Autor: Elvis Oliveira Magalhaes (*)
Quem poderá prever o imprevisível? Como se evita o inevitável? Como se calcula o incalculável? Seria até mesmo uma auto contradição, verdadeira antinomia diriam os mais renomados filósofos lógicos. Mas, naquele dia, algo de errado não estava certo na vida de Paulo e alguns sinais indicavam isto.
Tudo começou ao sair da cama! Ele tinha acabado de acordar de um pesadelo terrível com sua ex mulher! No mundo onírico em que acabara de sair, a antiga esposa havia tentado jogar água fervendo em seu ouvido enquanto ele dormia. O espanto daquela cena o fez despertar sobressaltado e ainda com uma espécie de dor de ouvido do lado esquerdo da cabeça...e ainda dizem que os sonhos são inofensivos! Aquela dor no ouvido esquerdo lhe parecia ser bem real, bem como o susto que levou ao vislumbrar a cara de ódio de sua ex esposa dando gargalhadas vendo ele se debater de um lado para o outro enquanto sua cabeça derretia por dentro por causa da água quente. Tudo por causa de umas puladas de cerca de Paulo. Estava configurada a legítima defesa feminina, ele deveria ter sido morto, afinal, homens não devem trair suas esposas e sairem ilesos disso! Que dor infernal no ouvido, minha nossa, se doia assim no sonho, imagine se tudo tivesse sido real?Pensava Paulo passando a mão na orelha esquerda! Felizmente, ele já estava separado há mais de 5 anos, mas o medo de ser morto com água quente era bem presente ainda em seus pensamentos. As ameaças constantes por parte dela fizeram seu efeito, embora ele não a tivesse denunciado por violência psicológica na época, não saberia dizer se o teriam levado a sério, nem mesmo se isso imputaria punição sendo o homem a vítima. Afinal, é possível ao homem ser vítima? Após esse incidente noturno, Paulo ficou com uma espécie de tique nervoso em seu lábio, a todo momento ele lambia os beiços como se o sangue derretido pela água fervente tivesse a toda hora escorrendo por dentro de sua cabeça e indo parar em seus lábios feito um melaço . Dessa feita, repetidas vezes e de forma involuntária ele lambia seus lábios parecendo uma serpente a tirar e guardar a língua dentro da própria boca. Não era uma cena muito agradável de se ver.
Duas horas da tarde, de acordo com sua programação rotineira, estava na hora de ir pra academia. Estava de férias do trabalho, mas ele não tem aquele dinheiro todo que somente as pessoas do Instagram tem para viajar felizes pelas melhores praias do planeta, beber os melhores drinks e desfrutar das melhores comidas que a gastronomia pode oferecer. Paulo passava suas férias apenas descansando do trabalho mesmo, o tempo livre já significava uma verdadeira dádiva para quem trabalha seis dias por semana de manhã bem cedo retornando apenas no final do dia. Hora de ir pra academia, mas ele ainda estava com uma sensação ruim, não apenas por conta do pesadelo ou por causa do gosto de sangue na boca ou aquele maldito tique nervoso que adquirira. Algo o incomodava mais profundamente.
Na academia, após mais uma série sugada de rosca alternada no banco, ele deixou os pesos no assoalho próximo de seus pés enquanto pegava fôlego para começar a próxima série. Estava olhando fixo para o espelho, refletindo sobre o que poderia ter acontecido com ele se ainda estivesse casado, seu pensamento ia voando longe...foi quando ele sentiu uma pancada forte em sua cabeça. Uma dor excruciante o acometeu enquanto chutes e murros o atacavam de todos os lados junto com safanões e xingamentos proferidos aos berros. Paulo, sem entender bulhufas do que estava acontecendo, acordou zonzo e com sangue escorrendo pelos lábios, e dessa vez não era apenas impressão sua ou um pesadelo de que acabara de acordar, era sangue real mesmo. Paulo estava sentado numa cadeira, mas não era a da acedemia onde estava fazendo rosca alternada. Estava sentado na cadeira da Delegacia da Mulher enquanto aguardava para ser ouvido pelo crime de importunação sexual. Diante dele e ainda com rostos que exalavam ódio, estavam uma menina da academia, e ele sabia que era da academia porque suas roupas não negavam, uma calça super colada branca que decalcava todas as suas formas e, ao seu lado o namorado, o cara que espacara Paulo na academia.
Paulo ainda não estava entendendo porque estava sendo acusado de tal crime, mas logo logo saberia. A menina em questão filmou tudo. Enquanto ela fazia o aparelho chamado de cadeira abdutora, aquele em que a mulher abre bem as pernas e depois fecha lentamente quase que rasgando a calça super apertada e semi transparente. Esse mesmo! Neste momento, enquanto ela fazia esses movimentos para serem postados em suas redes, Paulo estava sendo filmado pelo celular olhando para as partes dela enquanto lambia os beiços e colocava a língua para fora e pra dentro da boca. Tudo filmado e registrado. Contra fatos, não há argumentos. Mais um importunador colocado atrás das grades. Além da palavra dela, uma palavra com poderes superiores, havia também o vídeo, mas bastava a palavra dela, já seria o suficiente e o mundo assim se livrou de mais um tarado. De fato, algo não estava certo naquele dia, bem prenunciou Paulo ao se levantar da cama e sair de um pesadelo imaginário para acordar num pesadelo real. Ele até agora não conseguiu descobrir qual dos dois pesadelos era o pior.
*ELVIS OLIVEIRA MAGALHÃES
Esse mundo tá uma loucura mesmo, o Autor conseguiu materializar bem essa ideia de liberdade e punição. As mulheres são incentivadas a se sensualizar, mas um olhar às ofendem.
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