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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Artigo em Jornal: E agora José ?



No artigo "E agora, José?" publicado no dia 09.02 no Jornal O Tempo de Belo Horizonte, a especialista em Educação Jacqueline Caixeta traz uma reflexão sobre o início do ano letivo.

Recomendamos a sua leitura em https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/e-agora-jose-1.2609417

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A Consolidação do Ativismo Judicial no Brasil


 Autor: Marcelo Duarte Palagano (*)

Os últimos dois anos foram marcados por inúmeros problemas que derivaram das mais variadas fontes. A começar pela pandemia do COVID 19 que atingiu a todos e que fez com que muitos perdessem a vida, como também a polarização política que se instalou e que transformou o debate público em palco para as maiores atrocidades que o cidadão comum já testemunhou. Passou pelo palco questões como as "Fakes News", "COVID 19", "Amazônia", etc. A verdade é que nesses dois últimos anos assistimos atônitos pelo expansão do poder judiciário sobre as mais variadas questões.

Recentemente a pauta dos julgamentos da Suprema Corte no primeiro semestre de 2022 foi divulgada. Nela podemos encontrar que os ilustres ministros decidirão questões relacionadas a pandemia e à vacinação contra a Covid-19; exigência do passaporte da vacina para viajantes; possibilidade de demissão de funcionários que não se vacinarem contra a doença; questões jurídicas do agronegócio; ação que discute a validade de uma norma coletiva de trabalho que retirou alguns direitos ligados ao tempo gasto pelo trabalhador em seu trajeto de casa para o trabalho; debate se servidores públicos que são pais solos podem se beneficiar da licença maternidade de 180 dias; constitucionalidade de ser considerada infração de trânsito a recusa do teste do bafômetro; marco temporal; substituição de sacolas plásticas; e proibição de fogos de artifício com barulhos, etc.

Como se pode notar, o Supremo Tribunal Federal terá de se debruçar sobre questões que vão além da sua competência. Isto porque a Suprema Corte é o guardião da Constituição Federal, logo, possui status de Tribunal Constitucional, portanto, não deveria se dar ao trabalho de discutir questões como "fogos de artifício com barulhos" que, de longe, nada tem a ver com a Constituição Federal.

É verdade que a Constituição Federal de 1988 é uma Constituição totalmente diferente das constituições que existem no mundo. Pois ela abarca as mais variadas questões, como por exemplo que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal (§2º, art. 242 CF). Os estudiosos do direito constitucional nos ensinam que há na nossa Constituição normas eminentemente constitucionais ao passo que há também normas que estão na constituição, de forma que estas não possuem a natureza de princípios, essência de toda constituição.

Porém, o fato de a Constituição Federal abarcar os mais variados assuntos não dá carta branca ao guardião para que saia decidindo sobre todas as coisas, como pudemos ver no ano de 2021. A questão é que hoje em dia falar de STF é perigoso, podendo, inclusive, render àquele que ousa criticar a corte uma bela visita da Polícia Federal no primeiro horário do dia.

Mas a final de contas, o que foi que aconteceu para que chegássemos ao evidente caos jurídico instalado no Brasil?

As respostas são as mais variadas. Temos desde problemas na carta Magna que deu muito poder à corte, como também prevê um esquisitíssimo procedimento para que partidos políticos com representação no congresso nacional possam “rediscutir” matérias sancionadas em Lei, criando uma verdadeira instabilidade jurídica e institucional, uma vez que quando os partidos de oposição "perdem" no debate, estes promovem diversas ações no STF com o fim de julgar inconstitucional as matérias democraticamente discutidas e sancionadas.

Temos hoje no Brasil a consolidação daquilo que outrora era apenas um tema de estudo, de dissertação de doutorado ou mestrado, temos a consolidação do ativismo judicial. E pior do que qualquer outra tirania já vista, o ativismo judicial no Brasil promove absurdas ilegalidades e violações contra os direitos humanos. E pior, o silêncio de todos os juristas do país mostra o quanto este poder é absoluto, pois, quem ousará ir ao encontro dos mandos e desmandos da mais alta corte? A qual instância recorrer? Ninguém sabe exatamente o que fazer.

