Autora: Adriana Mello (*)
Ao considerarmos o cenário contemporâneo da educação e levando em conta os enormes impactos causados pela pandemia de COVID 19, sobretudo, no agravamento de mazelas que já constituíam a realidade da escola, torna-se bastante pertinente trazer ao debate o modelo de escola que ainda, a despeito de tantas e tão velozes transformações sociais, configura o cerne do sistema educacional, mesmo que tenha - tantas vezes - se revelado inepto para uma educação cidadã e emancipatória.
Mesmo após quase duas décadas de sua publicação, a realidade descrita pelo sociólogo argentino Emílio Tenti Fanfani [1], em Culturas Jovens e Cultura Escolar[2], apresenta incômoda atualidade ao revelar o descompasso entre a escola, sobretudo a pública, e as demandas sociais que ora se impõem.
Ao discorrer sobre o percurso da escola na América Latina, o autor demonstra uma aguda percepção dos problemas que afetaram e afetam essa instituição basilar em qualquer sociedade, delineando um painel das possíveis causas para os insucessos da educação escolar, que vão da massificação do ensino, seu subfinanciamento pelo poder público, até o enorme hiato entre a cultura escolar e as culturas jovens.
Num tempo em que a tônica do discurso escolar é a inclusão, muitos são ainda excluídos, principalmente aqueles oriundos de classes sociais desprivilegiadas, jovens que não se sentem representados no modelo escolar vigente.
A falta de identidade entre a cultura escolar, criada e cultivada ao longo dos anos e que, muitas vezes, mostra-se renitente às mudanças trazidas pelas transformações sociais, e as culturas jovens, fruto de diferentes contextos sociais, históricos e econômicos, torna a escola um lugar de constante conflito e, por mais paradoxal que pareça, converte-a num espaço onde afloram tensões que ela deveria pacificar.
A escola deve ser, acima de tudo, o locus do acolhimento, do respeito às diferenças, do reconhecimento do jovem como sujeito capaz de atuar e transformar o seu entorno, considerando que é pela educação que ele terá possibilidade de ascender, de ter melhores perspectivas quanto ao futuro. No entanto, o que se constata é uma dissonância entre o que os jovens querem e precisam e o que a escola oferece. Muitos deles não enxergam esse espaço como relevante para a sua vida, não se sentem pertencentes, e essa postura se materializa em evasões, desistências, repetências, mau desempenho, quando não em violências que incluem depredação e vandalismo no espaço escolar.
É inquestionável a afirmação de Fanfani de que por detrás das desigualdades e exclusão na escola estão as desigualdades e exclusões sociais. Para reverter tal quadro é preciso que a escola repense a sua função social, sua forma de organização, sua estrutura e a maneira como as relações são construídas nesse ambiente.
Afinar os objetivos da escola com as demandas dos jovens de todas as classes é, certamente, um dos grandes desafios que nossa sociedade enfrenta. Para vencê-lo, ela não pode continuar a ser uma instituição engessada, burocrática e arcaica em muitos sentidos, nem tampouco deve optar por soluções simplistas como as denunciadas por Fanfani: oferecer educação pobre para os pobres, associar os jovens a situações de periculosidade social, valorização oportunista das culturas jovens, espetacularização do processo educativo com ênfase no prazer imediato em detrimento do esforço, da complexidade e do trabalho escolar.
Para citarmos o Brasil, está em curso acalorado debate sobre a Reforma do Ensino Médio, implementada de forma atabalhoada a partir da Lei 13.415 de 16.2.2017, que promoveu alterações radicais na proposta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) relativamente a essa etapa da Educação Básica. A justificativa de ser uma resposta às necessidades de mudanças que atendessem às configurações sociais contemporâneas encontra, de fato, amparo na realidade: é inegável a necessidade de mudanças no Ensino Médio, por inúmeras razões, que não serão analisadas por não serem o foco deste artigo; no entanto, a implantação tem, como apontam inúmeros especialistas, ampliado as já enormes desigualdades na educação oferecida pelo sistema público e o privado em nosso país. As ressalvas e a rejeição ao novo modelo por parte de alunos e professores - validadas por robustos estudos e pesquisas - são tantas que as mobilizações ocorridas em praticamente todas as regiões brasileiras foram acolhidas pelo governo federal, com a eleição do presidente Lula em 2022, e culminaram no "congelamento" do prazo para que a Reforma se efetive totalmente, e na criação de novos grupos de estudos, com representantes dos segmentos diretamente envolvidos, para que ela seja revista ou mesmo revogada.
Para concluir e retomando as ideias postas em discussão por Fanfani, extremamente atuais e de relevância, dentre as muitas reflexões que podem suscitar está a de que se a escola - na visão althusseriana - é um aparelho ideológico do estado, pois que veicula a ideologia dominante, pode, em contrapartida, promover um discurso contra ideológico, favorecendo a crítica a essa mesma ideologia , buscando promover a consciência reflexiva, o discurso crítico, colaborando para transformações sociais. Uma escola com a qual o jovem se identifique e que seja capaz de encaminhá-lo à ação, levando-o a trocar a passividade pela participação social afirmativa, colocando-se como sujeito que não apenas sofra a história, mas que, sobretudo, a construa.
Utopia? Sonho? Talvez... mas, são os sonhos a matéria-prima para movimento e mudança, combustível para o fazer humano.
REFERÊNCIAS
[1] Sociólogo, consultor do IIPE-UNESCO em Buenos Aires. Professor titular de sociologia da educação na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires Argentina;
[2] Documento apresentado no seminário "Escola Jovem: um novo olhar sobre o ensino médio". Organizado pelo Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Coordenação-Geral de Ensino Médio. Brasília. del 7 al 9 de junio del 2000.
*ADRIANA ANDRADE MELLO
- Licenciada em Língua Portuguesa e Língua Inglesa – Faculdades Integradas de Cruzeiro (1996);
-Professora efetiva na rede estadual paulista desde 2000;
-Complementação Pedagógica pela UNIG (2001);
-Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (2003);
-Pós-graduada em Ensino de Língua Inglesa pela UNESP REDEFOR (2012) e
- Designada no Programa de Ensino Integral desde 2014, na EE Oswaldo Cruz (Cruzeiro/SP)
Área de Linguagens (Português / Inglês)
Nota do Editor:
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Excelente reflexão...
ResponderExcluirTriste realidade da Educação em nosso país.
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