)Por último, o critério que abrange o maior número de críticas quando falamos acerca do BPC e também o critério mais flexibilizado é o teto da renda mensal per capita, que possui a intenção de identificar pessoas com baixa renda.
Contextualizando o assunto, o Supremo Tribunal Federal há 8 anos atrás declarou inconstitucional o dispositivo da LOAS que delimitava a renda mensal per capita com o argumento de que o referido critério não possuía características suficientes para configurar a condição de miserabilidade. Porém, apesar da declaração de inconstitucionalidade, quem não se encaixava nessa limitação, que era de ¼ do salário mínimo apenas conseguia acesso ao benefício quando requerido judicialmente, não surtindo a decisão do Tribunal o efeito esperado.

De outro modo, em razão da pandemia iniciada em março de 2020 no Brasil, tivemos uma outra alteração, momento em que o teto da renda mensal per capita sofreu um aumento, de ¼ do salário mínimo para meio salário mínimo, beneficiando várias famílias. Vale ressaltar que este requisito é cumulativo com o beneficiário ser idoso ou pessoa com deficiência; ter nacionalidade brasileira (este agora já abrangendo os estrangeiros); e não ter condições de prover a própria manutenção, nem por meio de sua família.

No entanto, ao final de 2020 por meio da Medida Provisória nº 1.023/2020, o presidente Jair Bolsonaro voltou atrás decidindo por limitar novamente a renda mensal per capita a ¼ do salário mínimo, o que atualmente corresponderia a cerca de R$275,00 por pessoa.

A consequência dessa alteração consiste na perda que a população pode vir a sofrer, visto que caso a MP acima se consolide aproximadamente 500 mil pessoas segundo dados do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições Superiores poderão perder o direito ao BPC, além de causar mais uma insegurança jurídica frente ao judiciário brasileiro cheio de incertezas, até mesmo porque a medida possui prazo de validade de 120 dias, podendo vir a cair por terra novamente esse critério nos próximos meses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDES. Bolsonaro retoma limitações do BPC e 500 mil devem perder direito ao benefício. Sindicato Nacional Dos Docentes Das Instituições De Ensino Superior, n.p., 5 jan. 2021. 
Disponível  https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/bolsonaro-retoma- limitacoes-do-bPC-e-500-mil-devem-perder-direito-ao- beneficio1/page:5/sort:Conteudo.created/direction:desc. Acesso em: 22 jan. 2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Medica Provisória nº 1.023 de 31 de dezembro de 2020.


TELLES, Rodrigo. Manual Do BPC - Benefício De Prestação Continuada Loas. 1. ed., 2020. 404 p.

*ANA CAROLINA ÁVILA CAVALCANTE

-Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC/MG;
-Pós-Graduada em Direito Público pela Faculdade Legale;
-Pós-Graduanda em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale; e
-Advogada Cível, Trabalhista e Previdenciária em Serro/MG. Página no Instagram: @acarolinacavalcante.advocacia.

Nota do Editor:

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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O que são as Astreintes e a sua finalidade no CPC


 Autor: Sergio Luiz Pereira Leite(*)


Mais uma vez nos deparamos com certa nomenclatura que deriva de direito alienígena e que foi incorporada ao nosso estatuto adjetivo civil.

A astreinte é a penalidade imposta ao devedor, em uma obrigação de fazer ou não fazer, consistente em multa diária fixada na sentença judicial ou no despacho de recebimento da inicial.

Ela tem por finalidade o constrangimento do devedor para fazer cumprir o estipulado na decisão judicial ou no título, sendo que quanto mais tempo ele demorar para pagar a dívida, maior será seu débito.

Prevista no artigo 814, do Código de Processo Civil, tem sua aplicação "na execução de obrigação de fazer ou não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida".

Esse instituto legal já era previsto no código de ritos revogado (artigo 537) e tem sua larga aplicação na legislação atual, com a finalidade de obrigar, mediante a aplicação de uma multa diária, o devedor a satisfazer o seu débito.

Hoje, as astreintes representam um instituto consolidado e de larga aplicação na França As situações nas quais isso é possível estão disciplinadas pela Lei francesa n.º 91.650 de 09.07.1997.

Embora a finalidade da multa em análise seja objeto de consenso entre a maioria dos autores, há quem lhe imprima caráter semelhante ao do contempt of court norte-americano, defendendo que, na verdade, ela visa ressaltar a autoridade do Estado, emanando, portanto, do dever de observância dos provimentos judiciais. Sobre tal posição dissonante, oportuna a consulta do texto de José Ignácio Botelho de Mesquita, sob a denominação de "Breves considerações sobre a exigibilidade e a execução das astreintes", in Revista Jurídica, Ano 53, n.º 338, p. 24.

