Lucy Niess (*)
Os empregadores, de modo geral, podem ser surpreendidos, em determinado momento, com situações inesperadas capazes de determinar a interrupção de suas atividades ou, pelo menos, de comprometê-las seriamente. No âmbito trabalhista, por exemplo, criou-se o instituto da força maior, que embora não excludente da responsabilidade, gera efeitos específicos sobre o contrato de trabalho.
A FORÇA MAIOR é definida como o acontecimento imprevisível, incogitável, para o qual o empregador em nada concorreu. Deve-se destacá-la do caso fortuito embora guardem os dois institutos muita proximidade.
CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR tem em comum a impossibilidade do cumprimento jurídico de alguma coisa. A força maior (vis major) visa situações imprevisíveis e caso fortuito situações irresistíveis. São exemplos de força maior: a tempestade, que derruba casas; o raio que fulmina o operário; a guerra. E, são exemplos de caso fortuito: a explosão de uma caldeira na fábrica; o incêndio em um depósito. Alguns autores, ao contrário, conceituam o caso fortuito como um acontecimento da natureza (raio, terremoto, etc) e a força maior como ato praticado por outrem (revolução, "factum principis", furto, etc.).
Nosso Código Civil, em seu art. 393, equiparou os dois institutos quanto aos seus efeitos, reduzindo e quase eliminado a importância prática da distinção doutrinária. Não faz qualquer distinção entre caso fortuito ou força maior, acolhendo o PRINCÍPIO DA INIMPUTABILIDADE, exonerando o devedor da responsabilidade pelo prejuízo.
Neste particular andou bem o legislador civil vez que não logrou uma separação nítida entre a força maior e o caso fortuito, mesmo na doutrina. Aliás, na prática, correspondem a um só conceito negador da imputabilidade; um e outro são fatos cujos efeitos não se pode evitar ou prever.
Em consequência muitos doutrinadores civilistas, na atualidade, advogam a TESE MONISTA no tocante à “vis major” e ao caso fortuito, buscando fazer de tais conceitos coisas idênticas e procurando eliminar a incerteza e tergiversação reinante quanto à questão. Para PLÁCIDO E SILVA, força maior e caso fortuito possuem efeito análogos: "Qualquer distinção havida entre eles, consequente da violência do fato ou da causalidade dele, não importa na técnica do direito. Somente importa que, um ou outro, justificadamente, tenham tornado impossível, por fato estranho à vontade da pessoa, o cumprimento da obrigação contratual. Ou, por ele, não se tenha possibilitado ou evitado a prática de certo ato, de que se procura gerar uma obrigação". (in "Vocabulário Jurídico", Vol. II, 2ª Ed., Forense, R.J., 1977, pág. 314).
Muitos julgados também se referem, indistintamente, ora a caso fortuito ora a força maior emprestando a ambos as características de eventos imprevisíveis e irresistíveis. Há decisões, inclusive de outros países, em matéria de acidentes automobilísticos, que têm a derrapagem ora como fortuito ora como força maior. Assim também o estouro de pneu é tido às vezes como constitutivo de uma força maior, vezes como fortuito.
O Direito do Trabalho formulou uma teoria própria a que se denominou "esfera de responsabilidade" (Sphaerentheorie), pela qual todo acontecimento que atinge a empresa entra na esfera jurídica da responsabilidade do empregador. Assim, quando a força maior ou o fortuito não determinam a extinção da empresa, o empregador deve suportar os riscos. (V. Orlando Gomes e Edson Gottschalk, in "Curso de Direito do Trabalho", 11ª Ed., Forense, RJ, 1990, pág. 436).
A Consolidação das Leis do Trabalho, embora seguisse as pegadas do Código Civil, dele se afastou, indo além: ignorou o caso fortuito e DEFINIU A FORÇA MAIOR de modo a incluí-lo nesse definição. Inseriu no art. 501 a definição legal:
"Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente."
Se cotejarmos os conceitos de força maior da lei civil e na consolidação, verificaremos que não são idênticos.
Assim, considera a CLT como elementos integrantes da força maior:
1) a irresistibilidade do evento ("caput" do ar. 501);2) sua imprevisibilidade (parágrafo 1º do art. 501);3) a inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento (art. 501, "caput", parte final); e4) que afete ou, pelo menos, seja suscetível de afetar a situação econômica e financeira da empresa (parágrafo 2º do art. 501). (Para o Direito Civil este quarto elemento não é integrante).