E isto porque, diferente de um órgão político, em tese, a mais alta corte não é composta por membros eleitos pelos cidadãos brasileiros, de modo que uma mobilização social pudesse alterar o rumo das mais variadas questões. O que dá mais receio ainda, pois, nota-se a verdadeira instrumentalização do Poder Judiciário por aquele que indica os membros da corte.

Sabemos que os membros dos tribunais superiores, incluindo o STF, são indicados pelo Presidente da República e passam por uma sabatina no Senado Federal.

Faz parte da história contemporânea do Brasil os mais absurdos escândalos de corrupção que visavam angariar votos no congresso nacional para promover uma "segura" governabilidade ao governante que ocupava a cadeira da Presidência da República. O episódio conhecido como "mensalão" mostrou o modus operandi da suposta "articulação política" operada entre os representantes do governo e parlamentares do congresso nacional.

Oras, a atual composição da alta corte teve a sua formação nesse período da história obscura do nosso país. Recentemente presenciamos estes mesmos membros do judiciário operando uma verdadeira “ginastica hermenêutica” com o objetivo de rever entendimentos recentes adotados pela corte. Entre uma dessas decisões assistimos a anulação de uma das mais importantes operações de combate a corrupção já realizadas neste país, que teve como consequência a libertação de condenados por corrupção.

Essa mesma composição hoje é responsável pela mais absurda insegurança jurídica que marcará a história jurídica da república. Eles são responsáveis pela consolidação do ativismo judicial no Brasil.

Está expresso na Constituição Federal que um dos direitos fundamentais para a sociedade brasileira é a LIBERDADE. Oras, ao que parece, a liberdade é garantida para os desonestos ao passo que para os honestos a prisão é certa. Foi exatamente isso que presenciamos nestes dois últimos anos. Decisões que mandavam prender todos aqueles que ousassem usar da sua liberdade, seja a de locomoção como também a de expressão e pensamento. Inclusive prerrogativas constitucionais foram ignoradas pela corte, que colocou de joelhos um dos poderes para que fosse possível a prisão de parlamentar com imunidade prevista na constituição.

A situação é grave e alarmante.

A mais alta corte, atuando de forma ativa e sem escrúpulos, produziu um dos episódios mais absurdos já visto na história jurídica brasileira, quiçá, mundial, ao dar início ao famigerado Inquérito 4781, que promove de maneira sorrateira a investigação de todos aqueles que se opõe à corte. No inquérito, que nem os advogados dos investigados tem acesso à informação constante nele, o que por si só já contraria entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, membros da corte promovem um verdadeiro "caças as bruxas", formando entendimentos, tais como o "flagrante perpétuo", que faz saltar os olhos de todo jurista honesto que tem comprometimento com o Direito e com aquilo que existe de mais nobre, a própria Justiça.

Ironia ou não, foi sob a gestão do atual presidente da mais alta corte que todas essas coisas foram feitas. Sendo que em dado momento o próprio Ministro Luiz Fux destacou que "...merece crítica a prática epidêmica de se transferirem voluntariamente conflitos políticos para a arena judicial, o que tem exposto o Poder Judiciário, em especial este Tribunal, a um protagonismo danoso para a sustentabilidade do sistema constitucional". E prosseguiu alertando que "não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor".

O ativismo judicial existe e acontece todos os dias e muitos, como destacado acima, tem noção do perigo que isso representa para a sociedade. A pergunta que fica é "Até quando esperar a plebe ajoelhar? Esperando a ajuda de Deus?".


* MARCELO DUARTE PALAGANO

-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul(2015);

 -Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e 

Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.



Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Um Homem Rico


Autor:  Luciano Almeida de Oliveira(*)


Vovô o senhor é rico?

Sim meu querido neto, eu sou um homem rico.

A confirmação do avô deixou a pequena criança com um sorriso luminoso no rosto. As crianças gostam de saber que os seus pais e avós são ricos.

Já o avô sorria apenas com os olhos. Ele olhou para cima e vislumbrou aquele céu azul, que só existe no Centro-Oeste do Brasil. Ele respirou fundo e expirou com o vento em seus cabelos brancos. Depois ele abaixou a cabeça, apoiou o queixo sobre a mão e relembrou a sua vida em um relance e de como se tornou um homem rico.