Voltando a sua aplicação na legislação pátria, o juiz, com o escopo de que o instituto atinja o objetivo (que é coercitivo), está autorizado a alterar o valor previsto no título, visto que tanto o valor aquém como além do necessário, colocam em risco a sua efetividade.

Não raro é na sentença proferida que o julgador estipula as astreintes, considerando um certo prazo para que o devedor cumpra o decidido. Também é corriqueiro que ele estipule o valor máximo, que podemos chamar de teto dessa obrigação de pagamento coercitivamente aplicado.

Cabe também ao credor, caso esse teto se consolide, pedir ao juiz que o valor do dia/multa seja alterado para maior com o intuito premente de compelir o devedor a satisfazer a obrigação de fazer ou não fazer.

Esta, em singela síntese, a razão da existência da astreintes, no Direito Brasileiro.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A necessária autonomia do Bacen


 Autora: Maria Cristina de Oliveira(*)

O mês de janeiro deste ano, para nós brasileiros, ficou marcado pelo início da vacinação contra o COVID. É um grande avanço no combate à pandemia.

O mês de fevereiro será lembrado pela aprovação da independência do Banco Central, que traz impacto na economia e na política do Brasil.

Em setembro de 2020, o Senado já havia aprovado a autonomia do BACEN, agora foi a vez da votação na Câmara, que também aprovou, faltando só ser sancionada pelo Presidente do Brasil.

O Banco Central é uma autarquia, que foi criada em 1964, com suas principais funções bem definidas que é a de fiscalizar e ordenar o sistema financeiro nacional e também de cuidar do poder de compra da moeda do país.

O BACEN tem que cuidar para que a inflação não corrompa o poder de compra dos salários, portanto cuidar do poder de compra da nossa moeda o Real.

Ao ter a função da meta de inflação, o BACEN indiretamente consegue controlar preços na economia de mercado. Ele controla a taxa de juros, logo ele regula o nosso consumo, porque quanto maior a taxa de juros, menor é o consumo e quando o BACEN determina a diminuição da taxa de juros, estimula o consumo.

Assim que levantamos, nós já começamos a consumir, é água, é energia, troca de serviços, produtos. Toda esta engrenagem da economia precisa estar coordenada, com um funcionamento de preços, com a estabilidade do poder de compra da moeda. Por isso é necessário zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, amenizar as oscilações do nível de atividade econômica e fomentar o emprego, mantendo baixa a taxa de juros e combatendo a inflação.

Com a autonomia do Banco Central, ele continua com a estrutura organizacional, comandada por uma diretoria colegiada, composta de 9 membros, um presidente e 8 diretores, que são escolhidos pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, para um mandato que será de 4 anos, que não coincidirá com o mandato do Presidente do Brasil, ou seja, quando o Presidente do país estiver no seu segundo ano de mandato, é que escolherá o presidente do BACEN.

Foi aprovada a cláusula de que o presidente o BACEN ao deixar o cargo, não poderá assumir outro cargo público por 6 meses, a fim de não se beneficiar do conhecimento adquirido, enquanto ocupava o cargo de presidente.

Provavelmente no nosso dia a dia não perceberemos o impacto disso, porém esta autonomia diminuirá o custo Brasil, dificultando o uso BACEN por interesses políticos, como já aconteceu em nossa história, de que um presidente do Brasil usou a máquina pública para ser reeleito, enganando o povo, o que é bem típico de político populista, pois ele ou ela mandou baixar a taxa de juros, em ano de eleição, para dar a falsa sensação de que a economia vai bem, agradando o povo e, após ser reeleito ou reeleita, não tendo como sustentar a situação, a economia ficou pior do que estava e o brasileiro sofre e paga caro com tudo isso.

Outra opção ruim do BACEN quando está subordinado ao governo, referente ao arranjo monetário, é quando o presidente manda imprimir dinheiro, essa emissão monetária por parte do governo pode causar a hiperinflação, destruir o poder de compra da moeda. Isso nós já sofremos também!

Sem ter a independência o Banco Central pode ficar subordinado a um projeto de poder de um partido político, como já vimos e acontece na Argentina.

A maioria dos países desenvolvidos tem o Banco Central independente, blindando-o da interferência política, blindando-o do governo que estiver no poder.

*MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA

 


 







-Graduada em Letras pela PUC Campinas;

-Pós-Graduanda em Ciência Política pela UNYLEYA ;
-Atualmente é funcionária pública federal.

Nota do Editor:

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domingo, 14 de fevereiro de 2021

É muito mais fácil ser grande do que ser pequeno


 Autora: Renata de Masi(*)

Muito mais comum encontrar literatura para ajudar os pais na criação dos filhos, mais do que temos em literatura sobre ensinar os filhos a lidar os pais. Por que será?

Talvez porque os autores, que são adultos, não se autorizam em lembrar-se de suas infâncias ou sintam-se culposos por julgar seus pais. Ou até mesmo porque já sejam pais e não sobra espaço para olhar para trás, pois os conflitos atuais de como criar seus filhos toma lugar.

De forma alguma quero isentar o quanto não é fácil criar filhos. A intenção desse texto é validar o quanto é difícil ser filho e não minimizar o quanto é difícil ser pais. Ficaríamos com: "Como é difícil ser pequeno! É mais difícil ser pequeno do que grande…".

Para ilustrar, podemos olhar politicamente e pensar em nosso governo; olhar o índice de maus tratos de animais; o aumento de mulheres agredidas; o número de mendigos que ainda são mortos pelas ruas; e, uma criança colocada em um barril por 3 dias depois de ser destruída em vários sentidos, inclusive psiquicamente.

Não falo apenas de filhos só enquanto são crianças, pois chegam em meu consultório adultos que ainda são crianças perante seus pais e que, podem também, transportar essa questão da relação pequeno/grande para outras figuras de autoridade.

Enquanto não for feito um trabalho sobre os traumas não elaborados, estes adultos estão presos no atemporal de seus inconscientes correspondendo às demandas narcísicas de seus pais.

Não é incomum existirem filhos que se sentem culpados por não serem exatamente o que seus pais queriam. Claro, não elimino a importância do desejo dos pais sobre seus filhos para que sejam independentes, inteligentes e interessantes. O que trago são os pais que desenham seus filhos e esperam que eles correspondam com tal imagem que é, normalmente, uma imagem frente a um espelho imaginário e narcísico. Neste espelho, não adiantaria o filho ser professor: ele teria que ser médico. Não adiantaria serem felizes e ter caráter: deveriam ser héteros. Não adiantaria ter uma fé: teriam que ter a mesma de seus pais.

E com isso, esses filhos seguem culpados por não serem a imagem narcisicamente esperada por seus pais. Sentem-se culposos por coisas que competem exclusivamente à história de seus pais que são jogadas sobre eles provavelmente ainda na barriga da mãe. Um "caminhão" de deveres inconscientes que cairão sobre ele(a) quando nascer. Por exemplo, unir um casal ou ser bem sucedido quando crescer para sustentar seus pais na velhice e toda sua família ou serem santos em uma fantasia de livrar essa mesma família de mazelas ditas ou entendidas como pecado. Filhos intelectuais que, por força maior do inconsciente, não conseguem entender e separar a diferença de poder escolher o que querem fazer pelos seus pais com uma suposta obrigatoriedade frente a eles. Sei que o muro é fino dessa diferença: a própria lei pode nos confundir um pouco – posso escolher se quero os meus filhos, mas não posso escolher se quero os meus pais.

Pacientes que decidiram não conviver com seus pais ou não ajudá-los em nada, pois se sentem traídos por terem vivido histórias de abusos físicos, sexuais e psicológicos recebem o olhar da sociedade de que abandoná-los seria errado. Obviamente, temos todos os tipos de pessoas, como filhos que receberam afeto e se tornaram cruéis. Mas esses são de número infinitamente menor do que os filhos que tiveram pais cruéis e se tornaram pessoas cruéis ou filhos que tiveram pais cruéis e tentaram não repetir seus pais e até mesmo os filhos que tiveram pais cruéis e ainda tentam encontrar o que falta neles próprios, como resposta do motivo de não serem amados.

Que sociedade cruel e hipócrita… com seus olhares julgadores!

Esclarecendo que ser cruel não é só o que fica escancarado para todos, que bastaria um vizinho querer denunciar. Temos também a crueldade que fica escondida, bullyings familiares que ficam disfarçados em brincadeiras ou pais que arrancam de seus filhos o desenvolvimento natural psicossocial, inibindo-os de construir amigos e/ou relacionamentos amorosos, pois o querem só para eles! Isso fica parecendo amor, não é? Mas não é. Pais que mimaram seus filhos não os responsabilizando por nada, não os preparando para a vida! Mimo parece amor, não é? Mas não é. A não ser que chamemos isso de amor negativo, um amor que faz mal. Mas essas duas palavras parecem ser antagônicas para mim.

