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domingo, 18 de agosto de 2024

O papel do Psicólogo contra a Violência à Mulher

Autora: Mariane Maia Brasil Faria (*)

O artigo resgata a posição da mulher ao longo da história, e evidencia o tratamento dado à violência contra a mulher no decorrer da história no campo do Direito, começando pela definição de violência e a falta de estudos sobre esse tema, passando para a violência passional, muito comum no Brasil, e o como esse tipo de violência representa um risco maior para as mulheres que, nesse contexto, são atingidas pela violência física e psicológica, sofrendo graves danos psíquicos.

Desde o período mesopotâmico, o matrimônio era considerado como a compra de uma mulher, antes tido como pertencente ao grupo ou clã e depois como responsabilidade do homem/marido. Por um longo período a mulher ocupou um lugar de destaque nas sociedades primitivas matrilineares, como líder tinha acesso à propriedade, a direitos políticos e acompanhava homens nas situações de paz ou em defesa das terras. A partir do surgimento da cultura patriarcal, a mulher teve que se posicionar no lugar de submissão ao marido, como o lugar de um bem material. A organização patrilinear promoveu a desqualificação da mulher, incluindo-a do direito ao patrimônio, criando uma relação "senhor e escravo". O que cristalizou durante muitos anos a mulher na posição de objeto do desejo do homem.

Com o passar do tempo e a necessidade da validação dos filhos como "legítimos" para fins de herança, pois o surgimento da família monogâmica na civilização ocidental vem do desenvolvimento da ideia de propriedade ao longo do processo civilizatório, criando assim a visão da infidelidade da mulher como uma ofensa aos direitos do marido. A traição foi então validada como crime e era permitido ao "traído" matar sua mulher e o amante, a menos que esse tivesse melhor condição social, deixando claro a influência econômica nas decisões jurídicas.

No Brasil, a violência contra a mulher de classes elevadas vinda principalmente pelo seu cônjuge, em relação aos casos de assassinatos vindos pelo marido toma forma, trazendo a necessidade de criar o Art. 27 no código penal em 1890, no qual o artigo não prescrevia a violência em si contra a mulher, mas sim como um crime passional descrito por um amor instintivo em que o homem, o marido, teria um episódio de crise emocional e cometia o assassinato. Ainda é utilizado esta prática em culpabilizar a vítima e legitimar o agressor, que consequentemente reafirma a narrativa patriarcal que antecede o próprio código, no qual o homem branco que detêm o poder das estruturas sociais e econômicas não poderia ser deslegitimado por uma mulher, um corpo feminino ensinado a obedecer e ser leal, bem como ficam as ordens deste homem.

Toda a responsabilidade da morte da mulher passa a ser vista como responsabilidade da própria vítima, foi só muito tempo depois que isso passou a ser questionado. No Rio de Janeiro o escritor João Luso chegou a denunciar e responsabilizar os padrões de masculinidade inseridos na educação como os responsáveis pelo crime passional, o que era uma opinião bem diferente das compartilhadas pela maioria da população. Com as medida da época, o homicídio contra a mulher era compreendido como um crime de paixão, acompanhado pelo atenuante da "violenta emoção". A "violenta emoção" é um dos motivos para diminuição da pena, favorecendo o agressor, é uma das defesas mais utilizadas hoje para o crime passional. Surge então a partir dessa ideia, a figura da legítima defesa da honra e da dignidade.

No decorrer do texto podemos notar como a posição da mulher passou por muitas mudanças, essa situação se dá como descreve o autor, pelas necessidades das épocas, cultura e ambiente, que ao longo do tempo foi centralizando o poder predominantemente no masculino, dando a este o controle sobre a mulher, os filhos e as vidas destes. Situação que só passou a ser questionada com industrialização e urbanização quando as mulheres começaram a trabalhar nas ruas e a ter acesso a estudo.

Com os movimentos feministas e mudanças políticas situação de submissão da mulher vem aos poucos sendo questionada e, refletindo em maneiras de se combater este tipo de crime, que foi só em 2006 com a Lei Maria da Penha, que a criação de estratégias que proporcionou a modificação da modalidade da pena, competência para julgamento e a natureza jurídica da ação penal nos crimes de violência doméstica.

Dessa forma, a crítica levantada se pauta na relação de domínio que o homem exerce sobre o corpo da mulher em que vem de um longo processo da naturalização da violência contra a mulher, de uma cultura patriarcal e um contexto geográfico e histórico-cultural.

É incontestável a influência da construção social nos índices alarmantes de violência contra mulher. A história do desenvolvimento econômico e das sociedades em si é o início da legitimação de estruturas de poder dentro das relações familiares, onde o homem possui controle sobre sua esposa e essa, por sua vez, é pertencente a ele como se fosse um produto. Esse controle salienta a fragilidade do que também historicamente caracteriza a imagem do homem a ser respeitado socialmente, devendo este ser o provedor do lar, o que bastaria para manutenção do vínculo familiar sem precisar, portanto, ocupar-se de outras questões que o envolvem, por exemplo, da educação dos filhos.

É também importante pontuar o papel de gênero, que contribui para a culpabilização da vítima mesmo pelos homens e por outras mulheres, pois culturalmente a mulher é como pertence do homem em uma relação romântica e por isso tende a aguentar tanta violência e maus tratos dirigidos a si. Junto a isso vislumbra-se o mito do amor romântico, que traz a perspectiva de um amor onde todo tipo de problema pode e deve ser aguentado em decorrência de uma idealização de um relacionamento perfeito.

Por toda a trajetória da construção dessa imagem de amor, calcada na relação entre um homem e uma mulher, onde a mulher é assumida pelo homem como um objeto ao qual ele tem posse, as demonstrações de ciúmes exagerado são usualmente sentidas como uma forma de demonstrar amor e cuidado, assim como esse controle obsessivo. Essa definição cultural dos papéis a serem desempenhados coloca a responsabilidade de quaisquer outras tarefas vinculadas à manutenção familiar na mulher, que apenas se ausenta das obrigações financeiras. Da mesma forma, para reafirmar a reputação do homem respeitável socialmente, a mulher deve a ele satisfação, obediência e até seu direito de viver.

Portanto o sistema judiciário carece de discernimento para validar a violência doméstica como crime devido a essas construções culturais que legitimam a relação de posse do homem com a mulher e o garantem o direito de executarem sua própria justiça, bem como, a não existência de discussões sobre pesos e medidas sobre a violência contra mulheres negras em relação aos atravessamentos e interseccionalidade no Brasil, em que a pouca visão de justiça que se tem trabalhado e construído, se articulou em apenas mecanismos de defesa da uma mulher branca com recursos econômicos individuais que possa se sustentar.

*MARIANE MAIA BRASIL FARIA - CRP: 06/177423


 























-Psicóloga cínica graduada pela Universidade de Mogi das Cruzes (2021);

-Pós-graduada  em Psicopatologia pela CEEPS (01/2024) ;e 

-Atuação na abordagem da Psicánalise

Nota do Editor:

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