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quarta-feira, 7 de junho de 2023

A responsabilidade por vício do produto ou do serviço


 Autora: Ilza Amaral (*)

É comum ao adquirirmos produtos estes conterem defeitos ou estarem sem qualquer condição de consumo. Em virtude da correria do dia a dia ou do valor agregado do produto, a maioria dos consumidores deixam de lado o seu direito o que alimenta a má prestação de serviço e a responsabilização dos fornecedores de produtos e serviços.

Independente do valor agregado ao produto é direito do consumidor consoante o Artigo 18 do CDC ter uma solução ao se deparar com produtos eivados de vícios que se se visualmente existissem inibiriam a compra do produto.

Consoante o Art. 18 do CDC, os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Prevê o parágrafo 1º do referido artigo que não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

Prevê o referido artigo outras possibilidades de amparo ao consumidor, inclusive em relação a produtos impróprios para o consumo. O consumidor deve se atentar sobre a responsabilidade em relação a produtos “in natura” dos quais a responsabilidade imediata é do comerciante/lojista no qual foi comprado o produto, exceto quanto identificado claramente o seu produtor/fabricante.

De fatos, transporte e armazenagem inadequada por vezes fazem com que um produto se deteriore, sendo necessário atenção do consumidor e havendo o imprevisto deverá ser acolhido com a solução do problema.

Muitos questionam a possibilidade de dano material ou moral em relação à aquisição de produto com vicio, sendo necessário refletir a dimensão do problema a fim do engajamento em uma demanda que pode ser resolvida sem judicialização, de forma rápida e eficaz.

Vale lembrar que todos são passiveis de erros, contudo reprovável é a não reparação e a omissão no fornecimento da solução.

* ILZA NOGUEIRA AMARAL










-Advogada graduada pela Universidade São Francisco(2002);
-Pós-graduada em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura do Estado de São Paulo-EPM(2010) e
-Atuação nas áreas  cível e trabalhista no  escritório Nogueira Amaral & Advogados Associados.

NOTA DO EDITOR:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.  

terça-feira, 6 de junho de 2023

Reflexões sobre os direitos autorais de imagens geradas por IA


 

Autora: Karoline  Vasconcelos (*)

Nos últimos anos, temos testemunhado avanços notáveis no campo da Inteligência Artificial que têm impactado significativamente diversas áreas de atuação. Um aspecto impressionante é a capacidade da IA em gerar imagens altamente realistas, o que está transformando várias indústrias, como publicidade, entretenimento, design e medicina.

A evolução da IA na geração de imagens é resultado do desenvolvimento de redes neurais artificiais cada vez mais complexas, conhecidas como redes adversariais generativas (GANs). Essas redes consistem em dois componentes principais: um gerador e um discriminador. Enquanto o gerador cria novas imagens a partir de um ruído aleatório, o discriminador avalia a autenticidade dessas imagens. Com o treinamento adequado, essas redes podem aprender a gerar imagens altamente convincentes e indistinguíveis das reais.

Nesse cenário, surgiram plataformas populares por sua capacidade de criar impressionantes ilustrações de alta qualidade. Um exemplo é o Midjourney, um serviço desenvolvido por uma equipe que utiliza uma IA generativa de imagens. Outra plataforma notável é o DALL-E 2, desenvolvido pela OpenAI, a mesma empresa por trás do famoso ChatGPT, e que conquistou os usuários com suas habilidades impressionantes de aprendizado e geração de ilustrações.

Uma das aplicações mais notáveis da IA na geração de imagens é na indústria do entretenimento. Os efeitos visuais em filmes e jogos eletrônicos se beneficiam enormemente da capacidade da IA de criar ambientes e personagens realistas. Anteriormente, a criação desses elementos exigia um trabalho intensivo de artistas gráficos e animadores. Hoje, com o uso de GANs, a geração de conteúdo visualmente impressionante tornou-se mais rápida e eficiente.

A publicidade também está se beneficiando do avanço da IA na geração de imagens. Agências de publicidade agora podem criar campanhas altamente personalizadas, gerando imagens adaptadas às preferências e interesses específicos de cada indivíduo. Além disso, a IA pode ajudar a otimizar o processo de design, gerando automaticamente diferentes variações de um anúncio e selecionando a mais eficaz com base em dados históricos e feedback do público.