***

Mariazinha quer casar com você Francisco. É a sua sorte grande. O Seu Zé Branco é um homem muito rico e se você desposar com ela nunca vai ter problema de dinheiro.

Francisco, naquela altura um jovem de 20 anos, não colocou muita fé na conversa da sua tia, Dona Henriqueta.

O Seu Zé Branco não gosta de ninguém. Ele é ruim para os empregados. Na fazenda dele ninguém pode pegar um ovo de galinha. Ele nunca matou um capado para comemorar o aniversário. Ele não gosta de mim, não gosta de ninguém, nunca vai me dar a benção para casar com a filha dele.

Francisco era filho único e órfão de pai e mãe. Como Deus não permite que tudo de ruim aconteça com uma única pessoa, ele nasceu lindo. Era um neném de uma beleza escultural, uma criança com aparência angelical e agora que estava com 20 anos era um homem de uma beleza hipnotizadora.

Sua tia, Dona Henriqueta, o criara desde pequeno, depois dos pais terem morrido de pneumonia. Solteirona e pobre, ela via no casamento do sobrinho uma chance de resolver os problemas da família.

Como toda mulher com uma ideia fixa, Dona Henriqueta não se intimidava com a realidade narrada pelo sobrinho. Ela conhecia a sua natureza. A natureza feminina.

Menino, Mariazinha se apaixonou por você desde o momento em que ela te viu. Uma mulher apaixonada é capaz de mover o mundo. Se depender dela vocês já estão casados. Se depender de mim você já está rico.

***

Francisco era um rapaz estudioso. Ele lia todos os livros que chegavam às suas mãos. Tivesse ele nascido em uma cidade mais progressista ele estaria em uma faculdade e se tornaria doutor.

Aquela cidade, infelizmente, era um túmulo do progresso. Em 50 anos não se tinha construído uma única casa nova. As pessoas grandes da cidade eram mesquinhas. Desconfiadas. Desumanas. Como o Zé Branco era.

Homem mais rico da região, não ajudava ninguém. Nunca quis o progresso do município.

“Como vou me sentir rico se as outras pessoas não forem pobres?”

Era assim que Zé Branco pensava. E ele não era homem de agir em desacordo com o seu pensamento.

Por algumas vezes a gente de fora tentou montar um comércio naquela cidade. Pois bem, ninguém comprava deles, uma cortesia de Zé Branco contra o progresso.

Gente de fora não vai ganhar a vida aqui não. Eles querem o dinheiro da gente.

Meu Deus, quanta ignorância. A população carente de empregos não percebia e caía na cantinela de Zé Branco.

Menos comércios abertos, menos empregos, menos progresso. Era assim que aquele coisa ruim de olhos bem azuis gostava.

***

Mariazinha vem aqui hoje.

Dona Henriqueta contou a novidade com imensa alegria ao sobrinho.

Tia, eu não tenho nem roupa para vestir.

A Tia riu por dentro e foi para a cozinha assar uns biscoitos. As velhas pensam muitas bobagens, permita-me dizer.

As coisas mais importantes na vida acontecem sem roupa.

Que isso Tia?

Eu estou falando do nascimento, menino. Do nascimento!

As risadas quebraram um pouco o clima daquela casa pobre. Sem rádio, sem TV, poucos móveis e chão de cimento queimado. Uma viola antiga, que Francisco aprendeu a tocar de ouvido alegrava as noites que do contrário seriam tristes.

Mariazinha bateu palmas na porta da casa. A casa não tinha muros. A porta dava direto para rua.

Ô de casa!

A voz daquela moça era um doce. Tudo naquela jovem era digno de admiração. Beleza e bondade infinitas. Ela não se cansava de ajudar os empregados da fazenda escondido do pai. Ela não tinha mãe, que dizem, morreu de desgosto de ver as maldades do marido.

Ô de casa!

Dona Henriqueta abriu a porta e o sorriso.

Entra minha flor. Esse sol está de matar. Assei uns biscoitos e coei um café para você.

A mesa simples estava preparada com todo o esmero. Xícaras esmaltadas vermelhas contrastavam com um pano de mesa xadrez, com listras azuis e verdes. Um arranjo de flores no centro da mesinha mostrava que Dona Henriqueta tinha bom gosto e era refinada. Aliás, nada mais triste que a pobreza acompanhada do bom gosto.

