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quinta-feira, 25 de maio de 2023

A Indignidade e a deserdação no Direito Sucessório Brasileiro

Autor: Sérgio Pereira Leite(*)

Em artigo anterior publicado neste blog, abordei, ainda que de maneira bastante sucinta, o instituto da deserdação, como impedimento da sucessão. Dentre os impedimentos da sucessão, um outro aspecto, além desse, deve ser considerado e que naquela ocasião, não foi apreciado com maior profundidade. Nas linhas abaixo, procurarei fazer uma síntese desse instituto jurídico da indignidade para apresentar seus contornos mais relevantes e um comparativo com a deserdação.

Pois bem, o direito substantivo civil, ainda no livro que aborda a sucessão, contêm artigos que regem os aspectos sobre a deserdação já abordada e inserida nos artigos 1.961 até 1.965 do nosso Código Civil, mas também consta a indignidade do herdeiro como impedimento à sucessão (artigo 1.814 e seguintes). Mas o que é e como ocorre essa indignidade?

Inicialmente, é bom que se conceitue o que é a indignidade. Juridicamente, a indignidade é a privação do direito hereditário que a lei impõe aos herdeiros eventuais que cometeram atos ofensivos à pessoa ou à honra do hereditando. Trata-se de uma das incapacidades especiais para herdar em virtude da lei.

O artigo 1.814 do nosso diploma substantivo civil estipula as ações que tornam o herdeiro indigno. O inciso I do mencionado artigo estabelece como indignos os herdeiros que tiverem sido autores, coautores ou partícipes em crimes de homicídio doloso ou sua tentativa contra o de cujus, bem como seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. Fica excluído desse rol os crimes culposos, ou seja, aqueles em que o agente não tinha a vontade consciente de provocar o evento.

Ainda nesse mesmo rol podemos aferir no inciso II serem indignos os herdeiros aqueles herdeiros que acusaram caluniosamente em Juízo o de cujus, ou incorreram em crime contra a sua honra ou de seu cônjuge ou companheiro, seja em vida, seja após a sua morte.

Também serão indignos de sucessão os herdeiros que, por violência ou meios fraudulentos, inibiram o autor da herança de sobre ela dispor livremente e lhe obstando atos de última vontade.

E como essa indignidade é declarada. Apenas de forma judicial, através de uma ação ordinária declaratória de exclusão por indignidade, aparelhada por interessados na sucessão e só alcança a pessoa indigna, que fica excluída da herança.

Existe um prazo peremptório que essa ação declaratória seja intentada por quem de direito, como foi acima exposto. Ele é de quatro anos e se conta a partir da abertura da sucessão, de acordo com a leitura que se faz da disposição contida no artigo 1.815 de nosso texto civil, sendo certo que a sentença retroage ao momento da abertura da sucessão.

Os efeitos dessa declaração de indignidade é pessoal e não abrange os descendentes do indigno, para fins de sucessão, pois ele é tido como se morto fosse e, portanto, podem herdar os filhos do indigno, seja por direito próprio, seja por representação.

Oportuno asseverar que os atos praticados pelo herdeiro indigno em relação aos bens antes da sua exclusão, são válidos, mas ele responde aos coerdeiros pelos prejuízos e danos que seus atos possam causar, assim como ele pode exigir do espólio o reembolso das despesas feitas para a conservação dos bens hereditários, direito esse previsto no artigo 884 e parágrafo único do artigo 1.817, ambos do Código Civil.

Insta esclarecer ainda, que aquele herdeiro excluído por indignidade e que seja substituído por representação (porque o indigno é considerado como morto), não fará jus ao usufruto e a administração dos bens que aos seus filhos couberem em virtude da herança, pela leitura no disposto pelo parágrafo único do artigo 1.816, combinado com o inciso IV do artigo 1.693, todos do Código Civil vigente.

É muito importante observar que indignidade não se confunde com deserdação, embora ambas tenham a mesma finalidade, qual seja, excluir da sucessão quem praticou atos condenáveis contra o de cujus.

