Em face da grave ocorrência do dia 17 de setembro deste ano
de 2023, que consistiu no vazamento de um vídeo nas redes sociais, no qual
alunos do curso de medicina da Unisa, Universidade de Santo Amaro, aparecem
seminus, simulando masturbação, voltou a se discutir uma polêmica que se
arrasta há séculos: o abuso dos trotes nas Universidades brasileiras.
Tendo sido revelado depois que o tal vídeo foi gravado entre
abril e maio deste ano, durante um torneio de vôlei feminino entre alunas de
Medicina, na cidade de São Carlos, em que diversos calouros exibiam as partes
íntimas e que eram todos do primeiro ano do curso de Medicina, a conclusão é
imediata: tudo o que ocorreu é resultado de um trote aplicado pelos veteranos.
Sabendo-se que o resultado dos atos obscenos supracitados
foi a expulsão pela Unisa de alunos entre 18 e 19 anos e que são todos
calouros, a pergunta que não quer calar é a seguinte: - É justo que tenham sido expulsos apenas os calouros que foram, de certa forma,
obrigados a agir dessa forma, sob pena de serem agredidos, humilhados,
maltratados ou talvez até mortos pelos veteranos, ainda que tenham sido,
depois, reintegrados? E os veteranos, por que não são punidos?
A fim de comprovar que a perguntas procedem, vejamos alguns
casos já ocorridos, em se tratando de trotes nas Universidades: Primeiro caso – "Banho da morte". Faculdade: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Curso: Medicina. Ano: 1962. Durante a festa de recepção, um dos
novatos foi pego pelos veteranos para uma "brincadeira de boas-vindas". O
infeliz garoto foi obrigado a se despir e entrar em um barril cheio de água
misturada com cal. O estudante teve quase o corpo todo queimado e acabou
morrendo. Três anos depois, a PUC proibiu os trotes na Instituição.
Segundo caso: Universidade Mogi das Cruzes. Curso:
Jornalismo. Ano: 1980. Um calouro se encontrava em um trem da estação
Estudantes, que liga Mogi à capital paulista, quando foi abordado por um
veterano da Universidade, que desejava cortar seus cabelos. Ao negar-se, o
rapaz foi espancado até a morte.
Terceiro caso e o mais emblemático: Universidade de São
Paulo. Curso: Medicina. Ano: 1999. O calouro Edison Tsung Chi Hsueh, após ter
sido todo pintado, seguiu, com outros calouros, até a Atlética da USP, onde foi
obrigado a entrar numa piscina sem saber nadar. Pouco tempo depois, foi
encontrado morto no fundo da piscina. Quatro estudantes foram acusados pela
morte do rapaz, tendo sido denunciados pelo ministério público. Entretanto, o
caso foi arquivado por falta de provas e os estudantes foram inocentados.
Retornando-se, por conseguinte, ao caso da Unisa, há que se destacar os diversos depoimentos de alguns
alunos acerca do trote, os quais afirmaram, entre outras coisas, que "os atos
obscenos praticados pelos alunos fazem parte da conduta exigida por um grupo de
alunos do último ano de Medicina"; "Eles falam que nós não vamos ter acesso à
oportunidades,que vamos ser marcados como fracos, se não obedecermos a eles durante
os primeiros seis meses"; "Amassam na porrada ou xingam quem não participa. Tem
gente que não aguenta e desiste da Universidade."
De acordo com o especialista Antônio Ribeiro de Almeida
Júnior, professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da
Escola Superior de Agricultura (Esalq) "Não tem nada
a ver com tradição, a questão do trote é relação de poder. Um grupo político
disputa o controle da situação." Segundo Fábio Romeu Canton Filho, presidente
da comissão contra o trote violento da OAB, " Uma única morte em uma
Universidade é suficiente para justificar a inibição total. A preservação da
vida humana tem de ser o mote.”" Acrescente-se
a essas verdades o fato de os trotes terem iniciado em 1831, quando acabou em
morte na Faculdade de Direito de Olinda...
Diante do exposto, a segunda pergunta que não quer calar há três
séculos é a seguinte: - Que
Educação "dita superior" é essa, que já deseduca desde a entrada na
Universidade, impondo àqueles que estudaram dia e noite, tendo sacrificado
horas e horas de lazer e sono, riscos de humilhação e até riscos de morte,
através de um trote de todo desnecessário e quase sempre perverso?
Quem puder, que nos responda.
Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e G1;
Sites: antitrote.org, guiadoscuriosos.com.br, conjur.com.br, guiadoestudante.abril.com.br
Leia mais em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-foram-os-trotes-mais-crueis-do-brasil
-Pós -graduada em Literatura Brasileira (1985);
-Mestre em Literatura Comparada pela USP, Universidade de São Paulo ( 2007);
-Professora de ensino superior, médio e fundamental I durante 40 anos;
- Escritora e poeta, tendo publicado os livros Canção Necessária (1986) e Ávida Vida (2020);
- Revisora ; e
- Membro da Academia Contemporânea de Letras, desde 2020, tendo como patronesse a escritora Clarice Lispector.
Nenhum comentário:
Postar um comentário