Sabemos que o nosso Legislativo formam as Leis Municipais,
Estaduais e Federais. Não obstante, quando o legislador desenvolve determinada
lei através do processo legislativo que envolvem debates públicos,
estabelecimento de comissões temáticas, análise de constitucionalidade pelo CCJ
(Comissão de Constituição e Justiça), apresentação e colocação para voto e
respectiva aprovação no parlamento e por fim o sancionamento pelo Poder
Executivo e publicação em órgão oficial de imprensa, ele impõe seus fundamentos
com base na necessidade social e intenções quando aos seus efeitos.
Há momentos que o texto legislativo, embora tenha validade,
torna sem efeito no âmbito fático da sociedade. Um exemplo interessante reside
no âmbito processual que atua fortemente no trabalho dos advogados, trata-se do
Agravo de Instrumento, uma espécie de recurso utilizado para questões
assessorias, porém importantes, do processo, por exemplo, se ajuizar uma ação
de alimentos requerendo pagamento imediato diante da necessidade do alimentado
e possibilidade do alimentante em provê-lo e, o juiz da causa não conceder, o
alimentante através de seu advogado se utiliza do Agravo de Instrumento para
recorrer ao Tribunal e obter a modificação da decisão e conceder os alimentos
provisórios até que se torne definitivo no fim do processo através da sentença.
O agravo de instrumento atualmente está previsto no art.
1.015 do Código de Processo Civil e com as mudanças ocorridas no ano de 2015 com
a Lei 13.105, passou a ser aplicável somente em algumas situações relacionadas
em Lei, já que no art. 522 do antigo código permitia tal recurso em todas as
decisões de primeira instância, exceto aos despachos de mero expediente e
sentença, neste último caso cabendo recurso de apelação.
Na verdade, a intenção do legislador era diminuir o volume
de recursos de Agravo de Instrumento nos Tribunais, já que o advogado poderia
recorrer de qualquer situação estando em termos com a legislação processual
anterior. Tal fato gerou uma quantidade absurda de recursos para o Tribunal
julgar. Lembro inclusive no estágio, ao realizar relatório das decisões do
Tribunal na parte de julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento, os
mesmos eram realizados a “toque de caixa”, não se conseguia anotar o nome das
partes e o número de processo, o que dizer sobre o mérito e a decisão final do
recurso, era muito corrido devido à quantidade que se tinha de decidir nas
sessões de julgamento.
Portanto, é de se entender a intenção de reduzir os recursos
nos Tribunais para desafogar os trabalhos, porém a justiça é dinâmica e os
operadores de direito começaram a insistir pelo processamento do referido
recurso em questões fora do relacionado em Lei para alcançar também causas
urgentes, gerando tema repetitivo nas instâncias superiores, até que o STJ
(Superior Tribunal de Justiça) fixou entendimento jurisprudencial de aplicação
ampla em 2018 através do Tema repetitivo 988, cuja tese definida foi:
“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada,
por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a
urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de
apelação.”
Desta forma o STJ decidiu que o referido artigo de lei
processual civil possui “taxatividade mitigada”, ou seja, a sua aplicação
rígida foi suavizada para as questões urgentes e que não teriam importância se
colocadas depois no recurso de apelação, ampliando assim a sua aplicação além
das situações já previstas em Lei.
Tal ato fez com que as intenções do legislativo contidas na
redação do art. 1.015 do CPC para restringir a aplicação do recurso e desafogar
os Tribunais fossem totalmente excluídas, ou seja, o espírito da lei imposto
pelo legislador foi invalidado pela necessidade fática da sociedade. Perceba
que tudo aconteceu de forma orgânica e não por vontade de um indivíduo ou
outro, mas sim houve uma construção jurisprudencial demonstrando a necessidade
de aplicação mais ampla de uma modalidade de recurso tão importante para o trabalho
do advogado na em defesa dos direitos de seus clientes.
Interessante saber que é papel do legislador verificar os
efeitos da Lei antes de sua promulgação, o problema é que fatos como os
relatados no presente artigo ocorrem muitas vezes em diferentes áreas da
sociedade, perde-se tempo e dinheiro dos impostos, sem contar que o custo
social por um artigo de lei mal redigido é imensurável: Quantos possuíam
questões urgentes passíveis de agravo de instrumento e que não puderam utilizar
entre 2016 (aplicação da vigência da Lei Processual) e 2018 (fixação do novo
entendimento jurisprudencial)? Realmente os prejuízos são imensuráveis.
Este é só mais um exemplo de como as Leis brasileiras são
promulgadas e com o passar do tempo perdem sua eficácia integral, deixam de ser
aplicáveis devido à ausência de perspicácia do Poder Legislativo na
constituição das Leis, erros graves que só podem ser corrigidos através das
eleições escolhendo-se pessoas preparadas e capazes de atender e entender a
sociedade através de uma boa e saudável construção normativa é o que se espera
a cada eleição que acontece.
Fontes:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm#art1015
https://www.dicio.com.br/taxatividade/
https://www.dicio.com.br/mitigado/
Resumo: Como
Morre o "Espírito da Lei"? (Tema 988 do STJ). Depois da vigência de
determinada Lei, esta pode sofrer a perda de seu espírito, entenda como através
do Tema 988 do STJ.
*ROGÉRIO ALVES
-Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (2007);
- Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados; e
- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo.
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