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terça-feira, 16 de maio de 2023

A rotatividade como forma de flexibilização do emprego


 Autora: Palloma Ramos(*)

O fenômeno da rotatividade é um movimento cíclico anual de substituição de parte dos trabalhadores, ocorrendo por meio das demissões e admissões pelas unidades produtivas do país. Esse movimento de substituição é medido pela taxa de rotatividade, que expressa o "ajuste de quantidade de mão-de-obra" realizado anualmente.[1]

Standing, ao analisar o diagnóstico e prognóstico a partir de uma perspectiva histórica e geopolítica, mostra que a globalização precarizante, provocada pelo surgimento da terceira revolução industrial, do neoliberalismo e da superexploração de populações da Ásia, desmontou o que os gregos criaram no início da democracia como elemento humanizador do trabalho: o vínculo interno entre praxis e philia, que reconhecia os cidadãos como homens livremente associados nas construções da amizade cívica. A China tem impactado negativamente a desigualdade de renda global de diversas maneiras. Salários baixos tendem a aumentar as diferenças salariais ao diminuir os rendimentos globais. O país manteve seus próprios salários consideravelmente baixos. Ao mesmo tempo, onde o crescimento aumentou, a parcela dos salários na renda nacional diminuiu por 22 anos consecutivos, caindo de 57% do PIB em 1983 para somente 37% em 2005.[2]

Uma vez que os empregos se tornam flexíveis e instrumentais, com salários insuficientes para uma subsistência socialmente respeitável e um estilo de vida dignificador, não há “profissionalismo” que combine com o pertencimento a uma comunidade com padrões, códigos éticos e respeito mútuo entre seus membros baseados em competência e respeito a norma de comportamento consagradas. Dessa forma, a relação jurídica de emprego se torna cada vez mais precária, o que acaba favorecendo a rotatividade, dificultando a profissionalização, uma vez que não é possível aprimorar constantemente as competências ou experiência. Essas pessoas enfrentam a possibilidade de retornar a um tipo de trabalho sem perspectiva de melhora social.[3]

Em relação à rotatividade no trabalho, (STANDING, 2013, p. 59), atribui:

Quando todas as complicações da flexibilidade numérica são consideradas, o resultado evidente são vidas de trabalho inseguro para um crescente número de pessoas próximas do precariado. Todo ano, cerca de um terço dos empregados em países da O C D E deixa seu empregador por uma razão ou outra. Nos Estados Unidos, cerca de 45% das pessoas deixam seus empregos a cada ano. A imagem do emprego de longo prazo é enganosa, mesmo que uma minoria ainda tenha um terço da rotatividade de emprego é contabilizado pela abertura e fechamento de empresas.


No que diz respeito ao Brasil, a rotatividade do trabalho é uma característica histórica, que se apresenta com uma intensa movimentação de trabalhadores entre postos de trabalho. Em termos práticos, segundo o Banco Mundial[4], poucas estatísticas são tão relevantes para economistas que pesquisam o mercado de trabalho no Brasil como aquelas que tratam da rotatividade de empregos. Aproximadamente um terço da força de trabalho muda de emprego todos os anos.

Em relação ao capital humano, os autores (VELOSO e BONELLI, 2014) tratam da rotatividade em diálogo aos efeitos prejudiciais causados na produção:

Um ponto tradicional da teoria do capital humano é que a produtividade do trabalho depende não apenas da qualificação da mão-de-obra (via educação), mas também fundamentalmente de capital humano específico acumulado através de treinamento no ambiente de trabalho. A alta rotatividade no trabalho, ao prejudicar o investimento em treinamento, impede, portanto, um aumento da produtividade. Cria-se um círculo vicioso em que, diante da baixa perspectiva de ascensão salarial, alguns trabalhadores preferem sair de seus empregos para acessar alguns benefícios disponíveis apenas no caso de demissão. Diante desse risco (rotatividade), firmas e trabalhadores investem pouco em treinamento. O resultado é uma baixa acumulação de capital humano, o que resulta em baixo crescimento de produtividade e baixa perspectiva de ascensão salarial. 


A relação jurídica de trabalho, descrita na CLT, configura-se nos artigos 2.ºˢ[5]e 3.º[6], apresentam as partes da relação de emprego. O empregador, ao assumir os riscos de sua atividade econômica, e o empregado, qualquer pessoa física que presta serviços permanentes, sob dependência de seu empregador, mediante salário. Essa relação jurídica poderá ser encerrada pelo empregador, mediante o pagamento das verbas rescisórias, segundo o que dispõe o artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A facilidade na resilição contratual, favorece a rotatividade do trabalho, sobretudo, após a vigência do artigo 7., incisos I e III, da Constituição Federal. A indenização compensatória criada para despedidas arbitrárias e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço afastam o direito de estabilidade do trabalhador, previsto no artigo 492 da CLT. Dessa forma, um empregado que possua mais de 10 anos de serviço[7] na mesma companhia não poderia ser dispensado.