Sob tal perspectiva, o avanço da inteligência artificial na geração de imagens tem levantado uma série de desafios éticos e jurídicos, especialmente no que diz respeito aos direitos autorais sobre essas criações geradas por algoritmos. À medida que as redes adversariais generativas se tornam capazes de produzir imagens altamente realistas e indistinguíveis das reais, surge a pergunta sobre quem detém os direitos autorais sobre essas obras.

Tradicionalmente, os direitos autorais são atribuídos aos criadores humanos (pessoas físicas) de obras artísticas e visuais. Neste panorama, a IA traz novos contornos à questão, pois as imagens são geradas por algoritmos complexos, sem a intervenção direta de um autor humano. Isso desafia a definição convencional de autoria e cria um vácuo jurídico para determinar a propriedade dos direitos autorais.

Na maioria dos países, a legislação de direito autoral foi projetada para proteger as criações humanas e não contempla explicitamente as obras geradas por IA. Isso significa que, em alguns casos, essas imagens geradas por IA podem não ser automaticamente protegidas por direitos autorais, ou pertencer ao domínio público.

No entanto, algumas jurisdições têm interpretado a autoria de forma mais ampla e têm considerado a possibilidade de reconhecer a IA como autora legítima, desde que ela seja considerada uma extensão ou ferramenta do criador humano. Exemplo disso foi a Corte de Shenzhen, na China, que decidiu a favor da Tencent, empresa de tecnologia, considerando que a IA Dreamwriter, que produz notícias sobre finanças e esportes – é a legítima autora do conteúdo criado.

No Brasil, a Lei nº 9.610/1998, em seu artigo 11, estabelece que o autor de uma obra é uma pessoa física. Como resultado, a autoria de uma obra não pode ser atribuída a uma máquina, mas sim ao seu criador. Em outras palavras, a legislação determina que apenas indivíduos humanos podem ser considerados autores de uma obra, excluindo assim qualquer possibilidade de autoria por parte de máquinas.

Em perspectiva semelhante, há precedentes que estabelecem que a IA em si não pode ser considerada autora das imagens, uma vez que ela é uma ferramenta desenvolvida e controlada por seres humanos. A autoria seria atribuída à pessoa ou entidade responsável pelo desenvolvimento, treinamento e design dos algoritmos de IA utilizados. Nessa visão, a IA seria apenas um instrumento utilizado para materializar a criatividade humana, sendo o autor o indivíduo ou equipe que desenvolveu e utilizou a tecnologia.

Lado outro, há quem defenda que a IA, ao aprender a partir de grandes volumes de dados e ser capaz de criar novas imagens de forma autônoma, possa ser considerada uma forma de autoria em si mesma. Nessa perspectiva, a IA seria capaz de combinar e reinterpretar os dados de treinamento de maneiras não previsíveis pelos humanos, gerando imagens originais que não poderiam ser criadas sem sua intervenção. Portanto, a autoria seria compartilhada entre a IA e os seres humanos envolvidos em sua criação.

Existem propostas que sugerem a criação de um novo tipo de direito autoral coletivo compartilhado entre a IA e o criador humano. Isso reconheceria a contribuição da IA na geração das imagens e estabeleceria um sistema de recompensa e proteção para ambas as partes. Essa abordagem busca equilibrar os interesses dos criadores humanos e reconhecer a capacidade criativa das IAs.

Sobre a temática, em fevereiro deste ano, o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) emitiu diretrizes sobre a proteção de conteúdos produzidos por inteligência artificial. De acordo com a decisão, imagens geradas integralmente pelas IAs Midjourney e Stable Diffusion não podem ser protegidas por direitos autorais.

Em um caso específico, o autor de quadrinhos Kris Kashtanova teve seus direitos autorais negados pelo uso da IA Midjourney na criação de sua obra intitulada "Zarya of The Down". O USCO justificou que conteúdos gerados unicamente por meio de comandos e sem modificações artísticas não se enquadram nas leis de direitos autorais, pois essa abordagem é considerada similar a dar "instruções a um artista contratado".