A questão está em pais que, por mais que recebam orientações profissionais de professores, psicólogos e pediatras, não mudam. E adivinhem quem pagará o preço: os pais morrem e ficam seus filhos machucados ou capados sem aptidão para conviver em uma sociedade que pode ser tão cruel quanto os pais.

Nesse contexto, parece valer a pena trabalhar com minhas pacientes crianças quando estão relutantes em crescer por medo de serem adultos e pagar suas contas que, se elas soubessem o quanto isso é tão mais fácil do que passar por tudo que acabei de relatar, pois ‘ser grande’ é muito mais fácil do que ser objeto de alguém.

Claro, entendo a fantasia das crianças quando são cuidadas por pais suficientemente bons e maduros psiquicamente. Mas essas crianças crescerão bem e até terão saudade de suas infâncias sem ter que recortar suas histórias e esconder de si mesmas seus sentimentos dolorosos contando cenas e rindo, como se tivesse graça, sobre suas surras e punições severas. E definitivamente isso não tem graça. Definitivamente, é mais difícil ser filho do que ser pais.

Enfim, é mais difícil ser pequeno do que grande. É mais difícil ser objeto do que ser sujeito de seus desejos. E isso não é uma questão de idade, é uma questão de alcançar um lugar: exatamente esse que eu preciso crescer para habitar.

(*)RENATA DE MASI














-Psicóloga e Psicanalista com atendimento a crianças e adultos em consultório particular em Santo André/SP;
-Psicóloga graduada na UniABC (2011);
-Pós em Psicopedagogia pela UniABC(2012);
-Supervisora clínica;
-Coordenadora do Espaço Rêverie
-Coordenadora do ILPC ABC
E-mail: reverieespaco@yahoo.com
Tel/WhatsApp: (11) 9.8487.6907

Nota do Editor:

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sábado, 13 de fevereiro de 2021

Empatia em tempos de cólera




 Siomara Campolina(*)


Fácil? Extremamente fácil? E pra você? Pra mim? Pra todo mundo? Em tempo de tamanha impaciência, a empatia é chave de um baú onde há um tesouro que precisamos aprender muito a usar.

Desde o nosso último encontro muitas coisas aconteceram.

Comércios abriram, fecharam, reabriram.

Praias lotaram, foram cercadas, aglomeradas.

Hospitais superlotaram.

Ônibus pararam, queimaram, aumentaram.

Jogos de futebol aconteceram, títulos comemorados, agressões mataram.

Escolas fechadas.

Eventos aconteceram clandestinamente ou nem tanto.

Vacinas chegaram.

Tantas coisas aconteceram na minha vida e na vida de vocês.

Uma palavra caminhou e caminha em muitas conversas, EMPATIA. Muitos a colocam como elo do que foi para o que será.

É dela que vamos falar. Não de uma forma complexa onde sempre temos que ilustrar, mas da forma que muitos vão entender, com FÀBULAS.

Vamos relembrar ou conhecer a história do Velho, o menino e o burro.

JEAN DE LA FONTAINE (1621-1695)

Um velho resolveu vender seu burro na feira da cidade.

Como iria retornar andando, chamou seu neto para acompanhá-lo. Montaram os dois no animal e seguiram viagem.

Passando por umas barracas de escoteiros, escutaram os comentários críticos:

"Como é que pode, duas pessoas em cima deste pobre animal! "

Resolveram então que o menino desceria, e o velho permaneceria montado. Prosseguiram…

Mais na frente tinha uma lagoa e algumas velhas estavam lavando roupa. Quando viram a cena, puseram-se a reclamar:

"Que absurdo! Explorando a pobre criança, podendo deixá-la em cima do animal."

Constrangidos com o ocorrido, trocaram as posições, ou seja, o menino montou e o velho desceu.

Tinham caminhado alguns metros, quando algumas jovens sentadas na calçada externaram seu espanto com o que presenciaram:

"Que menino preguiçoso! Enquanto este velho senhor caminha, ele fica todo prazeroso em cima do animal. Tenha vergonha!"

Diante disto, o menino desceu e desta vez o velho não subiu. Ambos resolveram caminhar, puxando o burro.

Já acreditavam ter encontrado a fórmula mais correta quando passaram em frente a um bar. Alguns homens que ali estavam começaram a dar gargalhadas, fazendo chacota da cena:

"São mesmo uns idiotas! Ficam andando a pé, enquanto puxam um animal tão jovem e forte!"

