Autor : Benedito Moroni(*)
Esta é uma história real. Alteramos as identidades a fim de evitar eventuais constrangimentos.
Juvenal e Maria eram colonos em uma fazenda esperavam ansiosos, para os próximos dias, o nascimento de seu primogênito.
Como é hábito dos colonos, cansados pela lida diária, deitaram cedo, logo que a noite caiu.
Estranhamente, há coisas que parecem premonitórias...
Era uma quinta-feira, dia 12 de agosto. Chovia muito. Relâmpagos riscavam o céu e suas luzes iluminavam, pelas frestas, o interior das casas dos colonos, enquanto trovões estrondavam como se o mundo estivesse acabando.
Juvenal já conseguira dormir, pois a fadiga como que o nocauteara, quando Maria acordou com as contrações que anunciavam o parto para breve. Assustada, desperta o marido e diz a que a criança está para nascer. Ele se levanta rápido, veste-se correndo e imediatamente sai para procurar seu Afonso, o encarregado da fazenda. Chegando lá, enquanto bate na porta, nervoso, chama alto por Afonso. Em instantes, este abre a porta e, ainda meio sonolento, pergunta o motivo daquela visita inesperada. Juvenal conta que a bolsa da Maria estourou e já iniciou o trabalho de parto. Ouvindo isto o encarregado desperta de todo e pede para Juvenal:
-Acalme-se homem. Vou pegar o carro para buscar a parteira, agora mesmo.
A fazenda ficava a poucos quilômetros da cidade. Como a estrada era estreita, não pavimentada e as chuvas que caíram nos últimos dias deixaram-na quase que intransitável, dirigir nela requeria cuidado redobrado. Agora a chuva havia parado e, a duras penas, Afonso chega à cidade. Ruma até a casa da parteira, dona Gertrudes. Esta, afeita a chamadas a qualquer hora, ao saber o motivo da visita pega sua valise e é levada à fazenda. Na viagem comentam que naqueles dias o tempo estava terrível e assustador. No caminho a chuva recomeça e os raios clareiam a estrada a todo momento. Os trovões estrondeavam um atrás do outro. A parteira faz todo o percurso rezando e torcendo para chegar bem ao destino.
Chegando à fazenda, param na casa de Juvenal e Maria.
Afonso vê que passa da meia noite, já estando na sexta-feira.
Dona Gertrudes adentra e examina a parturiente, a seguir começa os preparativos para mais um nascimento em suas mãos. Nisso a luz elétrica apaga. Um lampião é aceso. Lá fora a chuva aumenta e os clarões dos relâmpagos passam pelas frestas da janela e os trovões deixam Maria mais desconfortável. A parteira procura acalmar Maria informando que a criança ainda demorará para nascer, pois a dilatação para o nascimento estava começando.
De manhã a chuva melhorou um pouco.
Enquanto Maria repousa no quarto, Juvenal preparou o café e serviu-o a dona Gertrudes, com um pedaço do bolo feito no dia anterior. Conversam sobre o tempo e as esperanças do dia a dia. O atendimento da parteira continua até a noitinha.
Mais tarde, após um trabalho de parto dificílimo, na noite da sexta-feira, 13 de agosto, data em que se homenageia São Benildo, ainda com chuva forte, relâmpagos e trovões, nasceu Jorginho.
Ao nascer, como habitualmente naquela época fazia, dona Gertrudes dá tapinha no bumbum do bebê para que ele choramingasse. Entretanto, ele não responde.
Novo tapinha e nada.
Preocupada, a parteira pede que Juvenal pegue duas tampas de panela e venha bater e fazer barulho para fazer o bebê chorar. Juvenal corre para atender à determinação e volta com as tampas. Bate forte as mesmas, mas nada de Jorginho chorar. Quando o desespero chega quase ao insuportável, o bebê chora, para alívio geral.
Os anos passam e Jorginho vai crescendo...
Entretanto, desde pequeno, ele era estranho, tanto que o chamavam de Jorginho Louco. E motivos existiam.