No entanto, o órgão mencionou a possibilidade de proteger elementos criados por IA em certas situações, afirmando que "a resposta dependerá das circunstâncias, especialmente de como a ferramenta de IA funciona e como foi usada para criar a obra final. Isso requer uma análise caso a caso. Se os elementos tradicionais de autoria de uma obra forem produzidos por uma máquina, a obra não terá autoria humana e não será registrada pelo Instituto".

Existem também casos e decisões judiciais recentes que começaram a abordar a questão dos direitos autorais sobre imagens geradas sem intervenção humana. Um exemplo notável é o caso "Monkey Selfie", em que um macaco tirou uma foto de si mesmo usando a câmera de um fotógrafo. A controvérsia surgiu sobre quem seria o detentor dos direitos autorais da foto, levando a uma batalha jurídica que eventualmente considerou a foto como de domínio público, uma vez que não havia uma intervenção humana direta na criação da imagem.

Esses casos e decisões demonstram a necessidade de atualizar as leis de direitos autorais para lidar adequadamente com os desafios trazidos pela IA. É essencial considerar não apenas a contribuição humana no treinamento e no design dos algoritmos, mas também a capacidade criativa das IAs na geração de novas obras. Isso exigirá uma reavaliação das definições de autoria, originalidade e proteção legal para garantir uma abordagem equilibrada e justa.

Diante dessas diferentes perspectivas, é necessário um debate amplo e multidisciplinar envolvendo especialistas em direitos autorais, juristas, cientistas da computação e a sociedade em geral. É fundamental encontrar um equilíbrio entre o reconhecimento da contribuição humana e da criatividade da IA, garantindo ao mesmo tempo a proteção dos direitos autorais e incentivando a inovação e o desenvolvimento da tecnologia de maneira ética e responsável.

Além disso, é importante abordar a questão da responsabilidade por violações de direitos autorais envolvendo imagens geradas por IA. As leis de direitos autorais devem determinar quem é responsável em casos de plágio, uso não autorizado ou reprodução indevida de imagens geradas por IA. Essa responsabilidade pode recair sobre os criadores humanos, as empresas que desenvolvem as IAs ou até mesmo sobre as próprias IAs, caso sejam consideradas legalmente capazes de possuírem direitos autorais.

Somente através de um diálogo contínuo entre legisladores, especialistas em IA, criadores e a sociedade em geral, poderemos construir um ambiente jurídico que responda aos desafios dessa nova era digital, equilibrando os interesses de todas as partes envolvidas.

Referências

pixforce.com.br/post/o-que-sao-gans Acesso em 2 de jun. 2023;






* KAROLINE TOSCANO VASCONCELOS
























-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário; e 

-Membro da Comissão de Direito Digital, Internet, Tecnologia e Inovação da OAB/PB, Subseção Campina Grande

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Nota do Editor:

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O Direito de Precedência


 Autora: Rosana Carvalho de Andrade (*)

Ainda que honrada pela condução de mãos e mentes jurídicas de extrema capacidade e expertise, formada em 1.983, no Largo de São Francisco, sai do mundo acadêmico com as mesmas regras de conduta que trago nas memórias afetivas de meu saudoso pai.
           
Esse pai, que foi um médico e um ser humano de tamanho gigantismo, foi quem lapidou "meu caráter jurídico" desde cedo e de sempre.

Sim, acabou sendo um médico quem me ensinou a primeira das regras jurídicas mais importantes, que pautou meus estudos com os grandes e verdadeiros Mestres do Direito, assim que fui aprovada para estudar Direito nas Arcadas, e que também foi a base de meus 40 anos de profissão.

Naquele momento, eu ainda não sabia que meu "destino jurídico" seria dentro da Propriedade Intelectual, mas entendi nas palavras desse ser humano ímpar, a maneira correta de fazer da minha atuação jurídica a verdadeira busca do Direito.

Meu pai me disse: "Filha, não sei qual ramo do Direito você vai trilhar a partir de hoje. Mas, seja qual for a sua escolha e vocação, nunca se esqueça de apenas tratar os seus clientes, como você gostaria de ser tratada, e de defender as causas desses clientes, como se fossem as suas causas. Assim, mesmo que você, eventualmente, erre... certamente errará menos, e saberá como continuar buscando o êxito pretendido."