Apesar dos esforços de Dona Henriqueta para impressionar a visita, Mariazinha só tinha olhos para Francisco. Ele era educado, modesto, correto e falava pouco, o que o tornava misterioso e ainda mais atraente para a jovem.

Você vai comer só isso Francisco?

Mariazinha queria mostrar que se preocupava com o jovem homem. As mulheres são assim. Ele percebeu, mas não queria saber de problemas com o homem mais detestado da cidade.

Francisco, faz companhia para Mariazinha enquanto eu tiro a mesa e lavo a louça na cozinha.

Mariazinha abriu um sorriso de aprovação. Eles ficaram sozinhos naquela sala simples e pouco iluminada pelos raios de sol que passavam pela janela pouco aberta.

Duas poltronas velhas, uma sofá de três lugares, uma cômoda, com uma arma que não pareceu desconhecida para aquela jovem.

Que arma é essa?

É uma pistola alemã. Uma Luger.

Uai Francisco, eu acho que já ouvi esse nome antes. “Luger”.

Logo os jovens estavam caminhando pela rua. A visita terminou e a tia pediu que Francisco acompanhasse a jovem. Eles foram sem conversar pelo caminho. Ele tinha o cérebro de um intelectual. Lia muito e falava pouco. No início nada parece afetar as mulheres. Elas sabem que podem mudar o homem depois do casamento. Pensando bem, porque mudar alguém? Coisa das mulheres.

***

A cidade inteira já sabia que Mariazinha e Francisco se encontraram, apesar do jovem ter tomado a precaução de não acompanhar a jovem até a porta da casa dela. Ele a deixou na esquina, mas no interior é assim. As pessoas reparam nas outras e falam sobre as outras, uma maneira prática de não enxergar a própria pequenez.

O que é que você tem na cabeça? Ficar andando com esse pobretão metido a besta. 
Zé Branco já tinha ouvido falar da fama de devorador de livros que o jovem tinha e, para ele, ser rico era muito mais importante que cultura e leitura.

Papai o senhor está enganado. Francisco é inteligente, é educado, respeitador e será bem sucedido em toda a empresa a que se dedicar.

Eu não aceito você andar com aquele pobre. Os poucos centavos que tem ainda desperdiça com livros? Que compre bois e fique rico. Pobretão nenhum vai casar com a minha filha.

A filha não gostou de ouvir o pai falar desse jeito do jovem homem que ela gostava. De repente ela se lembrou de uma palavra que já havia ouvido naquela casa. As mulheres gostam de defender aqueles que elas amam e gostam de defender atacando.

Ele não é assim tão pobre não. Ele até tem uma Luger!

Zé Branco parou de respirar por alguns segundos.

Ele tem uma Luger? Como ele conseguiu uma? Como ele conseguiu comprar uma? Como é a aparência dessa arma?

O velho rico de olhos azuis fez dezenas de perguntas que a filha não conseguia responder. Ela

Pergunte para o Francisco. Vai ser bom vocês conversarem um pouco.

***

O encontro não aconteceu de imediato, como queria Mariazinha. Zé Branco era turrão. Cabeça dura e preconceituoso, mas também era desconfiado e curioso.

Como é que ele tem uma Luger?

Como ela seria? Teria alguma inscrição? Estaria bem conservada?

De repente o velho começou a criar uma fixação pela Luger. Ele não era homem de deixar uma ideia parada. Era um homem de ação. Ele sempre atingia os seus objetivos. Ele tinha a si mesmo em alta conta.

Não era isso que pensava Francisco.

Esse velho é um imbecil.

Não diga isso meu filho. Você vai se casar com Mariazinha. Ele vai ser seu sogro. Não fale assim desse homem que o povo dessa cidade é fofoqueiro.

A simples menção de que o casamento não se concretizasse já deixava Dona Henriqueta com taquicardia.

Esses jovens de hoje. Meu Deus. Eles não entendem nada. Não sabem como a vida é dura e como o casamento é uma forma de ascensão social.

Henriqueta repetia o seu mantra caminhando pela casa. Francisco fingia não ouvir. Ele era um homem, mas ainda era um jovem e essa sua porção rebelde não via com bons olhos a arrogância folheada de prata de Zé Branco.