Suas primeiras vítimas foram pintinhos. Jorginho procurava ninho com pintinhos novos e, longe das vistas das pessoas, arrancava a cabeça dos mesmos.
Com o tempo, sua sanha destruidora e maldosa, voltou-se ao ato de destroncar o pescoço dos gatinhos novos, na maior frieza, e após isso, jogava-os no chiqueiro dos porcos para que fossem por estes devorados, assim desaparecendo os indícios de sua perversidade.
Maria, quando percebia atitude insana do filho, irava-se e, além de espancá-lo, mordia-o chegando a tirar sangue do mesmo. Mas de nada adiantava essa atitude da mãe. Parecia que, ao invés de corrigir, serviam para aumentar a maldade que existia naquele menino.
Na idade escolar Jorginho Louco se recusava a ir à escola rural isolada que havia na fazenda.
O aspecto físico do menino, para piorar, gerava medo...
A professora, volta e meia, assustava-se com Jorginho Louco espiando pela janela, no lado de fora, olhando a classe. A imagem dele, apoiando no peitoril da janela as pontas dos dedos, com o rosto mostrando as orelhas e os dentes pontiagudos, somados a seu jeito amedrontador, geravam pavor na professora, a qual pediu, após algum tempo, para que seu Afonso fizesse que Jorginho Louco se afastasse da escola. Ele não mais foi até a escola, mas como vingança, um dia em que seu Afonso não estava na fazenda, incendiou o milharal. Juvenal e os outros colonos conseguiram apagar o incêndio que destruiu grande parte da plantação. Neste caso, foi mais difícil convencer de que o incêndio teria sido acidental.
Por puro prazer sádico, uma vez, Jorginho pegou escondido um bezerro novinho e levou-o até o estábulo. Chegando lá e certificando-se de que não havia ninguém por perto, pegou uma escada, subiu nela e passou uma corda pela tesoura (1) do telhado do estábulo. Desceu e em uma das pontas fez um laço que colocou no pescoço do vitelo e puxando a outra enforcou o bezerrinho, prendendo-a em uma estaca para deixar o animalzinho suspenso morrendo. Já em sua casa, rindo, contou o feito ao pai. Juvenal, imediatamente, correu para tentar salvar o novilho, mas chegando ao celeiro, nada mais havia a se fazer. Restou-lhe apenas descer o pobre bezerrinho, retirar a corda e arrumar uma desculpa para esta morte.
Como a sanha de Jorginho Louco só crescia, sua próxima vítima foi um cavalo da fazenda. Escondido de todos imobilizou o animal em uma cerca e, com requintes de crueldade, furou os olhos do animal. Juvenal, neste caso, ao contar a seu Afonso o ocorrido, disse que o animal ficara cego porque enfiou a cabeça no arame farpado da cerca para comer capim do outro lado e, assustando-se com alguma coisa, puxou a cabeça, atabalhoadamente, vindo furar os olhos nas farpas do arame... Neste caso Jorginho Louco, também escapou, ficando tudo por conta de lamentável acidente...
Jorginho Louco crescia e sua maldade, bem como sua desumanidade, acompanhavam esse crescimento.
Certa feita, tendo seu avô operado do estômago, quando chegou do hospital para recuperação na casa de Juvenal, em um momento em que estava a sós com Jorginho Louco, este durante conversa com o avô, irrita-se com o velho. Aproveitando o momento em que o avô se dirigia claudicante para tomar água, Jorginho defere-lhe um violento pontapé na barriga, no local da operação. O avô desmaia de dor. Mais tarde o moleque nega tudo. Restou ao avô ir embora e ficou tudo por isso mesmo...
