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terça-feira, 30 de maio de 2023

O Emprego Doméstico


 Autora: Josiane Batista (*)

Atualmente a Lei Complementar 150 de 1º de Junho de 2015 é a lei especial que regula o trabalho doméstico. De acordo com o artigo 1º da Lei Complementar 150/2015 o conceito de empregado doméstico é “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”.

Então significa dizer que o empregado doméstico presta serviços, de natureza não econômica, para pessoa física ou à família no âmbito residencial destas. Deve-se lembrar que este empregado pode tanto exercer funções internas como de limpeza, de cozinha ou cuidar das crianças, mas também ser o vigia da casa e o motorista, por exemplo.

Percebe-se aqui que o empregador, ou seja, aquele que contrata, não é uma empresa, não exerce uma atividade econômica, mas é uma pessoa natural ou uma família.

Se voltarmos um pouco ao conceito de empregado doméstico veremos que o serviço deve ser prestado de forma contínua. A lei exige então, que o serviço seja feito com habitualidade, ou seja, com frequência, que virou um hábito, em que há rotina, ao longo da semana.

Portanto, aquele que presta serviços esporádicos, ou mesmo intermitentes, em um ou dois dias da semana, não é empregado doméstico (diaristas, por exemplo). Isso porque a Lei Complementar 150/2015 exige a continuidade na prestação do serviço por mais de dois dias por semana, para configurar o emprego doméstico.

Na Constituição Federal, no título de Direitos Sociais, no artigo 7º, parágrafo único (redação dada pela Emenda Constitucional 72), são assegurados os seguintes direitos a saber:

    relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos (inciso I);

    seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário: valor de um salário mínimo, por período máximo de três meses (art. 26 da Lei 150/2015). O prazo para requerer é de 7 (sete) a 90 (noventa) dias contatos da data da dispensa e os documentos exigidos estão elencados no artigo 28 da LC. (inciso II);

    fundo de garantia do tempo de serviço: FGTS. Há uma inovação da LC, quando o empregador deve depositar a importância de 3,2% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada empregado, destinada ao pagamento da indenização compensatória da perda do emprego; além dos 8%. (inciso III)

    salário mínimo: fixado em lei, capaz de atender às necessidades básicas vitais do indivíduo (inciso IV);

    irredutibilidade do salário: é a proibição de reduzir o salário do trabalhador. Salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (inciso VI);

    garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável: aos trabalhadores que perceberem remuneração variável, fixada por comissão, peça, tarefa e outras modalidades, será garantido um salário mensal nunca inferior ao salário mínimo (inciso VII);

    décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria (inciso VIII);

    remuneração do trabalho noturno superior à do diurno: é aquele realizado entre as 22 horas de um dia as 05 horas do dia seguinte. A hora noturna terá duração de 52 minutos e 30 segundos e a remuneração deve ter acréscimo de, no mínimo, 20% (vinte por cento) sobre o valor da hora diurna (art. 14 da LC). (inciso IX);

    proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa: para evitar que o empregador deixe de pagar ao empregado, dentro do prazo legal, o salário previamente estipulado no contrato de trabalho (inciso X);

    salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei (inciso XII);

    duração do trabalho normal não superior a 8 (oito horas diárias) e 44 (quarenta e quatro) semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho: também previsto no artigo 2º da Lei Complementar 150/2015. (inciso XIII);

    repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos: descanso semanal remunerado é de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas (inciso XV);

    remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50 (cinquenta por cento) à do normal: horas extras. A forma de se calcular o valor da hora normal está previsto no artigo 2º, §§1º a 3º, da Lei Complementar 150/2015.É possível haver acordo escrito de compensação de horas (§§4º a 6º). (inciso XVI);

    gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal: período de 30 dias, salvo os casos de regime de tempo parcial, após cada período de 12 meses de trabalho prestado à mesma família (art.17 da LC). (inciso XVII);

    licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 (cento e vinte dias): nos termos do art. 391 e seguintes da CLT/43 e art. 25 da Lei Complementar 150/2015. (inciso XVIII);

    licença-paternidade, nos termos fixados em lei (inciso XIX);

    aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 (trinta dias), nos termos da lei: Concedido para os casos com até um ano de serviço para o mesmo empregador. (art. 23 da LC). Devem ser acrescidos 3 (três dias) por ano ao serviço prestado ao mesmo empregador. A falta de aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso. A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.  (inciso XXI);

    redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII);

    aposentadoria (inciso XXIV);

    assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (inciso XXV);

    reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI);

    seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVIII);

    proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX);

    proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (inciso XXXI);

    proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (inciso XXXIII);

    integração à previdência social (parágrafo único).É segurado obrigatório, sendo-lhe devidas as prestações nela arroladas.

Ainda é importante dizer que é proibida a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para a prestação de serviço doméstico (parágrafo único, do artigo 1º da Lei Complementar 150/2015).

O trabalho prestado em domingos e feriados deve ser pago em dobro, se não for compensado, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal (art.2º, §8º, da Lei Complementar 150/2015).

É possível também a contratação de empregado doméstico por regime de tempo parcial (artigo 3º da LC), sendo o salário proporcional a sua jornada. E ainda é possível a contratação por prazo determinado (artigo 4º da LC), por contrato de experiência (inciso I) ou para atender a uma necessidade transitória familiar (inciso II). O contrato de experiência não pode exceder 90 dias, podendo ser prorrogado uma única vez, desde que a soma dos períodos não ultrapasse 90 dias. E no caso do inciso II, o contrato durará até a necessidade transitória persistir, obedecendo um limite máximo de 2 (dois) anos.