Mariazinha é filha única. Toda a fortuna do homem vai cair em suas mãos. Não seja bobo. A gente precisa agir com política meu filho.

Henriqueta sempre utilizava a expressão “meu filho” antes de uma súplica:

Meu filho, o nosso destino está em suas mãos. Eu sou sua tia. Não sou rica e não sou influente, mas tenho você. Um homem inteligente e solteiro tem valor de ouro para uma jovem mulher. Só você pode nos dar a vida que nós merecemos. Você não quer ser considerado pelas outras pessoas? Você não quer ficar rico?

***

Duas mulheres trabalhando pelo mesmo ideal são mais produtivas que cem homens. Dona Henriqueta colocava na cabeça de Francisco os benefícios de uma vida regada a dinheiro. Mariazinha destacava as qualidades do seu pretendido para o pai.

Não foi uma tarefa fácil para as duas, e se essa tarefa fosse confiada a dois homens eles certamente teriam desistido nas primeiras semanas. Água mole em pedra dura...

Chega! Não quero mais ouvir uma palavra essa tarde. No domingo você pode trazer aquele traste para essa casa, mas não espere que eu o trate como você deseja. Não sou homem que bajula marmanjo barbado.

Mariazinha ficou eufórica e agora tudo dependia de Dona Henriqueta.

Eu não quero ir na casa daquele sujeito. Não gosto dele. Ele é um ignorante. Não dou valor a quem é inculto.

Meu filho, pelo amor de Deus. É por mim. É por Mariazinha. É por você!

Água mole em pedra dura...

***

Nunca houve um silencio mais ensurdecedor naquela casa, do que naquele domingo.

Zé Branco fumava um cachimbo e olhava atentamente a fumaça que subia até o teto, uma forma de não olhar para o convidado.

Francisco estava sentado ao lado de Mariazinha, a uma distância segura, é claro, como sempre se fazia por aquelas bandas.

Mariazinha queria que aqueles homens se conhecessem melhor. Afinal de contas, eles seriam parentes. E eles tinham tudo para se entenderem bem. Sogro e genro. Pai e avô. Sócios nas fazendas.

Francisco tinha na mente os ensinamentos das últimas semanas que recebera da sua tia.

Na vida a gente tem que ceder. Engolir alguns sapos. Ter paciência. O comerciante tem sempre paciência. Já viu aqueles vendedores de tecido? Eles tem toda a paciência do mundo. Descem aqueles metros de tecido sem nunca reclamar. Mesmo que a cliente não compre nada, eles nunca demonstram insatisfação.

A paciência é parceira do lucro. Essa foi a conclusão de Francisco, que agora voltava a atenção para o seu futuro sogro, naquele encontro definidor do futuro daquelas três pessoas, quatro, mas não contei a tia porque ela não estava presente naquele encontro.

Mariazinha, vai preparar um café pra gente. Pediu em tom de comando o seu Zé Branco. A moça saiu rapidamente para atender o pedido do pai.

Você tem uma pistola Luger? Perguntou o velho depois de soltar uma baforada do seu cachimbo.

Sim. Tenho uma Luger P08 Parabellum. 
Francisco falou a frase em latim para demonstrar a sua cultura e impressionar o velho de olhos azuis: Si vis pacem para bellum. Os olhos azuis agora estavam cinzas. Talvez pela fumaça do cachimbo? Talvez...

Nossa casa não tem muros e a porta dá direto para a rua. Não sou homem de fazer inimigos, mas tenho que estar preparado para defender a minha tia e a nossa residência.

Francisco sabia que o velho iria se impressionar com uma demonstração de coragem e determinação. Afinal o povo falava que Zé Branco tinha adquirido várias propriedades expulsando posseiros e passando medo nas pessoas. 
Minha tia ia ficar orgulhosa de mim, pensou.

Você tem interesse de vender? 
Zé Branco perguntou isso sem demonstrar muito interesse. Francisco respondeu sem calcular as suas palavras e por onde caminhava.

Como eu já disse é para proteger lá em casa. Não tenho interesse em vender ela não.

***

Mas como é que você tem coragem de negar um pedido do Zé Branco?

