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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

STJ e o Quantum do Dano Moral


Autor: Juliano Lavina (*)

Faço neste artigo uma reflexão sobre a posição do Superior Tribunal de Justiça no que toca a impossibilidade de rever o quantum fixado a título de dano moral, a pretexto de que a modificação da decisão de origem demandaria o revolvimento da matéria fático - probatório. Com todo respeito, a tese é um absurdo.

Todos temos conhecimento que o papel da referida Corte não é discutir fatos, mas verificar a adequação da decisão judicial à norma federal. Desde o ano 2000 a Casa de Justiça vem afirmando que "O valor de indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. "(REsp 259816⁄RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27⁄11⁄2000).

Diametralmente, uma nova posição se consolidou na Corte no sentido de que somente quando o valor for fixado em um patamar ínfimo ou extraordinário é que se autoriza revê-lo. Pois bem, essa é uma matéria que clama por justiça há anos no Brasil e desde então eu defendo que a fixação desse importe é injusto na sua grande maioria, mal arbitrado, mal fixado e mal efetivado. Para piorar, os insurgentes não têm como rever esse tipo de decisão porque embora a Corte de Justiça tenha dito que esse valor se submete ao controle do órgão, tal ato está restrito aos casos de insignificância, extraordinário, e por aí vai.

A meu ver, o juiz ao avaliar esse montante deveria levar em consideração inúmeros fatores, como podemos observar da orientação do REsp de relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira acima destacado. Ao colocar todos esses indicadores para ponderação e sopesar toda a matéria fático - probatória, o magistrado deverá, diante da dificuldade que é fixar esse valor, encontrar um denominador comum à luz da razoabilidade, da proporcionalidade e arbitrá-lo. Desde o nascimento desse tipo de indenização a discussão sobre essa prescrição é motivo de muita dor de cabeça, porque fixa-la, como disse anteriormente, não é uma tarefa fácil. O que para uns é um dano irreparável, para outros se trata de algo que não transborda a normalidade, embora indenizável, mas e para a vítima? O que ela vê sobre isso? Todos sabemos como é se colocar no lugar dos outros; imaginar como é experimentar a dor e mensurar o que foi narrado para atribuir um valor. Essa é uma iniciativa do juiz com base no que pediu a vítima e alegou a defesa, e o magistrado deve ser guiado não só por estes panoramas, mas também por aqueles apontados pelo STJ. Arbitrado um montante aquém do esperado a parte pode recorrer ao Tribunal, que decidirá se cabe a redução. Novamente, o corpo de Desembargadores deverá analisar todos os argumentos lançados pelo apelante e pelo apelado, os critérios da Casa de Justiça e a íntima convicção do julgador, no caso o Desembargador relator. Na imensa maioria das vezes os demais Desembargadores são do tipo "Maria vai com as outras"[1], com o perdão do silogismo, e acompanham a posição do relator, o que acaba estancando o princípio do duplo grau de jurisdição a um argumento: "voto no mesmo sentido", para evitar desgaste emocional entre os pares.

Assim o jurisdicionado se vê enclausurado ao que for decidido pelo Desembargador relator, e tal decisum poderá ser a decretação final do debate porque o STJ não revisará a decisão se o valor fixado não se mostrar irrisório ou extravagante. Já sabemos que essa quantificação é difícil, que existe uma carga de subjetividade muito grande, mas penso que a posição do Superior Tribunal de Justiça é deveras injusta. Se a Corte é capaz de avaliar se o montante é irrisório ou exorbitante sem revolver o campo dos fatos e da prova, está igualmente qualificada para alterar um cenário injusto para adequá-lo ao que a Corte chamou de peculiaridades de cada caso. Afinal o que é irrisório ou extravagante, quando comparado com o valor fixado? Será que esse padrão revisional não beira o senso comum ou tal etiquetamente só é passível de monetização pelos Ministros? Será mesmo que um cidadão comum ou o advogado não teriam capacidade de nivelar esse irrisório ou exorbitante, à luz do caso concreto, a ponto de considerá-lo dentro dos pressupostos subjetivos fixados pela Corte Superior? Creio, datissima vênia, que tão subjetivo quanto os termos - irrisório e extravagante - está a subjetividade ao afastar dessa avaliação os demais interessados no arbitramento, até porque se os Ministros tem capacidade para extrair do caso o que é irrisório ou extraordinário, tem igual habilidade o advogado, o juiz, a própria parte, o perito ou qualquer outro em quantificar se um montante é ou não condizente com o prejuízo causado.