Ambos os institutos têm o mesmo fundamento — a vontade do de cujus —, com a diferença que, para a indignidade, o fundamento é vontade presumida e depende de ação declaratória que assim determine, enquanto a deserdação só pode fundar-se na vontade expressa do testador.

Não obstante as semelhanças apontadas, indignação e deserdação não se confundem. Têm pontos de coincidência nos efeitos, mas diferem na sua estrutura, como nos ensina Carlos Roberto Gonçalves*. Distinguem-se basicamente:

a) pela sua causa eficiente. A indignidade decorre da lei, que prevê a pena somente nos casos do art. 1.814 do Código Civil. Na deserdação, é o autor da herança quem pune o responsável, em testamento, nos casos previstos no aludido dispositivo, bem como nos constantes do art. 1.962;

b) pelo seu campo de atuação. O Código Civil de 2002 continua a tratar a deserdação como um instituto da sucessão testamentária. Assim, pode-se afirmar que a indignidade é instituto da sucessão legítima, malgrado possa alcançar também o legatário, enquanto a deserdação só pode ocorrer na sucessão testamentária, pois depende de testamento, com expressa declaração de causa (art. 1.964). A indignidade pode atingir todos os sucessores, legítimos e testamentários, inclusive legatários, enquanto a deserdação é utilizada pelo testador para afastar de sua sucessão os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), também chamados reservatários ou legitimários, aos quais a lei assegura o direito à legítima. Somente a deserdação pode privá-los desse direito.

Anote-se que, se o testamento for nulo, e por isso a deserdação não se efetivar, poderão os interessados pleitear a exclusão do sucessor por indignidade, se a causa invocada pelo testador for causa também de indignidade;

c) pelo modo de sua efetivação. A exclusão por indignidade é postulada por terceiros interessados em ação própria e obtida mediante sentença judicial (Código Civil, artigo 1.815). A deserdação, todavia, como foi dito, se dá por testamento, com expressa declaração da causa (artigo 1.964).

Retroagem os efeitos até a data da abertura da sucessão. E o herdeiro é considerado como se tivesse morrido antes do testador. Mas não se afastam seus herdeiros da sucessão, porque a deserdação tem caráter personalíssimo, não atingindo terceiros, enquanto a indignidade tem caráter relativo. Os descendentes do excluído substituem-no, ou ficam no seu lugar por direito de representação, como se mencionou alhures.

Malgrado os que pensam o contrário, fazendo construções em cima da inexistência de dispositivos que tratam da deserdação de igual conteúdo aos que regulam a indignidade, repugna pensar que pode o castigo atingir pessoas diversas dos que infringiram a lei, ou descendentes delas, que são herdeiros, e nada tiveram com os atos de improbidade ao testador.

Estes, em essência, os apontamentos de comparação que faço sobre estes dois institutos.

BIBLIOGRAFIA

ANTONINI Mauro – Código Civil Comentado – editora Manole – 1ª edição;

STOLZE GAGLIANO Pablo e PAMPLONA FILHO Rodolfo – Novo Curso de Direito Civil 19ª Edição- Editora Saraiva;

GONÇALVES Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro – 15ª edição – 2017 – Saraiva;

RIZZARDO Arnaldo – Direito das Sucessões – 9ª edição – GEN· AZEVEDO Álvaro Villaça de – Curso de Direito Civil – 4ª edição – Saraiva;

TARTUCE Flávio ­– Coleção de Direito Civil – 14ª edição – 2017 – GEN; CHAVES DE FARIA CRISTIANO e ROSENVALD Nelson – Curso de Direito Civil – 15ª edição – JusPodium;

MORAES MELLO Cleyson - DIREITO CIVIL – 2ª edição – 2017 – Freitas Bastos Editor;

SILVA PEREIRA Caio Mário da – Instituições de Direito Civil – 24ª edição – 2017 – Forense

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE

























Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

 Nota do Editor:

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