Foi assim que exerci minha profissão ao longo de tantos anos: buscando para os meus clientes/causas, apenas o que eu faria por mim!

O resto, a vida se encarregaram de conduzir, e colocou em minha carreira profissional, como primeira "prova" de que aprendi nas Arcadas como proteger "minhas causas jurídicas", uma ação que discutia a INVENTIVIDADE HUMANA... a CRIATIVIDADE.... OS DIREITOS INTELECTUAIS... que apenas corporificavam os meus aprendizados de berço e jurídicos.

Foi um compromisso avassalador com a proteção dos direitos intelectuais dos meus Clientes, que definiram minha escolha de atuação profissional.

Comecei a atuar ainda na vigência da Lei n.º 5.772, de 21/12/1.971, quando ainda não se falava em DIREITO DE PRECEDÊNCIA DE USO DE UMA MARCA, quando ainda os limites de concessão de um registro, e de sua respectiva exclusividade no território nacional, ainda se dava pela efetiva formalização de um pedido de registro de marca, junto ao INPI – INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL.

Isso significava dizer que, formalmente, só tinha direito ao uso exclusivo de uma marca, aquela pessoa física e/ou jurídica que, efetivamente primeiro registrasse a sua marca, perante o INPI, independentemente, a princípio, da comprovação de veracidade de ser, aquele depositante, o verdadeiro criador primígeno daquela expressão retirada do uso comum, através do registro da marca.

Assim, ainda na vigência da Lei n.º 5.772/71, já atuando com preponderância nessa expertise do Direito, acompanhei de perto algumas empresas estrangeiras, legítimas titulares de suas marcas em outros Países, que foram obrigadas a "se render", em muitas situações, a verdadeiros usurpadores de seus legítimos direitos marcários, pelo simples fato de terem levado a registro, em mercado brasileiro, marcas de legítima e anterior titularidade alheias.

Ou seja, o registro da marca era atributivo, sendo condição a sua formalização do registro, junto ao INPI, para conferir a propriedade exclusiva e a respectiva proteção ao titular indicado no registro.

Vários são os exemplos de marcas internacionais que mesmo tendo um uso anterior e precedente, no mercado mundial, foram registradas de forma desavisada por empresas que em nada participavam dessa criação, dentro do território brasileiro.

Eu mesma, com muita honra atendendo como advogada e consultora um Professor Universitário renomado, no Brasil e no Exterior, Autor de vários livros e criador de várias Marcas que passaram a identificar conceitos de grande relevância dentro do MARKETING mundial, sofreu essa verdadeira agressão intelectual, quando um aluno seu, do Curso de Pós Graduação no qual lecionava, registrou, como se sua fosse, uma Marca que identificava toda carreira e especialidade do Professor em comento, com pouca antecedência ao pedido de registro de marca que protocolamos, perante o INPI, para o verdadeiro titular da referida marca.

E mesmo na vigência da Lei n.º 5.772/71, quando ainda não se vislumbrava a justa e correta aplicação do Direito de Preferência, com muito orgulho carrego uma reforma da decisão de indeferimento da marca do Professor titular da mesma, que reconheceu o Direito de Precedência da Marca do Professor, contra o consequente arquivamento da Marca do Aluno, que "colheria frutos onde não plantou".

Acho que, sim, tratei essa defesa, como se minha fosse comprovando, uma vez mais, que o Direito deve prevalecer antes e acima de tudo e todos. E que meu saudoso pai, repito, devia conhecer essa "máxima jurídica" por motivos éticos e morais!

Acompanhei com orgulho profissional, que assim se manteve o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e agora sob a égide da Lei n.º 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), executa, no âmbito nacional, as normas que regulam a Propriedade Industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.

Em outras palavras, o Direito de Precedência será sempre resguardado àquele que verdadeira criou a Marca, e mantém sua utilização ininterrupta e de boa-fé (cf. Art. 129, da LPI), mesmo que exista eventual registro concedido a um terceiro.

Ou seja, o Direito de Precedência ao registro de marca consiste na possibilidade de quem utilizava uma marca - por pelo menos 06 (seis) meses antes do pedido de registro formalizado por outrem, junto ao INPI, possa obter o reconhecimento do direito ao registro da marca, desde que haja efetiva comprovação desse uso/criação precedentes.