O avô e o neto olharam um para o outro, como que tentando encontrar a maneira correta de agir.

Então ambos pegaram o burro e o carregaram nas costas!

 

Aos personagens é imposto que sempre devem ter empatia.


Mas onde está a empatia? Em todos? Em nenhum dos personagens?


Acreditando fazer o melhor, acabam por ver imposto a eles os desejos, o cansaço, o caminhar.


Me disseram que devemos ter empatia para não ter antipatia, então, onde encontramos a essência emocional, onde encontramos a Empatia: No velho? No menino? No burro? Nos escoteiros? Nos jovens? Nas velhas? Nos homens?


A chave do tesouro é encontrar empatia em todos e agir por ela.


Viver empatia não é só uma palavra, é princípio de mudança. Perceber que vivemos ligados e agimos em nosso nome, em nome do outro e o outro em nosso nome. Não devemos agir no piloto automático que as vezes nos leva a acreditar que o agir deve ser olho por olho, dente por dente...isso já passou, já somos melhores. É hora de ter a real empatia pois ainda não a compramos em latas.


Espero encontrar vocês em momentos melhores e eles virão!


Um abraço fraterno. Pensem nisso!

*SIOMARA SIDNEY CAMPOLINA













-Graduada em Pedagogia pela FAFI-BH;atual Uni - BH (1996);
-Especialização em Supervisão e Coordenação Pedagógica pela PUC-MG (2004);
-Atuação em consultorias;
-Experiência com capacitação de professores do Ensino Infantil, Fundamental e Formação de Professores de escola pública e privada;
- Experiência de mais de 30 anos  em escolas públicas e particulares e
- Atualmente é professora do Colégio Alumnus de BH.

Nota do Editor:

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Maguito Vilela


 Luciano Almeida de Oliveira(*)


Somos influenciados pela mídia, atualmente, a pensar que os piores homens e mulheres do nosso país estão atuando na política. É um ledo engano.

Como advogado, convivi com os grandes do Judiciário de Goiás e advoguei para alguns Desembargadores e para as suas famílias.

Passei a conviver, com o passar do tempo, com os políticos e posso dizer sem sombra de dúvidas de que os maiores da política são maiores do que os do judiciário.

Os juízes tem uma visão curta, limitada ao processo. A visão dos políticos ultrapassa os horizontes e constroem uma nova realidade.

O legislador - e o Brasil tem ótimos legisladores - não desconhece esta realidade e, por isso, temos vários exemplos legais que permitem que uma decisão política supere em alcance social uma decisão judicial.

A Anistia é um grande exemplo de uma decisão política que se coloca acima dos processos e das condenações criminais.

Um outro bom exemplo é o indulto (perdão) que o Presidente da República pode conceder, nos termos do inciso XII, do artigo 84 da Constituição Federal.

A clemência, a união, o perdão, a superação, a construção e a reconstrução são típicos exemplos do que se pode fazer por meio da política.

Escrevi esta introdução para tentar explicar a comoção em Goiás com o falecimento do Prefeito de Goiânia, o saudoso Maguito Vilela que foi também Vereador, Deputado Estadual, Deputado Federal Constituinte, Senador, Vice Governador e Governador de Goiás.

Maguito sempre foi um conciliador, um pacificador e um agregador. A sua notável e precoce sabedoria política tem raízes no esporte. Como jogador de futebol, ele aprendeu que o talento individual necessita da ajuda de todo um time.

É verdade que craques podem definir algumas partidas, mas apenas um bom time vence campeonatos.

Com essa lição em mente Maguito galgou os degraus da política com humildade, sabedoria, companheirismo e espírito público. Sempre agregando, amparando, conciliando, conversando e construindo. A constante preocupação do Maguito com os projetos sociais é uma comprovação do aspecto humanitário da sua atuação política.

O mais impressionante, para mim, é que em meio a uma vida pautada por graves responsabilidades, tarefas e compromissos, Maguito sempre reservou um tempo para a sua amada família.

É por essas e outras razões que o Maguito deixou a vida sem desafetos e sendo homenageado por todos os setores da sociedade.

Ele lutou muito em vida e pela vida.

Descanse em Paz, Maguito Vilela.

*LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA



-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás(1996);
-Atua na área da propriedade intelectual (Marcas, patentes e Direito Autoral);
-Escreve há mais de 15 anos artigos de direito e crônicas para jornais e revistas.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Princípios e regras eleitorais nas escolhas dos dirigentes dos Conselhos de Classe Profissional


 Autor: Paulo de Toledo Ribeiro(*)

Muitas são as profissões no Brasil que se submetem à regulamentação e fiscalização dos chamados conselhos de classe profissional, sendo alguns bastante conhecidos pela população, como o Conselho Federal de Medicina, Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, Conselho Federal dos Corretores de Imóveis, Conselho Federal de Economistas, e tantos outros, bem como seus respectivos Conselhos Regionais, muitas vezes até mais famosos, eis que atuam diretamente na ponta, em contato direto com a sociedade.

Por óbvio, ao falar das entidades mencionadas, muitas pessoas se lembrarão da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, talvez a mais conhecida, popular e atuante na sociedade dos órgãos que lidam com categorias profissionais. Mas a OAB tem algumas distinções e peculiaridades que a diferencia das demais entidades referidas, e que não serão discutidas nesta oportunidade.

Tais órgãos são necessariamente criados por lei federal, e possuem natureza de autarquia federal sui generis, com delegação do Estado para o exercício da regulamentação e fiscalização das profissões ditas liberais, exercendo assim, atividade típica de Administração Pública, o que as sujeita aos requisitos e princípios que norteiam o serviço público.

Diz-se que sua natureza é sui generis, porque ao contrário das outras autarquias federais, os conselhos de classe profissionais não estão vinculados, nem sujeitos à supervisão ministerial, possuindo liberdade e autogestão que independem completamente da estrutura do Governo Federal, sendo mantida e gerida justamente pela classe profissional regulamentada e fiscalizada.

Desta forma, seus funcionários são servidores públicos, cujos cargos, salvo as exceções constitucionais, são acessíveis por concurso público, e suas gestões são submetidas ao controle do Tribunal de Contas da União (TCU).

Enquanto autarquias possuem autonomia, tanto jurídica, administrativa quanto financeira, seu patrimônio é próprio, constituído principalmente pelas anuidades arrecadadas, que são contribuições sociais de natureza tributária.

No seu magistério MEDAUAR[1], sobre tais entidades, asseverou que: 

"Trata-se de organismos destinados, em princípio, a administrar o exercício de profissões regulamentadas por lei federal. São geridos por profissionais da área, eleitos por seus pares. De regra, têm estrutura federativa, com um órgão de nível nacional e órgãos de nível estadual. As leis que regulamentam profissões e criam ordens ou conselhos transferem-lhes competência para exercera fiscalização do respectivo exercício profissional e o poder disciplinar. A chamada polícia das profissões, que originariamente caberia ao poder público, é, assim, delegada às ordens profissionais que, nessa matéria, exercem atribuições típicas do poder público."

Muito embora a figura dos Conselhos sejam anteriores à Lei nº9.649/98, esta trouxe em seu art. 58, enfim, uma consolidação das regras gerais para tais entidades, estabelecendo em seu caput que "os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa".

Ainda em seu § 1º, determinou que "a organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais" e que, conforme o §2º, "os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico".

Como cada Conselho é criado por uma lei própria, a redação de cada diploma utiliza terminologia própria, algumas vezes com pouca semelhança entre estas.

Na verdade, embora a Lei nº 9.649/98 fale em "conselho de fiscalização de profissões regulamentadas" não há um consenso sobre qual nomenclatura caiu nas graças da doutrina, alguns classificando como "conselho de fiscalização profissional", "conselho profissional", ou "conselho de classe profissional" (a que preferimos seguir), e da mesma forma, existe alguma controvérsia doutrinária sobre qual seria, precisamente, o termo adequado a definir a sua natureza jurídica enquanto autarquia, alguns preferindo o termo "autarquia profissional", outros "autarquia especia" ou "autarquia sui generis".

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui algumas teses consolidadas sobre tais entidades, e na primeira tese, estabelece que "os conselhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público".

Entretanto, o termo "conselhos de fiscalização profissional" não é uníssono em todas as teses e julgados, sendo que em outros momentos, são chamados simplesmente de "conselhos profissionais", como na segunda tese, que diz que "com a suspensão da redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998 ao caput do art. 39 da Constituição Federal de 1988, no julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.135/DF, o regime jurídico dos conselhos profissionais deve ser, obrigatoriamente, o estatutário".

Independente da nomenclatura utilizada e do tipo autárquico que a doutrina atribui, não restam dúvidas quanto à natureza pública das entidades, embora sua gestão possa-se dizer, seja exercida pelos próprios profissionais liberais, que terão vínculo direto com a Administração Pública por meio da eleição pelos seus pares, da mesma forma que os agentes políticos detentores de cargos eletivos nas esferas do Poder Executivo e Legislativo.