A carteira de trabalho deve ser apresentada pelo empregado ao empregador, para que nela seja anotado a data de admissão, a remuneração e, quando for o caso, os contratos previstos nos incisos I e II do art. 4o, da LC 150/2015, no prazo de 48 horas.

A Lei ainda permitiu poder convencionar uma jornada de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso (12x36), mediante acordo escrito (art. 10 da LC); bem como por meio de acordo escrito definir sobre o acompanhamento deste empregado a viagens e sobre o pagamento do acrescimento de 25% (vinte e cinco por cento) da remuneração-hora, ser será paga ou convertida em banco de horas (art.11 da LC).

A Lei nº.7.418/85, do vale-transporte, se aplica subsidiariamente ao empregado doméstico, nos termos do art.19 e parágrafo único, da LC 150/2015. E a obrigação do empregador na concessão dos vales-transporte, poderá ser substituída, a seu critério, pela concessão, mediante recibo, dos valores para a aquisição das passagens necessárias ao custeio das despesas decorrentes do deslocamento residência-trabalho e vice-versa.

O intervalo interjornada, ou seja, aquele entre duas jornadas de trabalho, deve haver um período mínimo de descanso de 11 (onze) horas consecutivas (art. 15 da LC).

Já o intervalo intrajornada, ou seja, aquele dentro da jornada, para descanso e alimentação, deverá ser concedido pelo período de, no mínimo, 1 (uma hora), e no 2 (máximo duas). Por acordo escrito pode ser reduzido para 30 (trinta) minutos ou ainda desmembrado em dois períodos (art. 13 da LC).

É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo (art. 12 da LC).

A Lei Complementar 150/2015 prevê ainda 12 hipóteses em que seria possível a demissão por justa causa do empregado, previstas no artigo 27, caput, incisos I ao XII. Já os casos de rescisão indireta, ou seja, hipóteses em que o contrato de trabalho pode ser rescindido por culpa do empregador, estão elencadas no parágrafo único do artigo 27, incisos I ao VII, da LC.

A prescrição para reclamar eventuais direitos oriundos desta relação é de 5 (cinco) anos até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, ou seja, o ajuizamento da ação deve ser realizado em até 2 anos contados da extinção do contrato de trabalho para reclamar direitos dos últimos 5 anos.

O empregador doméstico contará com o Simples Doméstico, que é o regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico. A inscrição do empregador e a entrada única de dados cadastrais e de informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais no âmbito do Simples Doméstico dar-se-ão mediante registro em sistema eletrônico a ser disponibilizado em portal na internet, conforme regulamento (artigos 31 a 35, da LC).

CONCLUSÃO

Este breve artigo não analisou de forma pormenorizada todos os artigos da Lei Complementar 150/2015, uma vez que sua intenção foi abordar os direitos e aspectos mais relevantes sobre o trabalho doméstico.

Ao longo da história essa classe de trabalhadores, enquanto não havia uma regulamentação específica era excluída de diversos direitos que os mantinham à margem da proteção social e trabalhista previstos legalmente. Por outro lado a regulamentação de uma parte considerável de direitos fortalece a importância e dignidade da classe, bem como diminui as diferenças entres os empregados urbanos e rurais.

A intenção da Lei foi demonstrar a relação empregatícia que há no trabalho doméstico, apesar do seu caráter diferencial, no âmbito familiar. Mesmo que o empregado doméstico seja “quase da família” ele está ali para exercer as tarefas para o qual foi contratado, e para tanto, merece receber todos os direitos advindos dessa contratação.

Certo é que o serviço doméstico, seja de limpeza da casa, de cozinhar, de cuidar dos filhos, é importante. Então, se sua execução foi transferida para outra pessoa (empregado doméstico) que esta receba os valores justos para tanto.

Contudo, não podemos desconsiderar os impactos que a regulamentação trouxe ao longo desses anos, pois alguns aspectos como a obrigatoriedade do intervalo intrajornada, do registro dos horários, da dificuldade da prova testemunhal em alguns casos em que há somente um empregado doméstico, dentre outras coisas, poderiam ter engessado mais a relação, pois havia-se uma liberdade para negociação que agora não é possível (pontos analisados pelos empregados e empregadores).

A própria fiscalização do auditor-fiscal do trabalho fica prejudicada (artigo 44 da LC) uma vez que o ambiente onde se exercem as atividades laborais é a residência do empregador, e conforme a Constituição Federal a “casa é asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, inciso XI, da CF/88).

Outro ponto enfrentado é que com o aumento da carga tributária os empregadores desistiram da contratação desta modalidade e com isso houve um aumento do trabalho informal, como exemplo das diaristas.

Apesar de todos os aspectos jurídicos e sociais da Lei Complementar certo é que os seres humanos precisam entender que toda e qualquer relação deve ser pautada na boa-fé e respeito. E ainda há vários avanços que esta categoria precisa alcançar para de fato se iguale aos demais empregados.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil: [s.n.], 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 mai.2023: 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual dos Direitos do Trabalho. 16. ed. rev.,ampl.e atual.- São Paulo: Editora JusPodivm, 2022; 

LEI, Complementar 150. [s.n.], 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm. Acesso em 28 mai. 2023.

 *JOSIANE RODRIGUES JALES BATISTA












-Advogada;

-Graduação pela Escola Superior de Negócios (2010);

-Especialista em Docência com Ênfase Jurídica pela Faculdade Arnaldo Jansen (2022);

-Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela  Faculdade Dom Helder Câmara (2016);

-Membra das Comissões Direito na Escola(https://direitonaescola.com) e Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG; e

-Cocriadora do Projeto Verbum Est Vita - @josianejrjb @verbumestvita.


Nota do Editor:


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