E que o Direito de Preferência, assim, foi devidamente pacificado como um dos meios pelo qual o verdadeiro titular e criador de uma marca, ainda que não registrada, junto ao INPI, possa impedir que um terceiro desavisado a registre primeiro, em detrimento de sua verdadeira criação e titularidade anteriores.

Não se trata, apenas, de garantir a verdadeira titularidade da Marca, mas que todas as funções a que destinam essa proteção estejam legitimadas em prol da verdadeira aplicação da Justiça!

Em outras palavras, o Direito de Precedência garante que uma MARCA seja devolvida ao seu titular e criador, recolocando a criação, junto com seu verdadeiro criador.

É a verdadeira oportunidade de "um filho voltar a casa" onde nasceu, se criou e onde devem ser mantidas as suas verdadeiras e legítimas raízes!

* ROSANA CARVALHO DE ANDRADE

















-Advogada graduada em Direito pela Universidade de São Paulo/USP (1983);

-Advogada com 40 anos de experiência na profissão; Consultora em Propriedade Intelectual (Marcas, Patentes, Desenhos Industriais, Direitos Autorais, Licenciamento, Concorrência Desleal e Parasitária), Franquia, Defesa Concorrencial, Direito Aduaneiro, Direito Ambiental e Direito Eleitoral;

-Consultora da ABRAL e membro da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB/SP Subseção Guarujá;

-Professora e Palestrante convidada em várias Universidades e Eventos relativos ao tema da Propriedade Intelectual.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Há simbiose entre a vida líquida e o neoliberalismo?


 Autor: Haroldo da Silva (*)


Vive-se tempos complexos. Tudo muda, ao tempo todo. Se os produtos têm em si uma elevada taxa de obsolescência, as relações humanas também têm. As inovações, no sentido schumpeteriano, são transformadoras, mas deixam um rastro de destruição por onde passam. Atualmente, a inteligência artificial (IA) tem sido usada para aumentar a produtividade das empresas e das pessoas, com muito sucesso. Contudo, empregos e empresas estão ameaçados. Nenhum de nós tem certeza de que suas habilidades não podem ser superadas – com ganhos efetivos – por IA.

Esse cenário tem implicações profundas na economia, em particular, e nas relações sociais, como um todo. Nesse sentido, o objetivo desse artigo é trazer à luz reflexões sobre conceitos que permeiam a vida das pessoas, mas que são pouco explorados para além dos muros da academia. No limite, a finalidade desse trabalho é fazer surgir a curiosidade das leitoras (es) para que elas (es) se – caso fiquem curiosas (os) – possam buscar mais informações. Nesse sentido, leituras complementares podem ser observadas nas referências. Com esse intento, duas seções e as considerações foram construídas.

Conceitos e Provocações


A simbiose é uma interação biológica de longo prazo. Nessa relação, os organismos têm benefícios mútuos, em sua versão denominada mutualismo. Se um dos organismos é beneficiado e o outro não é prejudicado, embora não obtenha ganhos, denomina-se o comensalismo. Contudo, no parasitismo, apenas um se beneficia, às custas do outro. Essas relações podem ganhar elevados graus de complexidade. Contudo, qual a relação da biologia e das ciências sociais, como a economia? Niklas Luhmann, por exemplo, recorreu ao conceito de autopoiésis, de inspiração na biologia, para formular a sua teoria geral dos sistemas e que pode ser bastante útil para compreender a dinâmica da representação de interesses comuns e dissonantes, ao mesmo tempo.

Nessa perspectiva, os sistemas se produzem, reproduzem, reparam, adaptam, sem perder sua identidade. Assim é o capitalismo em sua versão neoliberal. Em breves palavras, o neoliberalismo é uma corrente do pensamento econômico [e político], com características reacionárias, que defende a supremacia do livre mercado, frente a qualquer intervenção [econômica, sobretudo] por parte do Estado. É também uma questão ideológica bem formulada, sofisticada e repleta de adeptos, cuja disseminação deu-se desde a década de 1980 e forjou o pensamento dominante na política econômica mundial.

