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terça-feira, 8 de abril de 2025

Limbo Jurídico Previdenciário


 Autora: Fernanda Carlos da Rocha Romão (*)

Conceito/definição
 
O empregado que se encontra incapacitado para o trabalho, seja por doença ou acidente, com nexo causal ou não com o trabalho, a partir do 16º dia de afastamento, percebe benefício previdenciário por incapacidade até a completa recuperação do seu estado de saúde.

Durante esse período, o seu contrato de trabalho fica suspenso.

Ocorre que, em muitos casos, quando o empregado recebe a alta previdenciária, pois o perito do INSS entende que inexiste a incapacidade para o trabalho, ao se apresentar à empresa, para retornar as suas atividades laborativas, o médico do trabalho declara que o funcionário está inapto para a sua função, recusando dessa forma, o seu retorno ao posto de trabalho.

Assim, o empregado fica desamparado, tanto pela seguridade social, quanto pela empregadora, sem receber benefício previdenciário ou salário, caracterizando-se assim, o limbo jurídico previdenciário.

Em linhas gerais, o limbo previdenciário é o período em que, após a alta previdenciária, ao se reapresentar a empresa para retomar as suas atividades laborativas, ela recusa o seu retorno, alegando que o empregado não está apto para o exercício de suas atividades laborativas, baseada na avaliação do médico do trabalho, e nesse ínterim, o empregado fica sem receber benefício previdenciário e salário.

Dessa forma, para a configuração do limbo previdenciário são necessários a alta médica previdenciária, a apresentação do empregado para retorno ao trabalho e a recusa da empresa em tê-lo de volta aos seus quadros funcionais.

Previsão legal

Não existe atualmente em nosso ordenamento jurídico, lei que regulamenta a situação do limbo jurídico previdenciário, ficando sob a responsabilidade do Poder Judiciário suprir tal lacuna normativa.

Inobstante a ausência de previsão legal, o Poder Judiciário tem fundamentado as suas decisões em outras fontes do direito, a exemplo:

-Constituição Federal, dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), direito à proteção social (art. 194);

-Código Civil, responsabilidade civil das empresas, que devem indenizar os trabalhadores em caso de danos causados por sua atividade, a qual deve assumir os riscos de sua atividade. Artigos 186, 187, 927, 932, inciso III;

- Consolidação das Leis do Trabalho, art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada;

-Princípio da continuidade da relação de emprego - Súmula 212, TST. DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado; e

-Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental.

No entanto, está tramitando na Câmara dos Deputados, o projeto de lei nº 6.526/2019, que visa regulamentar o limbo previdenciário, atualmente está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, chegou à comissão em 03/12/2021. Segue ementa:

EMENTA

Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para dispor sobre a responsabilidade do empregador pelo pagamento de salários após a cessação ou o indeferimento do benefício previdenciário a seu empregado e estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para as ações que objetivem o esclarecimento da questão relativa à aptidão ou à inaptidão para o trabalho e a condenação ao pagamento do salário ou do benefício previdenciário, na hipótese de divergência entre a conclusão da perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o exame médico realizado por conta do empregador.
Provas

Apesar do entendimento jurisprudencial, quanto ao ônus da prova ser do empregador, quanto a recusa da prestação de serviços pelo empregado, temos a Súmula 32 do TST, a qual estabelece que se presume abandono de emprego, caso o trabalhador no prazo de 30 dias, após a cessão do benefício previdenciário, não retornar ao trabalho. Cita-se:

Súmula nº 32 do TST

ABANDONO DE EMPREGO

Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.
Dessa forma, é importante frisar que, cabe ao empregado reapresentar-se na empresa após a alta previdenciária, sendo importante possuir uma via do ASO – atestado de saúde ocupacional e/ou outra prova documental, que comprove que comunicou a empregadora acerca da cessação do seu benefício.

Estabilidade provisória – artigo 118 – Lei nº 8.213/91

Nos casos em que o afastamento do trabalho, decorre de acidente do trabalho ou doença do trabalho, o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 prevê a estabilidade provisória, pelo prazo mínimo de 12 meses, após a cessação do benefício por incapacidade:
Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Não se pode olvidar que, existe previsão legal equiparando doença do trabalho em acidente, portanto, também é cabível a aplicação da norma legal supracitada, nos casos de doença, nos termos dos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I- doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; (NEXO CONCAUSAL);

II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho;

§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior.

 Impactos trabalhistas

O entendimento majoritário da jurisprudência trabalhista, é no sentido da responsabilização dos empregadores, determinando a sua reintegração no emprego, em função compatível com seu estado de saúde, com o pagamento dos salários desde a cessação do benefício previdenciário até o efetivo cumprimento da ordem judicial, ou, com o pagamento dos proventos em forma indenizatória, nos casos em que há impossibilidade ao retorno das atividades, sendo ainda reconhecido, o direito a estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/91.