Dona Henriqueta estava desnorteada. Ao ouvir a recusa de Francisco o tal do Zé Branco deu uma baforada no cachimbo e saiu da sala sem dar explicações. Mariazinha desesperou. Aquele primeiro encontro não foi bom.

Meu Deus! Meu Deus! Gente importante não gosta de ouvir recusas. Você lê tanto e não sabe as coisas mais importantes?

Francisco tentava explicar que nada fez para desagradar o velho.

Estávamos conversando normalmente. De repente ele levantou da sala e foi para o quarto. Eu não o desrespeitei. Eu não fiz nada.

Como não fez nada? Você disse um não para um homem rico e importante. Perder um casamento por conta de um revolver velho. O seu tio um dia chegou com essa porcaria aqui em casa. Não sei se ele ganhou ou comprou. Não me importa o valor que isso tem. Venda logo. Aliás, dê essa joça de presente para o seu Zé Branco.

Francisco viu que a tia estava chorando e que ela não estava fingindo. Era hora de ser um homem e assumir responsabilidades. Sua tia querida precisava de um amparo. Ele também. Sua futura noiva idem. Sei lá, tem horas que a gente tem que carregar a nossa cruz.

Mariazinha falou para o pai que Francisco estaria disposto a vender a Luger, o que deixou o seu Zé Branco mais calmo. Ele não tinha parentes conhecidos. Era viúvo, como eu já disse, e nunca se soube do nome dos seus pais. Ele vivia recluso naquelas bandas. Longe de tudo. Afastado da civilização. Francisco só pensava em ir para São Paulo assim que conseguisse a sua parte na fortuna.

***

O tempo cura tudo e esconde as nossas falhas na areia do tempo. É o que as pessoas dizem. É no que elas precisam acreditar, creio eu.

Francisco saiu de casa com a Luger enrolada em uma toalha de rosto. Ele caminhava confiante para a casa de Mariazinha. Tudo fora calculado pela tia e pela futura esposa. Os dois estariam juntos, sem ninguém para atrapalhar a negociação. Eles seriam amigos. Por que não?

O jovem bateu na porta e o velho de olhos azuis abriu a porta e mandou ele entrar.

Francisco olhou para Zé Branco atentamente. Um velho com a espinha ereta, olhar grave, de poucas palavras. O povo dizia que os olhos azuis ficavam cinza quando ele ficava brabo.

Você trouxe a Luger?

Francisco acenou com a cabeça. Ele entregou a toalha enrolada.

Está aqui.

A expressão facial de Zé Branco mudou. Ele sorriu, como nunca ninguém tinha visto naquelas paragens.

Ela está conservada. Não tem nenhuma ferrugem. Você cuidou dela muito bem.

A aprovação do velho teria feito Dona Henriqueta dar saltos de alegria, se ela estivesse presente no local. O fechamento daquele negócio era o passo inicial para que o casamento estivesse sendo celebrado em poucas semanas.

Zé Branco olhava atentamente a pistola e comentava em voz alta sobre a história daquela arma:

Essa pistola é considerada o maior souvenir da Segunda Guerra Mundial. Ela foi adotada pelo exército alemão em 1908, daí o nome P08.

Francisco era um leitor assíduo, gostava de história e por um momento se sentiu confortável na presença daquele velho senhor de poucos amigos que ia discorrendo sobre a arma.

A Luger foi popular durante a Segunda Guerra Mundial e foi utilizada pela infantaria do Exército Alemão. Inicialmente ela utilizava calibre 7.65x21mm Parabellum, que foi depois modificado para 9x19mm Parabellum, utilizando um novo cartucho desenvolvido, que conjugava precisão, velocidade e poder de parada. Este cartucho 9mm seria, no futuro, padrão para a maioria das pistolas automáticas que viriam a ser fabricadas.

Francisco ficou verdadeiramente impressionado. Até que aquele velho sabia de alguma coisa que não fosse terra e cabeça de boi. Zé Branco ia discorrendo sobre a arma com um amor juvenil.

Meu filho, nós vamos ficar ricos! Nós vamos ficar ricos! Francisco já imagina a tia comemorando.

O velho ia ficando mais falante e mais confiante. Ele empunhava a arma com brilho nos olhos.

Esse velho vai acabar gostando de mim, pensava Francisco com a expectativa dos bens negócios que seriam feitos.