Essa visão de mundo em constante construção, cuja principal característica é a efemeridade de tudo, vale recorrer ao conceito de liquidez. Preliminarmente, vale refletir sobre a própria originalidade do conceito de liquidez, que permeia a maior parte da obra de Bauman. Tales de Mileto (625-547 a.C.) teria identificado o elemento água em sua doutrina como o princípio de todas as coisas. Essa teoria fora capaz de ter influenciado a conceituação da "liquidez" dos dias atuais? É provável.

Sem adentrar nessa seara, dadas as limitações objetivas de escopo em um trabalho de graduação de curso, há um potencial enorme para transformações [e disputas] nessa nova sociedade que Bauman chama de "sociedade líquido-moderna". Instabilidade é a resultante. Perturbador, Bauman definiu a Vida Líquida contemporânea:
Em suma: a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. [...] A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais inquietantes. Entre as artes da vida líquido moderna e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las. (Grifos nossos).

Hoje, qualquer um pode ser denunciado como um "criminoso do pensamento", ao teclar, postar ou mesmo curtir uma publicação nas redes sociais. A IA está por toda a parte. Fenômenos complexos, normalmente, não têm explicação simples, que dirá soluções singelas. Impossível resumir. Sintetizar ou qualquer outro termo que se use, serviria apenas para discorrer sobre um emaranhado de acontecimentos – no caso de Bauman, por ele organizados – em curso ou mesmo em gestação que, fundidos, formam o que o autor nomeou de Vida Líquida.

Transdisciplinaridade e os Fenômenos Sociais

Parece sociologia, direito, mas é economia, como são os dois primeiros ramos das ciências sociais, umbilicalmente ligados. Dito de outro modo, na atualidade, a complexidade das relações sociais exige visões múltiplas, um olhar holístico, para a real compreensão dos fenômenos. Diante desse prisma, a análise resultante da obra de referência trouxe alguns vetores que, sobrepostos, dão a dimensão do que é a Vida Líquida. Sem a intenção de apresentar qualquer escala hierárquica entre esses elementos, tampouco esgotá-los, eles foram dispostos na seguinte forma:

1. Consumo desenfreado – para alimentar e conservar viva a promessa de satisfação, é indispensável que o desejo se mantenha irrealizado. Nessa sociedade, toda e qualquer tentativa de autorrealização (busca existencial), aspiração de dignidade, de autoestima e de felicidade, enfim, "exige a mediação do mercado". Pragmaticamente, os atos de consumo devem durar apenas até se concretizarem, nada mais do que isso. O desejo realizado cria outro desejo, imediatamente;

2. Economia – nesse modelo, há a produção de "indesejados", aqueles alijados da vida para consumo. Ganhos momentâneos levam às "baixas colaterais" [danos colaterais também] e as dimensões sociais desses eventos sequer terão importância em relação aos cálculos de custo-benefício;

3. Efemeridade/Obsolescência – os departamentos de marketing e essa própria “arte” tem por finalidade impedir a limitação das opções e a realização dos desejos, criando outros novos imediatamente, ao passo que o anterior tenha sido atendido. Importante limpar a gaveta com os "antigos – de um minuto atrás", de forma a permitir que o “terreno” fique propício para novas [e urgentes] incursões ao shopping. De acordo com o filósofo, recentemente morto, sequer o próprio conhecimento passa incólume, in verbis: "Em outras palavras, o impetuoso crescimento do novo conhecimento e o não menos rápido envelhecimento do conhecimento prévio se combinam para produzir ignorância humana em grande escala e para reabastecer continuamente, talvez até ampliar, o estoque disponível";

4. Individualidade – na Vida Líquida esse não é um elemento disponível a todos. Parcela significativa dos membros dessa sociedade, na prática, não tem livre escolha. A individualidade é desejo, não realidade, fundamentalmente para a maioria da população. Esses homens e mulheres estão em desvantagem, pois há uma disputa em curso e nessa "corrida" não há intervalo. Os mais abastados conseguem, por outro lado, a sua "singularidade". Muitos querem ser celebridade, que Bauman, com tautologia proposital, define como alguém que é conhecido por sua característica de ser bem conhecido. Isto é, ensimesmado. Em realidade, a individualidade nos dias atuais – para quem consegue exercê-la – está mais relacionada ao solipsismo do que individualidade, de fato;