Já rapaz, passando por um local em que dois homens estavam escavando um poço, Jorginho Louco notou que um deles havia se afastado do local de trabalho. Chegando perto viu que o outro estava trabalhando no fundo do poço, que já estava com 15 metros de profundidade. Jorginho procura e, no meio da terra, encontra uma pedra. Pega a mesma, avalia se o peso era grande, aproxima-se da borda, levanta a pedra e arremessa-a ao fundo para acertar o trabalhador. Por sorte, o mesmo só é atingido de raspão. A vítima, assustada, olha para cima e ainda vê Jorginho Louco rindo desbragadamente. Este caso, também, passou impune...
Quando ia até a cidade, Jorginho Louco causava arrepios em muita gente. Um exemplo era no posto de gasolina. Ele se aproximava do janelão do escritório do posto e ficava olhando, com seu jeito assustador, a moça que trabalhava lá. Era Jacira. Ela reclamou várias vezes com o chefe, mas este disse para ela não se preocupar, pois o rapaz era estranho, mas inofensivo.
Certa noitinha, quando Jacira após o trabalho caminhava em uma via rumo à sua casa, que ficava em um bairro afastado da cidade, não percebeu que estava sendo seguida. Em local que não tinha ninguém por perto ela é agarrada por Jorginho Louco que surge do nada. Jacira debate-se. tenta gritar e desvencilhar-se do bandido. Este, mais forte e tendo pego a moça desprevenida, leva imensa vantagem. Arrasta-a para um matagal nas imediações da via, agride-a e a estupra. Não satisfeito, com ela dominada e mesmo ela balbuciando para que não a matasse, com sadismo e crueldade, ele começa a esfaqueá-la pelo corpo todo. Mas, sua maldade não tem limites. Não contente, friamente curva-se ante o cadáver e com calma diabólica, como culminância do ato bárbaro, começa a arrancar os seios dela. Ato contínuo, pega cada um e espeta em estacas da cerca de arame do local.
Descoberto o crime bárbaro, a polícia começa as investigações e, não muito tempo depois, descobre quem foi o autor e prende-o: Jorginho Louco. Este, demonstrando total insensibilidade e nenhum arrependimento, confessa detalhadamente tudo o que ocorreu, como fez, inclusive que havia planejado isso por várias semanas.
No julgamento, que foi acompanhado por praticamente quase todos da cidade, ele é sentenciado pelo estupro e pela morte de Jacira, crimes que revelavam perversidade e tendo agindo de modo a impossibilitar que a vítima pudesse oferecer resistência.
Recolhido à prisão, passa a cumprir pena.
Em um dia de visita, Jorginho Louco, diz à mãe que ele estava com vontade de comer espetinho de carne. A mãe, condoída do desejo do filho, promete que irá fazer o possível para atendê-lo.
Naquela época não havia tanto rigor no exame das comidas que eram levadas aos detentos. Assim, na visita seguinte, Jorginho Louco recebe a mãe que lhe dá o espetinho de carne que ele pedira. Ele agradece, come e esconde o espetinho de bambu.
No dia seguinte, quando os presos estão no pátio para banho de sol, Jorginho Louco se aproxima de um guarda que ele odiava e agarra-o. Com o espetinho na mão começa a enfiar no pescoço do guarda. Nesse instante, o vigia da torre atento percebe e, como um sniper (2), dispara seu rifle e acerta o detento na testa. Morte instantânea do preso. O guarda ferido pelo meliante é imediatamente socorrido e, após cirurgia e longa recuperação, sobrevive.
Anos depois um parente de seu Afonso encontra-se com o primo de Jorginho Louco na fazenda. Após trocarem amenidades, o primo comenta triste:
- Pois é, tem situação que não muda mesmo. Há anos, como você sabe, nossa família perdeu o Jorginho Louco. Ele sempre foi um rapaz bom, tranquilo, calmo, com um coração que não cabia no peito dele e injustamente foi acusado e condenado. E o pior, meu primo foi brutal e covardemente assassinado pela sanha e violência policial que corre solta e livremente mata pessoas boas...
REFERÊNCIAS
(1)madeiramento que suporta o teto
(2) atirador especial
*BENEDITO GODOY MORONI
-Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo(1972); e
-Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Venceslauense de Letras.
Nota do Editor:
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