A admiração do jovem foi abruptamente congelada pela pergunta que lhe foi feita em um tom maligno:

Essa arma deve ter matado muitos judeus, né?

Francisco ficou pasmo. Ele nunca havia pensado nisso. Uma arma que representava a eficácia da engenharia alemã provavelmente tivesse sido usada em crimes de guerra.

Fico pensando em quantos judeus essa arma mandou para o inferno. Tudo o que é feito na Alemanha é bem feito, não é?

Francisco olhou para Zé Branco com outros olhos. Ele realmente era um ariano. Branco, alto, forte, olhos azuis - cinza, quando ficava nervoso.

Aquele velho vivia recluso. Ele era descendente de alemão? Era filho de nazistas? Quem era esse homem? Ele não tinha sotaque, mas ele podia muito bem ter treinado o português.

Mil dúvidas pairavam na cabeça de Francisco. Zé Branco gargalhava alto com a arma em punho. Ele balançava a arma e a admirava com todo fervor.

A pior coisa do mundo são esses judeus. Eles colocaram os EUA na guerra contra a Alemanha. A praga não é a saúva. É o judeu!

Com a arma na mão Zé Branco não usava mais véus. Ele falava de maneira franca e direta, como um germânico.

Meu rapaz, quanto você quer pela Luger?

***

Francisco não vendeu a arma para Zé Branco naquele dia, nem em outro qualquer.

Francisco não se casou com Mariazinha.

Francisco não ficou com a fortuna daquele velho de olhos azuis.

Francisco saiu daquela cidade com a sua tia e se mudou para bem longe. Antes de partir ele jogou a Luger no meio de um lago, para ele um símbolo de toda a barbárie nazista.

Francisco nunca conheceu um judeu e nunca entrou em uma sinagoga, mas sabia que não poderia conviver com uma pessoa que admirava a Alemanha de Hitler.

Francisco era uma pessoa boa e acreditava que não era certo perseguir qualquer pessoa pela religião e que uma doutrina baseada no preconceito e na loucura não pode nunca prevalecer em um mundo civilizado.

Francisco não traiu a sua consciência por uma vida de abundância material e descobriu que a maior riqueza de um homem é agir segundo os princípios da humanidade e da solidariedade. E por isso ele se considerava rico.

Vovô o senhor é rico?

Sim meu querido neto, eu sou um homem rico.

*LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA

-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás(1996);
-Atua na área da propriedade intelectual (Marcas, patentes e Direito Autoral);
-Escreve há mais de 15 anos artigos de direito e crônicas para jornais e revistas.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Educação com afeto


 Autora: Maria Thereza Pompa Antunes (*)

Com algumas décadas de experiência na área acadêmica, sendo apresentada como professora e, na maioria das vezes, com o pronome de tratamento que muito me honra – Professora Doutora, pois representa uma merecida conquista, por outras tantas vezes me identifico como educadora.

Educar é mais que transmitir conhecimento, educar é preparar para a vida. Senso comum? internalizamos? Praticamos?

Isso posto, eu sempre guardei muita vontade de escrever sobre o tema: Educação com afeto.

Nessa oportunidade (obrigada Werneck!!!) escrevo esse ensaio que, dada à minha trajetória, não me resta nenhuma dúvida de que ele é uma semente para uma pesquisa cientifica que pretendo (desejo fortemente) realizar.

Mas por que apenas agora decidi por escrevê-lo?

Nada é por acaso, porque mesmo quando podemos até pensar que a coisa esteja acontecendo por acaso, existe um fenômeno denominado por serendipidade que é uma casualidade feliz, inesperada. Mas, ao mesmo tempo, como tão bem observado pela escritora Ana Maria Gonçalvez, quando a serendipidade ocorre, você está preparado, embora você possa nem ter consciência que esteja. O fato é que para que ela ocorra, você tem que estar preparado, caso contrário, ela passa despercebida e, obviamente, você não se aproveita dessa oportunidade (acaso?)

No meu caso, escrevi isso tudo até agora para contar a vocês que a serendipidade para que eu efetivamente me decidisse por escrever sobre esse tema, ocorreu recentemente, relendo, um dos livros sobre a vida de Arthur Shopenhauer.