5. Indústria do medo – preocupação (e fonte de lucros) dos planejadores urbanos, a insegurança alimenta o medo. Receio da “gordura”, que apavora a maioria dos americanos [e também os brasileiros mais recentemente], levados pelas forças ávidas por lucrar com o anseio de mitigar o temor. Eis aqui que surgem oportunidades até mesmo para os advogados que, sôfregos, buscam travar batalhas judiciais com a indústria, por exemplo, do fumo e do fast-food; e

6. Lixo – nessa forma de organização social, a remoção do lixo é fato relevante. O bem-estar e os sinais exteriores de triunfo social dos seus membros estão correlacionados à rapidez com que se abarrota o depósito de detritos e a remoção passou a ser a métrica de real eficiência.

Considerações

Cara leitora (or), você se identificou com alguma dessas situações acima? Provavelmente! Em suma, para Bauman: a Vida Líquida construída para ser, em verdade, instável, faz com que se constitua, cada vez mais comum, o fato de que seus membros [os inseridos] considerem-se "em casa" em muitos lugares, mas em nenhum deles especificamente. Vive-se numa incessante marcha adiante.

Nesse ambiente, como dito anteriormente, a "taxa de obsolescência" de pessoas, coisas e conceitos é propositadamente acelerada e o lixo reflete o sucesso ou o insucesso do grupo [ou do indivíduo perante o grupo.]A busca incansável pela exclusividade faz com que as empresas discutam a produção do lote de "uma" peça, antagonicamente, num processo de fabricação em massa, de forma a manter a economia funcionando, mesmo que brutalmente, ineficaz, do ponto de vista da produtividade. Numa verdadeira destruição não criadora [a não ser de rejeitos e de rejeitados], o desperdício e a injustiça [e porque não dizer a própria Insegurança Jurídica] ganham dimensões planetárias.

A vida líquida é fruto e, ao mesmo tempo, combustível para o neoliberalismo. A velocidade com que tudo se transforma coloca, cada vez mais, peso sobre o indivíduo que passa a ser o único responsável pelo seu sucesso, ou insucesso. Nessa toada, mesmo sociedades ricas têm experimentado o aumento brutal das desigualdades sociais. O que dizer dos países periféricos, como o Brasil?

Finalmente, fica aqui uma sugestão para aquelas (es) que tiveram a paciência de chegar até aqui. Que tal assistir alguns filmes que mostrem essa correlação entre a vida liquida e o neoliberalismo. Não vou sugerir filme, mas um diretor que, aos seus 86 anos, como poucos, compreendeu essa simbiose: Ken Loach. Suas duas últimas obras são ótimas para derrubar a mitologia do sucesso do self-made man.

Referências

RODRIGUES, Léo Peixoto; RODRIGUES, Fabrício Monteiro Neves. A sociologia de Niklas Luhmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017; e

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2007.


*HAROLDO DA SILVA











- Graduação em Economia  pela UNIB (1999);

-Mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR (2002);

-Doutorando em Ciências Políticas (PUC-SP); e

domingo, 4 de junho de 2023

Não precisa ser tão pesado


Autora: Renata Pereira(*)

"E se ninguém gostar de mim?", "e se quem eu amo me abandonar?", "e se eu começar a perder dinheiro?", "e se eu falhar?", "e se eu ficar doente?". Se você tem pensamentos assim, provavelmente, você sente ansiedade e talvez, sinta seu coração disparar, desconforto no estômago, dificuldade para dormir e se concentrar entre muitas outras sensações desagradáveis; e, talvez, você lide com esses pensamentos e sensações tentando freá-los, abusando de medicação ou álcool, comendo, procrastinando, pedindo reasseguramento as pessoas, preparando-se demais, checando tudo o que faz muitas vezes, tentando ter certeza. Todas essas estratégias acalmam sua ansiedade e seus pensamentos temporariamente, mas não te tiram do ciclo, pois reforçam a ideia de que vai ser, de fato, horrível se essas coisas acontecerem e que você precisa evitar isso a qualquer custo ou será o fim, pois você não será capaz de aguentar se elas ocorrerem.

