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sábado, 14 de setembro de 2024

Desvendando o X da Educação para a Tecnologia


 Autor: Durval Lucas Jr.


A recente proibição da rede social X no mercado brasileiro tem gerado polêmicas não só na perspectiva tecnológica, mas também na jurídica e na econômica. Não se pode negar que as redes sociais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, e que a suspensão de uma plataforma relevante como o X tem impactos na vida de pessoas e empresas. Enquanto o fim do banimento não aparece no horizonte, usuários brasileiros procuram alternativas, num êxodo pouco usual em escala mundial, mas que aqui conhecemos bem – pois já ficamos algumas vezes sem WhatsApp por razões similares.

Está sendo interessante acompanhar como as pessoas estão descobrindo as alternativas existentes: de um lado, a plataforma Threads, da Meta; do outro, a Blue Sky, nova entrante fundada por ex-membros do antigo Twitter. No geral, as pessoas têm entrado nas plataformas procurando não apenas uma alternativa ao X, mas uma cópia na qual possam sanar sua abstinência de conteúdos e interações. Diante disso, naturalmente a frustração e as reclamações se amplificam.

Refletindo sobre esse comportamento, veio o questionamento sobre como estamos cada vez mais deixando de focar em conceitos tecnológicos mais amplos, para focar em ferramentas específicas. Ao longo da minha experiência como docente da área de Tecnologia para o curso de Administração, tenho testemunhado ocasiões em que os estudantes relatam que seus professores focaram demais em destrinchar determinadas ferramentas, e que isso acabou desviando o foco de um aprendizado mais holístico. Pior: como tendências tecnológicas nem sempre se sustentam ao longo do tempo, algumas destas ferramentas acabam em desuso, o que torna o investimento de tempo e recursos para o aprendizado daquela ferramenta um verdadeiro desperdício.

Esse olhar excessivamente aplicado na especialização em certas ferramentas ou aplicativos pode criar profissionais míopes, que perdem a capacidade de analisar o contexto tecnológico de forma ampla. Com pouca capacidade de variabilidade num contexto de constantes mudanças, acabam diminuindo os níveis de empregabilidade. O que, por sua vez, ajuda a explicar o contraste entre a crescente oferta de vagas nos cursos de Tecnologia das instituições de ensino superior (IES) e a dificuldade das empresas em contratar profissionais que atendam às suas necessidades.

Podemos ver claramente os impactos desta abordagem educacional pouco versátil com a reação de completo desespero de alguns profissionais de mídias sociais e criadores de conteúdo, quando se viram sem fonte de receita após o X ter saído do ar. Será que, se essas pessoas tivessem aprendido a depender menos de uma ferramenta específica, teriam criado estratégias tecnológicas diferentes para seus negócios, e estariam menos vulneráveis ao banimento do X? Por outro lado, que lições os docentes aprenderão deste episódio, e efetivamente levarão para suas salas de aula?

É claro que pode haver divergências em relação ao que estou dizendo, mas diante desta minha observação sobre a realidade do mundo tecnológico, tenho por princípio não me aprofundar em ferramentas tecnológicas específicas, mas apresentar os princípios e práticas relacionadas a cada uma delas. Com isso, parto do pressuposto de que o estudante conseguirá, na sua prática profissional, os insumos necessários para aprender aquela ferramenta que a empresa utiliza, e poderá reaprender quando mudar de empresa ou de ramo. Na sociedade do tutorial, onde qualquer conhecimento pode ser facilmente encontrado num vídeo do YouTube ou de outra rede social, acredito que o papel do docente passa a ser o de instrumentalizar os estudantes, criando as condições críticas de aprendizagem para que possa se apropriar do conhecimento e ter a capacidade de reaprender quando for preciso.

Reconheço que o maior desafio de promover uma educação mais, digamos, principialista no ensino das Tecnologias da Informação e Comunicação é a dificuldade que alguns estudantes podem ter em tangibilizar os conceitos que estão sendo vistos em sala de aula. O que acabaria criando um outro problema: estudantes que transformam teoria em abstração, e acabam sem uma percepção clara da realidade dos negócios. Daí, a necessidade de utilizar metodologias ativas de ensino, como os estudos de caso, as abordagens focadas na resolução de problemas, ou mesmo o compartilhamento de experiências – método bastante válido quando a sala de aula já conta com estudantes que trabalham.

Para encerrar, recorrerei a uma estória que ilustra bem como a dependência em relação a uma determinada tecnologia pode afetar a criatividade e a versatilidade dos profissionais. Nesta estória, uma criança se surpreende ao descobrir que, na época de seu avô, a internet simplesmente não existia. Incrédula, a criança pergunta: "Como vocês viviam num mundo sem internet?" No que o avô responde, do alto de sua sabedoria: "De fato, não tínhamos internet. Mas aí nós fomos lá e a criamos."


*DURVAL LUCAS JUNIOR












-Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Alagoas - Ufal (2005);

-Mestrado em Desenvolvimento e Meio-Ambiente pela Universidade Federal de Alagoas - Ufal (2011); 

-Doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (2015):

-Atualmente, é professor associado e pesquisador do Departamento de Administração da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Entre os interesses de pesquisa, estão o uso de TIC no ambiente organizacional, os negócios digitais e as tecnologias emergentes.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário:

  1. Excelente reflexão, Prof. Durval, um caso recente para explicitar uma preocupação que temos há tempos: o imediatismo da prática. Parabéns.

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