Autora: Margarete Brito (*)
Eu e meu pai tínhamos duas coisas em comum, o signo e a paixão por pipoca.
Para a gente não precisava ser nenhuma pipoca gourmet não, era aquela raiz, de pacotinho, feita na panela com um pouco de óleo.
E a panela, era aquela comum, de cabo, a gente pegava um pano de prato para apoiar a tampa, enquanto a sacudia no momento dos estouros do milho, se errava a mão, elas podiam queimar ou sair pela tampa porque foi demais.
Mas o cheirinho já antecipava a prosa, só minha mãe não gostava, sagitariana, impaciente, logo via seu sossego ameaçado, quando os dois geminianos se sentavam para papear, no colo as bacias cheias de pipocas e uma pitada de sal.
Assim, ora no sofá ora na varanda se estivesse calor, a conversa começava: futebol, a última estripulia dos gatinhos de estimação, os esquecimentos da minha mãe (nessa parte ela se metia na conversa para negar, mas nunca vinha conversar também...uma pena), mas no fim sempre acabávamos falando de trabalho, ele, aposentado, trinta anos na mesma empresa, da geração que tinha disciplina, nunca faltou, em greve de ônibus saia mais cedo e ia a pé.
Eu, de uma geração a frente, só que mais impaciente, 30 anos na mesma empresa, era muito para mim, já colecionava meu quinto registro diferente na carteira.
Minha mãe, sempre do lar, não entendia aquele papo de diplomacia, jeitinho de falar com as pessoas, de ter empatia e paciência e acima de tudo agradecer por ter aquele trabalho, para ela, se o chefe era folgado ou chato, por que a gente simplesmente não mandava ele calar a boca?
Vontade nunca faltava, é verdade! Mas, nem sempre manter o emprego e estar sempre zen, andam juntos, e meu pai alertava-me para isso, desgastar a saúde por ações que não são de responsabilidade sua, não levará a nada, além de ganhar dores no seu próprio corpo.
A conversa ia longe, gostava de lembrar da vez que meu pai enganou o primeiro empregador em vias de assinar a carteira, pois tinha achado um emprego melhor. Meu vozinho, que Deus o tenha, morreu de mentirinha naquele dia, mas foi por uma boa causa, ou seja, por um salário melhor.
Geminianos falam pelos cotovelos, eu sei, mas sem nossa curiosidade e tagarelice, o mundo seria um pouco mais entediante.
E assim eu e meu pai continuava na conversa, e conforme o papo crescia, as pipocas iam acabando.
Dava uma vontade de fazer mais uma panela de pipoca....
Mas minha mãe, ansiosa por silêncio e paz, interditava o fogão.
Hoje ainda adoro pipocas, mas as como na companhia silenciosa da saudade.
*MARGARETE BRITO
- Membro correspondente da Academia Itabaianense de Letras;
- Apresentadora no Canal Caqui Literário no Youtube;
- Produtora Cultural;
- Autora de dois romances:
- A Busca de
Luna (Profac 2019) e
- Katarzze: os bastidores do sucesso (Publicação independente -2020) e
-Faz parte do selo Kuno Editorial, onde contribui na organização e divulgação de Antologias e projetos da editora.
Nota do Editor:
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Eu simplesmente amo ler histórias que me faz lembrar de momentos especiais com meu pai. Me dá uma nostalgia gostosa! Parabéns Margarete, as doces lembranças precisam ser registaradas.
ResponderExcluirObrigada Dri. Te admiro!
ExcluirObrigada pela oportunidade!!
ResponderExcluirExcelente resgate. Eu estive no sofá comendo pipoca também, aquelas que caiam no tapete. Por isso que sua mãe não reclamou depois quando foi varrer a sala. (Antônio Saracura)
ResponderExcluirIsso mesmo!! Obrigada!
ExcluirQue texto gostoso!! Fiquei imaginando essas cenas que me remeteram a outras, da minha própria história. Parabéns, Margarete!!
ResponderExcluirNossa vida é linda, que bom que gostou!
ExcluirO retrato falado da felicidade!
ResponderExcluirNão há satisfação maior na vida do que viver os dias colecionando histórias cheias de encanto e afeto que tocam nossa alma e faz nossa mente vibrar em memórias gostosas e saudosas como esta, com gosto de pipoca :)
ResponderExcluiragora eu fiquei com vontade de comer pipoca!
ResponderExcluirNão fique na vontade. rs
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