De todos os filósofos é o que mais admiro, e o que mais me intriga. Arrisco-me a dizer que, para uma não filósofa, conheço bem a sua obra (Data Venia), e me surpreendeu sobremaneira uma passagem desse livro que faz referência ao afeto que Shopenhauer, ainda menino, nutria por um de seus professores.

Uma relação que denotou sentimentos de afetividade, amorosidade, delicadeza, doçura, amizade, simpatia, amparo, valorização, identidade, empatia, dentre outros.

Os últimos dois anos têm nos impulsionado a novas formas de ver, sentir, ser e ter em todas as esferas da vida, qualquer que seja o seu tempo e o espaço que ocupemos na sociedade.


Ninguém além de somente nós, nos impusemos uma habilidade de adaptação, por vezes recorrendo à teoria de Darwin, procurando, sob o álibi da pandemia, um sentido para aquilo que talvez continue não fazendo muito sentido, como talvez nunca tenha feito: inclusão; aceitação, crenças, linguagem inclusiva. É necessário mesmo tudo isso ou basta nos fazermos perguntas aparentemente tão simples?

Me respondam:

- Qual é o significado de educador para você?

- Você se entende como professor ou como educador?

- Existe espaço para a educação com afeto?

- E os nossos alunos? Que se coloquem no lugar do pequeno Arthur, como eles nos enxergam?


Respondendo por mim, já faz alguns anos que em sala de aula faço uso da adaptação de um refrão de uma música do Marcelo D2 (músico, compositor e produtor).

Contextualizando, não sou unanimidade (graças a Deus!), toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar, como bem colocou Nelson Rodrigues; e já tive alguns ou muitos entraves em sala de aula; alguns alunos entendiam o meu posicionamento, outros se surpreendiam e outros definitivamente não aceitavam.

A minha resposta a eles vem a seguir:

E eu me desenvolvo e evoluo com meus alunos
Eu me desenvolvo e evoluo com a minha professora
Mas eu me desenvolvo e evoluo com meus alunos

Eu me desenvolvo e evoluo com a minha professora

 

No original da letra (Loadeando, 2003):

E eu me desenvolvo e evoluo com meu filho
Eu me desenvolvo e evoluo com meu pai
Mas eu me desenvolvo e evoluo com meu filho
Eu me desenvolvo e evoluo com meu pai

Em resumo: é uma música cuja letra fala sobre troca numa relação entre duas pessoas em que existe, por definição, uma hierarquia, e eu questiono: pode haver uma hierarquia com afeto?

A opção pelo enfrentamento, pelo embate, pela polêmica (insisto que toda unanimidade é burra) leva à reflexão, desenvolve a visão crítica, à busca sincera pela verdade, e o afeto conduz ao amor pela vida e pelo próximo. Essa opção é na minha modesta opinião, a melhor maneira de preparar alguém para a vida. Não há necessidade de se recorrer a modismo, ideologias, leis, normas e crenças, normalmente efêmeros e eivados de preconceitos. Ao contrário do que apregoam os poetas (Camões, Petrarca, Fernando Pessoa, Caetano Veloso) Navegar é preciso, viver também é preciso.

Referências:

GONÇALVEZ, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.

SAFRANSKI, Rudiger. Shopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

LOADEANDO, Marcelo D2. 2003.

* MARIA THEREZA POMPA ANTUNES










Mestre (1999) e Doutora (2004) em Ciências Contábeis pela FEA/USP, com 23 anos de experiência na área da educação atuando como docente, pesquisadora e gestora;

Graduação em Administração pela PUC/RJ (1984), com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ (1985), e em Ciências Contábeis pela FEA/USP (2002);

Pesquisadora líder de projetos de pesquisa com fomento do CNPq e da CAPES, tendo participado de diversos congressos científicos nacionais e internacionais;

Autora de livros e artigos científicos publicados em periódicos indexados, nacionais e internacionais;

Membro de Conselho Editorial de periódicos nacionais e internacionais;

Parecerista e Palestrante com experiência internacional. Membro da Comissão Científico e Acadêmico do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC/SP); e

Sócia gerente da Findings Consultoria Ltda, especializada em gestão educacional e perícia contábil.

E-mail: teantunes@uol.com.br

WhatsApp: (11)-98338-4343

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064


Nota do Editor:

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