O ciclo acima ilustra o que pensa e como se sente uma pessoa preocupada, bem como tudo o que ela faz para tentar lidar com a preocupação, pois ela reconhece que seus pensamentos e ações não fazem sentido, mas simplesmente não pode evitar, não consegue fazer diferente e, quando se dá conta, já está pensando, sentindo e agindo assim outra vez. As pessoas ao redor lhe dizem que é besteira, que está exagerando, que precisa parar com isso, pois está se tornando chata e pesada, dão mil conselhos para tentar ajudar, o que muitas vezes, só piora as coisas, pois a pessoa preocupada sente-se incompreendida, pode ficar brava e então, são gerados conflitos no relacionamento, o que traz sofrimento a todos os envolvidos.

Preocupações são úteis somente quando nos ajudam a planejar coisas que são realmente necessárias e quando temos de pensar em soluções para problemas reais. A questão é que as pessoas preocupadas acreditam que, ao se preocuparem estão sendo responsáveis, que a preocupação as prepara para o pior e diminui seu sofrimento se algo ruim acontece, acreditam que a preocupação é o que as motiva a fazer as coisas, que foi graças a ela que chegaram onde estão... mas, o principal motivo pelo qual as pessoas se preocupam é que, enquanto estão fazendo isso, não sentem o medo, a tristeza ou qualquer outra emoção desconfortável gerada pelos pensamentos citados no início do texto e não têm de lidar com a incerteza.

De modo geral, as principais coisas com as quais as pessoas se preocupam são: finanças, saúde, aparência, relacionamentos e rejeição. O que vai levar as pessoas a se preocuparem mais com uma dessas coisas e não com outra é sua historia de vida e as crenças que a pessoa tem sobre si mesma, por exemplo, uma pessoa que passou por muitas dificuldades financeiras na infância ou que cresceu em uma família que se importa muito com status, pode se preocupar muito com fracassar profissionalmente ou ficar sem dinheiro. As crenças que uma pessoa constrói sobre si mesma a partir das experiencias que vivem também vão se relacionar com o tipo de preocupação que ela vai ter: alguém que acredita que só tem valor se tiver um par pode se preocupar muito com não ter um relacionamento ou com a possibilidade de perder o que tem.

Mas, afinal, como podemos lidar com nossas preocupações... aqui vão algumas dicas praticas e que realmente funcionam:

- faça uma lista sobre as vantagens e desvantagens de se preocupar para se motivar a fazer diferente;

- transforme preocupações improdutivas (perguntas sem respostas, uma cadeia de eventos, buscar uma solução perfeita e tentar controlar tudo) em preocupação produtiva (reconhecer o que se pode e não se pode controlar, que não há solução perfeita, que não é possível ter certeza, foque em uma pergunta para a qual há resposta e em um problema que é possível resolver), ou seja, em vez de ficar pensando, tome uma ação efetiva;

- evite evitar; faça agora as coisas que você tende a deixar para depois;

- aceite a realidade: tente ficar no momento presente e troque julgamentos e criticas por descrições, é assim que as coisas são no momento, é assim que você é, não lute contra a realidade, quando você aceita as coisas como são fica mais fácil muda-las;

- marque uma hora para se preocupar: separe de 15 a 20 minutos por dia para pensar nas coisas que te preocupam;

- não tome seus pensamentos como verdades absolutas: sempre se pergunte existem outros modos (positivos) de ver essa situação, pois o que te faz sofrer não é o que acontece, mas a forma como você enxerga o ocorrido;

- você não é seu desempenho: se fracassar em algo, isso não diz nada de quem você é;

- tente reconhecer e vivenciar suas emoções, não tenha medo de senti-las;

- planeje atividades agradáveis; e

- desligue a urgência: a maioria das coisas com as quais nos preocupamos não precisam, de fato, ser resolvidas imediatamente.

Espero que você consiga colocar essas dicas em pratica e que elas te ajudem a se sentir menos ansioso e sobrecarregado, bem como a desfrutar da vida com mais leveza, vivendo bons momentos perto de quem você ama.

REFERÊNCIAS:

Leahy, R.L. (2003). Cognitive Therapy Techniques: a Practitioner¨s Guide. Nova Iorque: The Guilford Press.

*RENATA PEREIRA























-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
-Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP; e
Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo.
CONTATOS:
E-mail: renatapereira548@gmail.com
Twitter:@Repereira548

Nota do Editor:

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