Precisamos rever essa posição para permitir o STJ reavaliar esse quantum ou fixar um panorama mais justo, porque muitos jurisdicionados estão sendo sancionados por valores irrisórios, quando os fatos nos autos justificam uma indenização bem mais justa. Se a Corte de Justiça é quem estabelece parâmetros para esse arbitramento, diante da dificuldade ou da omissão legislativa, precisamos alterar esse posição porque o jurisdicionado não pode enriquecer com uma indenização de R$ 10 mil reais para um evento morte, ou diante de uma inscrição ilegal que levou a busca e apreensão do veículo e outros vexames, esse montante é humilhante. Algo está errado, e o pior que não está se observando que quem está sendo prejudicado é o jurisdicionado. Estou falando das querelas que assolam o judiciário, que atormentam os julgamentos embora 30 anos de Pergaminho Consumerista. Todavia, não quero entrar nessa seara, essa questão eu discuto na minha Teoria do Safety Flare ou da sinalização direcionada[2].

Olvida-se o custo de um processo para tramitar {R$ 4.000,00}, as despesas processuais {R$ 3.000,00[3]}, os deslocamentos para audiências {R$ 300,00}, os honorários contratuais R$ {2.000,00}, o oficial de justiça {R$ 300,00[4]}, total R$ 9.600,00. Será mesmo que uma indenização de R$ 10 mil reais compensa o dano? O que quero discutir aqui é que é possível sim o Superior Tribunal de Justiça rever o quantum fixado a título de dano moral sem revolver a matéria fático-probatória. Se é cabível modificar o valor arbitrado em 1o e 2o grau quando irrisório ou exorbitante, é cabível modificar a decisão mesmo que o caso não se enquadre nessas hipóteses, para majorar o valor do dano moral. A partir do momento que a Corte avalia se o montante é irrisório ou exorbitante sem analisar fatos e provas, é porque tem condições para fazer o mesmo quando é para majorar o valor, porque o quantum não se refere a fatos ou provas, se trata de valorar um prejuízo, e se essa valoração deve respeitar orientações do Superior Tribunal de Justiça é porque quem orienta é que deve rever decisões que não respeitam a posição dominante.

É muito cômodo alegar que não poderá ser analisada essa tese porque não se trata de um caso abrangido nos pressupostos[5], mas como fica o jurisdicionado? Como fica essa valoração se o que é razoável ou proporcional para um não é para outros? Como ficamos se não há um norte nesta questão? Não pode ser mais fácil resolver a questão declarando que não pode alterar a decisão, é um argumento muito injusto e simplório para engolir a seco. Esperamos mais, não temos uma Corte dessa magnitude para decisões dessa estirpe. O jurisdicionado espera mais, pelo menos em respeito ao cidadão. Entendemos que o STJ não é uma terceira instância, que não serve de Corte revisora, mas se não há parâmetros para fixação do valor do dano imaterial ou se não há respeito ao que foi fixado, o que faz o jurisdicionado?

