Autora: Taísa Carneiro (*)
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a incidência do Imposto de Renda (IR) sobre valores recebidos decorrentes de pagamento de alimentos ou pensão alimentícia, por meio do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5422), ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
A ação visou o questionamento de dispositivos da Lei nº 7.713/1988, além dos art. 4º e 46º do Decreto nº 9.580/2018 (Anexo do Regulamento do IR) que preveem a incidência de imposto de renda nas obrigações alimentares e arts. 3º, caput e § 1º e 4º do Decreto-lei nº 1.301/1973, que dispõe sobre a tributação separada dos rendimentos de casal.
Os argumentos trazidos pelos contribuintes foram no sentido do descabimento da referida tributação, uma vez que a materialidade deste tributo estaria obrigatoriamente subordinada à existência de acréscimo patrimonial, conforme aduz artigo da Carta Magna que estabelece a competência da União para estipular o imposto e o art. 43 do Código Tributário Nacional que define renda como ganho que permite algum acréscimo patrimonial e o Decreto-lei nº 1.301/1973 que dispõe sobre a tributação separada dos rendimentos de casal, respectivamente:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:(...)III - renda e proventos de qualquer natureza;(...)Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.Art. 3º Os alimentos ou pensões percebidos em dinheiro constituem rendimento tributável, classificável na Cédula “C” da declaração de rendimentos do alimentado, que será tributado distintamente do alimentante.§ 1º No caso de incapacidade civil do alimentado, será ele tributado na forma deste artigo, devendo a declaração de rendimentos ser feita em seu nome pelo tutor, curador ou responsável por sua guarda.Art. 4º O disposto nos artigos 2º e 3º também se aplica aos casos de prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Nesse sentido, pleiteou-se pela interpretação conforme a Constituição, a fim de que a incidência do imposto de renda ocorra tão somente sobre alterações positivas no patrimônio, não podendo ser atribuído caráter patrimonial ao direito alimentar, já que não se pode caracterizar como renda nem provento de qualquer natureza por parte do alimentado. Conforme voto do Relator Ministro Dias Toffoli trata-se apenas de "entrada de valores":
Alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de família não são renda nem proventos de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo alimentante para ser dado ao alimentado. Para esse, os alimentos ou a pensão alimentícia representam tão somente entrada de valores[1]
Além disso, o pleito ressaltou a necessidade de se atribuir caráter social e familiar ao direito alimentar, já que o valor recebido possui natureza de manutenção da subsistência, ou seja, característica de mínimo existencial, termo utilizado quando o alimentante realiza a dedução do IR, não parecendo razoável, portanto, o alimentando (credor dos alimentos) ter que subtrair deste valor também quantia para o pagamento deste tributo.
Foi levantado, por conseguinte, o aspecto da bitributação na incidência do IR sobre as obrigações alimentares, já que o devedor dos alimentos ou da pensão alimentícia (o alimentante), irá deduzir IR no recebimento da sua renda/ proventos.
Dessa forma, submeter os valores recebidos pelo credor (o alimentado) a esse título ao IR representaria a incidência do mesmo tributo sobre a mesma causa, o que se configura, portanto, na bitributação camuflada, transgredindo, por derradeiro, o texto constitucional.
Após muito debate, o Supremo Tribunal Federal publicou Acórdão julgando parcialmente procedente a ADI para conferir ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/1988, ao arts. 4º e 46 do Anexo do Decreto nº 9.580/2018 e aos arts. 3º, caput e § 1º; e 4º do Decreto-lei nº 1.301/1973 interpretação conforme à Constituição e afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias.
Vale ressaltar que o STF já decidiu que o efeito da mencionada decisão possui efeito ex- tunc, ou seja, retroage no tempo e deverá ressarcir os contribuintes dos últimos 5(cinco) anos de tributos pagos. Dessa forma, todas as pessoas (alimentados) que receberam pensão alimentícia terão direito à restituição dos valores pagos anteriormente. Importante ressaltar, ainda, a imediata possibilidade de suspensão dos pagamentos do IR sobre pensão alimentícia mensal (na modalidade carnê leão), dando efetividade, desde logo, ao que fora decidido pela Corte.
A partir daí, o que se questiona é: o que fazer para obter a restituição dos valores pagos nos último quinquênio? É possível o ajuizamento de ação judicial, uma vez que assegurada pelo princípio da inafastabilidade de jurisdição, prevista no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, além de não haver, até o momento, nenhuma instrução normativa ou portaria sobre o assunto publicada pela Receita Federal.
Contudo, apesar da possibilidade de ação judicial de tutela e repetição de indébito, faz-se necessário ressaltar que há um caminho mais prático e indicado, no caso concreto, uma vez que a Receita Federal informou, por meio do seu portal, que haverá um caminho na esfera administrativa, por meio do qual o contribuinte poderá retificar sua declaração de imposto de renda dos últimos 5 anos, através de declarações retificadoras, no E-CAC.
Assim, no preenchimento da declaração retificadora, o valor da pensão alimentícia declarado como rendimento tributável deverá ser excluído e informado como rendimento isento e não tributável, devendo todas as demais informações serem mantidas, o que resultará na informação se há ou não imposto a restituir. Em caso positivo, ou seja, havendo imposto a restituir maior que no original, a diferença será depositada em conta, de acordo com o cronograma de lotes da Receita Federal.
Em síntese, em que pese se tratar de matéria que atinge inúmeras famílias, verifica-se que a proposta de solução administrativa da Receita Federal para a restituição dos valores dos últimos 5 anos pagos a título de IR, pelo credor de alimentos, em consequência da decretação de inconstitucionalidade desta obrigatoriedade pelo STF, pretende ser uma medida bastante prática, eficiente e acessível.[2]
REFERÊNCIAS
*TAÍSA PEREIRA CARNEIRO
-Graduação em Direito pela Universidade Cândido Mendes/RJ(2014);
-Pós-graduação em Direito Público pela Unyleya (2017);
-Especialização em Compliance pela FGV/SP(2017);e
-Aluna especial da USP no Programa de Pós-graduação em Direito, Filosofia e Teoria Geral do Direito-Prof. José Eduardo Campos de Oliveira Faria.
Atualmente atua nas áreas de Direito Civil e Direito Empresarial.
Nota do Editor:
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Finalmente uma decisão que põe fim nas muitas bitributações do IR. Parabéns pelo texto.
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