Daí vem o problema que o presente artigo se propõe a enfrentar: as eleições para escolha dos dirigentes dos conselhos.

Como bem lembrou a Professora Odete Medauar, o sistema padrão utilizado e difundido no país criou Conselhos Federais e seus respectivos Conselhos Regionais.

Assim, temos muito mais cristalizado na memória popular, o CRECI (Conselho Regional de Corretores de Imóveis ) e o CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), do que propriamente o COFECI (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) e o CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia).

Por isso, as eleições atraem uma disputa muito grande no âmbito dos órgãos regionais, que na maioria das vezes, são os dirigentes escolhidos pela classe, reservando-se aos conselhos federais um colegiado extraído dos próprios conselhos regionais.

Como já tratado acima, não resta a menor dúvida que os Conselhos Profissionais são regidos pelas normas de Direito Público, em especial as do Direito administrativo, o que se inclui, obviamente, a aplicação dos princípios constitucionais e infraconstitucionais do Direito Administrativo.                   

Os Princípios Constitucionais que encontram expressa previsão no caput do art. 37 da Carta Magna, são os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de outros estudados pela doutrina e jurisprudência.

Entre os outros princípios destacados pela doutrina e jurisprudência, também de vital importância ao Direito Administrativo, estão os princípios da Supremacia do Interesse Público, da Autotutela, da Razoabilidade e Proporcionalidade, da Motivação, da Segurança Jurídica, do Devido Processo Legal e do Contraditório e da Ampla Defesa.

Não existe a menor possibilidade de se afastar a aplicação de tais princípios ao analisar a legalidade de atos internos ou ainda de reflexos externos, da parte de um órgão desta natureza.

Ademais, por força de aplicação do art. 58 da Lei 9.649/98, "os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa".

Em se tratando de uma atividade delegada, fica expressa a previsão legal de se tratar de Poder Público, e como tal, não há como fugir das premissas básicas do Direito Administrativo.

Considerando todos os fatos jurídicos acima apontados, e agora já adentrando no campo eleitoral no âmbito de tais entidades, podemos ter clareza e segurança em afirmar que da mesma forma, a aplicação do Direito Eleitoral no âmbito das eleições dos Conselhos Profissionais, é consequência natural da finalidade tais processos.

No Brasil, mais especificamente, o Direito Eleitoral evoluiu a ponto de se configurar um ramo autônomo do Direito, invocando preceitos e princípios próprios.

Em sua melhor classificação, o Direito Eleitoral é definido por CÂNDIDO[2], como "o ramo do Direito Público que trata de institutos relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas as suas fases, como forma de escolha dos titulares dos mandatos eletivos e das instituições do Estado"

Antes de sua evolução para os moldes atuais, o Direito Eleitoral no Brasil passou por diversas fases, onde em maior ou menor grau, não era a vontade da maioria que prevalecia.

No nascedouro da República, o privilégio do voto era para poucos abastados, o que foi progressivamente evoluindo até o modelo atual, onde a regra geral dá completa amplitude ao sentido de colégio eleitoral, como a demonstração da vontade manifesta da maioria.

Mas todo o sentido em o Poder Democrático delegar à vontade da maioria a escolha de seus mandatários exige que não haja vícios à manifestação expressa desta vontade, ou na impossibilidade da completa segurança do processo, que este se aproxime o tanto quanto possível do ideal.

Por isso, ao longo de sua evolução, foram se cristalizando princípios norteadores e sob a sombra de tais, foi se consolidando o modelo atual de escolha dos membros do Poder Executivo e Legislativo nos âmbitos federais, estaduais e municipais, em que toda a organização, normatização, administração e fiscalização do processo eleitoral é feito pelo Poder Judiciário, que além de suas atribuições naturais jurisdicionais, abraça tais outras, de forma excepcional.

O deslocamento de tão atípica função administrativa e regulamentar para o Poder Judiciário se deu a fim de evitar o visível conflito de interesses dos demais poderes, Executivo e Legislativo, exercidos por mandatários escolhidos justamente por este processo.

No entanto, a doutrina ainda não consolidou, eis que não estão expressos na legislação – ao contrário, por exemplo, do Direito Administrativo – quais são os princípios do Direito Eleitoral, mas com algumas variações, eles se aproximam de um rol seleto, que inclui entre outros, aqueles citados por CHALITA[3], como o Princípio da vedação da restrição de direitos políticos, da democracia partidária, da anualidade eleitoral, da celeridade da Justiça Eleitoral, da periodicidade da investidura das funções eleitorais e da responsabilidade solidária entre candidatos e partidos políticos.