Por mais que o STJ não discuta fatos, quem orienta deve ser o órgão responsável por rever esse tipo de decisão. Se a Corte foi quem fixou as premissas não pode simplesmente alegar que só modificará o valor do dano moral quando se mostrar irrisório ou extravagante, é muita "sacanagem" com o perdão da expressão. O que espera o irresignado é que quem criou a regra, fiscalize quem a cumpre e, se for o caso, reforme a decisão, é o mínimo! Ah mais é subjetivo demais avaliar proporcionalidade e razoabilidade, lenitivo para a dor, punitivo e preventivo. Ok, mas da mesma forma é subjetivo avaliar insignificante ou exagerado. O que pode parecer exagerado para um juiz pode não ser para a vítima, quem sentiu na pele os dissabores, e ela não está no Judiciário por livre e espontânea vontade, pelo contrário. Então não optou por colocar a lide para o Estado/Juiz decidir, só o fez porque a parte contrária não cumpriu voluntariamente a sua parte. Logo, com todas as vênias, não se mostra justa essa posição do Superior Tribunal de Justiça ao não rever essas decisões, porque quem pode o mais pode o menos, e se a Corte pode rever decisões que considera irrisória ou exorbitante, também poderá quando a parte considerar irrisório o valor fixado.

Pode até não ser o caso, o Ministro pode chegar à conclusão de que o recorrente está errado, que o valor fixado não é irrisório ou exorbitante, mas pode fazer isso analisando os argumentos sem expurgá-los com o recorta e cola da Súmula 7. E essa apreciação a meu ver não invade campo dos fatos ou provas, essa avaliação poderá ser feita sem essa prejudicial porque analisar irrisoriedade ou extravagância não requer essa invasão, segundo a Casa de Justiça. Como examinar que um valor é irrisório sem examinar os fatos ou a prova? Como chegar a conclusão de que a indenização é exorbitante sem ler o processo; ou devemos presumir que essa ponderação é feita pelo achismo? Bom, fixou-se, por exemplo, uma indenização de R$ 300.000,00 por um homicídio culposo no trânsito, mas a meu ver o valor é demasiado. Ocorre que no processo temos um sujeito que dirigia em alta velocidade e embriagado em níveis anormais, era reincidente e para piorar ocultou o cadáver. Coloque-se no lugar da mãe da vítima ou do filho, imaginando um pai trabalhador, provedor, honesto e etc, que teve a vida ceifada por um irresponsável contumaz, e me diga se realmente esses R$ 300 mil se mostram imoderado, avaliando que o agressor é rico. Será mesmo que a decisão do Ministro será isolada, sem avaliação dos elementos do caso concreto para saber se é irrisório ou exorbitante? Eu duvido! Se o fizer será tão irresponsável como quem matou no trânsito, porque essa avaliação, a meu ver, deve ser rigorosa.

Portanto, não estou aqui para defender nenhum dos lados, também considero que é papel do Judiciário equacionar essa balança, mas o que tenho visto não se mostra razoável e proporcional, e se o STJ é quem determina o norte dessa delimitação penso que não reavaliar a decisão de 1o e 2o grau é uma incongruência, principalmente quando se propala aos quatro ventos que valores irrisórios ou extravagantes poderão ser revistos pela Corte. O artigo visa reflexão, não estou dizendo que estou certo ou que os Ministros estão totalmente errados, o objetivo é repensar porque as decisões a respeito, no STJ, são injustas quando não avaliam esse ponderar, na minha humilde posição, principalmente porque o valor do dano moral não está sendo arbitrado em valores justos. 

REFERÊNCIAS


[2]Disponível 

[3] Com valor da causa em R$ 30.000,00.

[4] Não incluído no valor das custas iniciais.

[5] Irrisório e exorbitante.

* JULIANO LAVÍNA

















-Professor de Direito Penal e Processo Penal;
-Membro da Comissão Especial de Estudos de Ciências Psicológicas;
-CEO da Conceito Soluções; 
-Autor da Teoria do Safety Flare ou da Direção Sinalizada; e
-Ex-Assessor do Min. Marco Buzzi

Nota do Editor:

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