Nesse sentido, pontua (DELGADO, 2017, p. 62):

Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei n. 5.107/66, vigorante a partir de janeiro de 1967, se estabelece a sistemática alternativa à regulada pela CLT, de modo a tornar a dispensa do trabalhador inquestionável direito potestativo do empregador, sem amarras legais e institucionais relevantes (em contraste com a sistemática legal precedente, que previa alta indenização por tempo de serviço e, desde os dez anos de emprego, a própria estabilidade).


A grande rotatividade de mão-de-obra nas empresas e o baixo número de trabalhadores permanentes são os primeiros sinais de flexibilização no Brasil, em resposta à crise internacional. (BALTAR e PRONI, 1996, p. 109). A alta rotatividade prejudica reajustes salariais e a projeção profissional.

A Convenção n. 158 [8]da Organização Internacional do Trabalho — OIT, visa reduzir o desemprego involuntário. Auxiliaria na diminuição da taxa de turnover. As suas finalidades principais são estabelecer proteções contra dispensas coletivas e/ou individuais, bem como regulamentar as dispensas quando ocorrem por iniciativa do empregador, determinando medidas de proteção ao empregado.
Em síntese, a Convenção seria uma limitação ao ato discricionário do empregador de rescindir o contrato individual de emprego sem uma justificativa. Nesse sentido:

Parte II Normas de Aplicação Geral:

Seção A – A justificação do término

Art. 4º — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.[9]

 

A Convenção n. 158 não se limita à matéria trabalhista, uma vez que os seus objetivos interferem em outras áreas do direito, como as relações com o Direito Constitucional e com os Direitos Humanos. Embora seja relevante, houve problemas na aplicação no Brasil, de tal forma que, embora o Brasil a tenha ratificado inicialmente, acabou por denunciá-la.[10]

A proteção do trabalhador é o objetivo, mas a convenção também considera os custos das empresas. Se o empregado ocupa um posto de trabalho improdutivo, a manutenção dele torna-se inviável para o empregador. Logo, torna-se indispensável proteger o empregado, mas é preciso que as companhias permaneçam em funcionamento para manter outros empregos. Razões pelas quais a Convenção foi denunciada e não está em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.[11]

Dessa forma, diante da possibilidade de dispensa sem justificativa, estudos sobre os seus efeitos no mercado de trabalho são indispensáveis.

A rescisão do contrato de trabalho sem justa causa em manifestação de vontade do empregador, é a que predomina no mercado de trabalho brasileiro e, em termos absolutos, cresceu mesmo no período de aquecimento do mercado de trabalho. Ou seja, isso aconteceu quando o mercado estava aquecido, com baixo desemprego, e se questionava se a falta de mão de obra era real ou se o Brasil tinha pleno emprego.

Apesar de o número de rescisões de contrato a pedido do empregador ser superior, houve um aumento, no período, das rescisões contratuais voluntárias dos trabalhadores.

A rotatividade é o primeiro indício da precarização porque, apesar de existirem opções de emprego, elas não são suficientes para diminuir as desigualdades sociais. No entanto, como acontece em ciclos, as condições adversas do mercado de trabalho dificultam a formação de capital humano, prejudicando o crescimento produtivo. Apesar disso, o Brasil denunciou a citada Convenção da OIT, devido às divergências em sua legislação trabalhista, especialmente pelo fato de a rescisão do contrato sem justificativa ser permitida.

No contraponto entre o direito potestativo do empregador (em adotar baixos salários no curso do contrato), a dispensa imotivada e a proteção ao trabalhador, há de se analisar se não causa inversão no crescimento produtivo, ou seja, a dificuldade e especialização do trabalhador aos avanços tecnológicos.

REFERÊNCIAS

[1]DIEESE, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Sistema de Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). [S.l.], p. 79;

[2] STANDING, G. O Precariado, A nova classe perigosa. Tradução de Cristina ANTUNES. 6ª. ed. [S.l.]: Autêntica, 2013. 44 p;

[3] Ibidem. p. 46;

[4] THE WORLD BANK. Brazil Jobs Report. 1ª. ed. [S.l.]: World Bank, v. I - Policy Briefing, 2002. 3 p.Tradução nossa – original: "Among labor economists, few statistics are as widely cited in Brazil as those on job turnover. Fully one-third of the labor force changes jobs every year, (...)";

[5] Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço;

[6] Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário;

[7] A Lei n. 62/1935 garantia a estabilidade ao empregado que possuía dez anos de serviço em um único emprego, podendo ser dispensado apenas com o seu consentimento; caso ele cometesse uma falta grave (falta que deveria ser constatada em um inquérito administrativo), ou se a empresa encerrasse as suas atividades. 
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-62-5-junho-1935-557023-normaatualizada-pl.html ;

[8]ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT. https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236164/lang--pt/index.htm. C158 - Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Acesso em: 05 out. 2022;

[9] Ibidem.

[10] Ibidem cit. 65

[11] Ibidem cit 67, 12. p

*PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS
















Advogada graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - (2014);

Pós Graduada em:

 -Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018); e

    -Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020);

 -Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie;

 -Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: "O Sistema de Seguridade Social";

-Membra da Comissão de Comunicação (COMUNICAMACK) de publicações em idioma italiano. e

-  Defensora na Vigésima Terceira Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo.

 Currículo lattes:  http://lattes.cnpq.br/5116050103412908


Nota do Editor:

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