Por isso, RAMAYANA[4] aponta um princípio de fundamental importância dentro do processo político e eleitoral, o qual chama de Princípio da lisura das eleições:

 

(...) Toda a atuação da Justiça Eleitoral, do Ministério Público, dos partidos políticos e candidatos, inclusive do eleitor, deve pautar-se na preservação da lisura das eleições. A preservação da intangibilidade dos votos e da igualdade de todos os candidatos perante a lei eleitoral e na propaganda política eleitoral ensejam a observância ética e jurídica deste princípio básico do Direito eleitoral. As eleições corrompidas, viciadas, fraudadas e usadas como campo fértil da proliferação de crimes e abusos do poder econômico e/ou político atingem diretamente a soberania popular tutelada no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal, "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".  


Assim, fica bem claro que a sujeição da vontade popular demanda que sejam evitados elementos ilícitos que agridam a igualdade de oportunidades posto que é um pilar básico da credibilidade da escolha extraída de um complexo processo, como é o Eleitoral.

Porém, pouco se estudou sob a aplicação do Direito Eleitoral em eleições administrativas, como as dos conselhos de classes profissionais ou até mesmo de sindicatos, que possuem outra natureza jurídica.

Ora, o objetivo do Direito Eleitoral é criar uma estrutura jurídica que permita, como finalidade, que se possa garantir uma escolha democrática dos representantes de determinado Colégio Eleitoral, o que para ser legítimo, tem que obedecer a um justo processo de apresentação das propostas dos candidatos, e uma aferição eficiente da vontade dos eleitores, por meio de uma votação e apuração que, de fato, verifiquem em quem os representados depositaram sua confiança.

Assim, não se pode negar os anos de estudo e evolução como ciência do Direito Eleitoral, e relegar sua importância no processo de aferição da vontade dos representados.

A aferição da escolha dos dirigentes dos conselhos de classe, passa por todas as finalidades e princípios que regem a eleição de cargos públicos, e justamente por isso, não faz nenhum sentido, restringir o acesso aos cargos eletivos, além daquelas restrições próprias, previstas em lei, ou que reflitam a prática do ordenamento jurídico eleitoral brasileiro.

Da mesma forma, não se pode permitir que as oportunidades de apresentação dos candidatos e campanhas, obedecem a regras limitadores, que castrem a possibilidade dos sujeitos ativos (candidatos) do processo eleitoral chegarem ao sujeito passivo (eleitores).

Se um processo eleitoral (ainda que dentro de um órgão de classe) não permitiu a igualdade de oportunidades, não demonstrou a lisura em todas as suas fases, e foi restritiva à ação de qualquer das partes, esse processo é viciado, e como tal não tem legitimidade para alçar o seu ilegítimo vitorioso ao cargo pleiteado.     

Assim, negar a aplicação dos princípios do direito eleitoral nas eleições internas de um órgão de classe profissional, seria renegar a democracia e o Estado de Direito dentro da autarquia.

Desta forma, as regras de um processo eleitoral interno, devem buscar por espelho, não a vontade daqueles membros à época dos órgãos deliberativos encarregados pela elaboração do regulamento eleitoral, mas seguir os princípios da legislação eleitoral brasileira, e sua inspiração em diplomas consagrados como a chamada Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990), com os dispositivos incluídos pela Lei Complementar nº 135/2010, a comemorada "Lei da Ficha Limpa".

Por isso, a conclusão é que não poderia uma eleição de conselho profissional abraçar outras regras que não se harmonizem com o conjunto, com a base e com o sistema jurídico eleitoral brasileiro, que deverão ser observadas, quando consolidadas pelo órgão competente ao estabelecer o regulamento específico do pleito.

REFERÊNCIAS

[1] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, pág. 108

 [2] CÂNDIDO, Joel José, Direito Eleitoral Brasileiro, 4ª edição Bauru, SP, Edipro, 1994, p. 26

 [3] CHALITA, Savio, Manual Completo de Direito Eleitoral, Indaiatuba, SP, Editora Foco Jurídico, 2014 e

 [4] RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 5ª edição, Niterói, RJ, Editora Impetus, 2006, p. 32

*PAULO  DE TOLEDO RIBEIRO  









-Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos(1999);

-Especialista em Direito Eleitoral no curso de pós graduação latu sensu pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2017);

-Advogado, militante na área do Direito Público na região da Baixada Santista (SP).

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