Atribui ainda a CLT à força maior efeitos diversos daqueles que lhe são reconhecidos pelo Direito Civil: enquanto o Código Civil desobriga o devedor da prestação contratual, a CLT manda pagar ao empregado (em caso de dispensa) metade da indenização prevista em lei. Em se tratando de prorrogação da jornada de trabalho, no mínimo o mesmo pagamento da hora normal.
A força maior gera efeitos sobre o contrato individual de trabalho. Senão vejamos.
A Lei n.º 62/1935, primeira lei geral sobre contratos de trabalho, por meio de seu art. 5º e parágrafos, filiou-se à corrente criada na legislação pátria pelo Código Civil, no sentido de eximir o empregador de qualquer responsabilidade pecuniária quando a despedida do trabalhador resultasse de força maior.
A amplitude do conceito adotado em 1.935 teve resultados catastróficos pela facilidade com que os empregadores se acobertavam sob a norma legal. Essa foi a principal razão que levou o legislador de 1.943 a uma posição diametralmente oposta.
Destarte, no sistema vigente, a força maior não é excludente da responsabilidade, ao contrário do que ocorre no Direito Civil e do que ocorria com a revogada Lei n.º 62. Com efeito, a força maior não suprime o direito do empregado de receber a indenização.
Duas situações devem ser analisadas.
Se não houver extinção da empresa, mas ficar demonstrado que houve força maior e, em decorrência, prejuízos comprovados, é lícito ao empregador reduzir o salário dos trabalhadores da empresa, proporcionalmente, até o máximo de 25%, observando-se o salário-mínimo e reduzindo-se também proporcionalmente a jornada de trabalho (art. 503 da CLT e Lei 4.923/1965).
A medida tem caráter transitório, posto que cessada a força maior ou recuperados os prejuízos sofridos pelo empregador, o salário e a jornada reduzidos voltarão aos seus valores originários (art. 503, parágrafo único da CLT).
Importante frisar que embora a Constituição Federal, em seu art. 7º, VI, assegure aos trabalhadores a irredutibilidade do salário, encontra aqui o princípio uma exceção, havendo ainda necessidade de tal redução ser negociada em convenção ou acordo coletivo com a entidade representativa da categoria profissional.
Se, ao contrário, houver extinção da empresa, a situação será diferente. O trabalhador receberá indenização reduzida à metade, na forma do art. 502 da CLT que contempla as hipóteses de trabalhadores estáveis, não estáveis e contratados por tempo certo.
Neste caso, a força maior impossibilita a continuação do contrato de trabalho, mas a indenização é um direito que o empregado adquire antes da extinção do contrato. A força maior não tem efeito retroativo, não apagando o tempo de serviço do empregado.
Comprovada a falsa alegação de força maior, nos termos do art. 504 da CLT, os trabalhadores quando dispensados, poderão exigir sua reintegração na empresa, com todas as vantagens e direito ao pagamento da remuneração atrasada, calculada desde a dispensa sob a falsa alegação da força maior até o momento em que obtiverem a complementação.
Vale lembrar que a Constituição Federal, em seu art. 201, IV, assegura proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, disciplinando a Lei 7.998, de 11.1.1990 o Seguro Desemprego e o Abano Salarial.
Por fim, interessante considerar que as demissões ocorridas em razão da pandemia do Covid-19 se deram em sua grande maioria por simples demissão sem justa causa. Para que se considerasse força maior apta a justificar a redução da indenização, mister que tivesse havido impacto expressivo na atividade econômica explorada com a indesejável situação de extinção da empresa.
Dificuldades transitórias ou momentâneas não justificam rescisões contratuais por motivo de força maior mesmo porque os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo empregador, que deve oferecer os meios para a efetiva prestação dos serviços, não podendo transferi-lo ao empregado sob pena de ofensa ao princípio da alteridade.
*LUCY TOLEDO DAS DORES NIESS
-Graduada em Direito pela FDUSP (1973);
- Cursou Mestrado e Doutorado pela FDUSP ( 1976 a 1979);
-Sócia do Escritório Toledo Niess Advocacia e Consultoria Jurídica;
-Áreas de atuação: Trabalho, Cível, Família e Sucessões; e
Nota do Editor:
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