Pelo lado do empregador, em busca da mitigação dos riscos, o ideal é convocar o retorno dos empregados a uma função compatível as suas condições de saúde, a fim de se evitar agravamento ao seu quadro clínico, com a consequente responsabilização civil da empregadora, nos casos de doenças e acidentes relacionados ao trabalho.

Sendo que, caso seja restabelecido o benefício previdenciário ao empregado, a empresa poderá mover ação regressiva em face do INSS, para ter o ressarcimento dos valores pagos durante o limbo jurídico previdenciário.

Impactos previdenciários

- Da qualidade de segurado

A depender do período do afastamento previdenciário do empregado, uma dúvida e preocupação comum é a manutenção da qualidade de segurado, sendo que a TNU – Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, fixou o entendimento de que, durante o período do limbo previdenciário, mantém-se a qualidade de segurado, através do Tema nº 300:
Tema 300 da TNU. Quando o empregador não autorizar o retorno do segurado, por considerá-lo incapacitado, mesmo após a cessação de benefício por incapacidade pelo INSS, a sua qualidade de segurado se mantém até o encerramento do vínculo de trabalho, que ocorrerá com a rescisão contratual, quando dará início a contagem do período de graça do art. 15, II, da Lei n. 8.213/1991.
- Tempo de contribuição e recolhimentos previdenciários

Outro impacto ocasionado ao trabalhador, é a inclusão na contagem do tempo de contribuição, do período em gozo do auxílio-doença e do limbo jurídico previdenciário, tendo em vista que, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que, somente será computado para fins de carência esse período, se intercalado de atividade laborativa ou pagamento das contribuições previdenciárias. Cita-se o Tema 1125 do STF:

Tema 1125 - Possibilidade de contagem, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo de auxílio-doença, desde que intercalado com períodos de atividade laborativa.

Tese:

É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.

Diante desse impasse, muitas vezes o trabalhador busca a concessão da aposentadoria, porém, pela falta da intercalação de atividade laborativa ou pagamento de contribuições previdenciárias entre o período de gozo de auxílio-doença, ele tem o seu pedido indeferido pelo INSS.

Conclusão

Este é um tema ainda muito controverso em nosso ordenamento jurídico, diante da falta de previsibilidade legal. Todavia, é uma situação muito recorrente que possui impactos previdenciários e trabalhistas e que deve ser acompanhado com muita cautela, pelas empregadoras que possuem funcionários afastados do contrato de trabalho diante do recebimento de benefício por incapacidade temporária.

Pelo lado do trabalhador e segurado, este deve comunicar imediatamente a empresa, quando tiver alta médica do INSS, preferencialmente, formalizando esta comunicação por escrito, seja por e-mail, via whatsapp, telegrama, para que possa se resguardar e ter como comprovar que a empresa teve ciência.

Quando a empregadora, esta deve convocar o trabalhador a retornar as suas atividades laborativas, encaminhando-o ao Médico do Trabalho, para que este avalie as condições de saúde do funcionário, se está apto ou inapto para retornar às suas atividades laborativas ou se possui restrições médicas ao exercício de funções anteriores, se deve ser readaptado a outras atividades laborais compatíveis com suas condições físicas atuais.

O grande impasse nessa situação é a divergência da conclusão médica do INSS e do médico que está acompanhando o tratamento do trabalhador, pois em muitos casos, acontece que, apesar da alta médica da Previdência Social, o empregado possui laudo médico em que é indicado o seu afastamento do trabalho.

Inobstante tal divergência de entendimento, médico do INSS x médico que acompanhado o empregado, é importante frisar que o segurado não pode ficar à deriva da própria sorte, sem receber benefício e salário, em que muitas vezes, é orientado pela empregadora a fazer recurso administrativo, pedir prorrogação do benefício ou até mesmo dar entrada em um novo pedido.

Na grande maioria dos casos, o INSS nega o pedido administrativo, sendo que o trabalhador fica meses esperando a análise de seu recurso ou a realização de perícia médica, para obter uma resposta negativa da Previdência Social.

Portanto, tal situação é extremamente delicada para ambas as partes envolvidas, empregado e empregador, diante dos diversos desdobramentos e implicações expostas, sendo que deve-se analisar caso a caso individualmente, indicando-se sempre a consulta com profissionais especializados em direito previdenciário e trabalhista, para obter uma melhor orientação ao caso em concreto.

*FERNANDA CARLOS DA ROCHA ROMÃO


Bacharel em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas,- FMU (2014);

-Pós-graduanda em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD;

-Pós-graduanda em Direito Previdenciário pela MaxJuris;

-Advogada integrante do corpo jurídico do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos – SINDINAPI, atuante em ações individuais ,com enfoque em direito previdenciário.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

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