Autora: Cinara Luiza Souza Ventura (*)
INTRODUÇÃO
É do conhecimento de todos que o dia 08 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Nessa linha, o dia é reservado para enaltecimento da ser mulher, através de mensagens carinhosas e exaltando a importância da mulher na sociedade.
Mas será que o dia 08 de março consiste apenas nisso? Será este o real objetivo, apenas um dia de autocuidado para com as mulheres?
Após esse, tudo é voltado ao normal, entretanto, tal dia é um dia político e que a sua lembrança deveria ser chamada á atenção para o que veio a ser conquistado e o que as mulheres encontram no meio sociedade nos dias que correm.
Mulheres, mulheres, sempre vistas como sexo frágil, ao longo de muitos anos foi impedida de exercer ofícios diferentes dos domésticos, sendo esse "cuidado" estendido a votar, usar calças, andar nas ruas sem companhia, viajar sem autorização do esposo e trabalhar em empresas.
Presume-se que embora, a sociedade tenha sofrido diversas mutações, esta “proteção” ainda perpetua em nosso meio, de modo que surge o seguinte questionamento: Realmente é cuidado ou se vislumbra uma possível incapacidade feminino em exercer as ações similares às masculinas? Seria uma ação do patriarcado combinada com o machismo? Se o questionamento não procede, por qual motivo ainda falamos da desigualdade de gênero? Porque existem leis que amparam às mulheres e elas ainda continuam sendo menosprezadas e assassinadas, sob a escusa "limpar a honra"? O que vem a ser o Dia Internacional da Mulheres na atualidade?
Para responder as perguntas acima, o presente artigo possui como escopo rememorar o Dia Internacional da Mulher e evidenciar o que vem sido feito em prol das mulheres à atualidade.
1. DIA INTERNACIONAL DA MULHER
O labor em condições desfavoráveis, o impedimento em exercer o direito ao voto e dentre outras condições degradantes, fizeram que o Partido Socialista da América escolhesse um dia para realizar manifestações em prol de direitos civis.
Ao ganhar forma, essa ideia chegou ao conhecimento da Interacional Operária, uma organização de partidos de operários e socialistas que tinha como ideal lutar pela redução da jornada de trabalho para 08 horas diárias.
Assim sendo, em 1909 deu-se início as comemorações do Dia Internacional da Mulher, sendo estes presentes nos Estados Unidos e em países europeus, possuindo manifestações de cunho de igualitário, tanto na seara social, como trabalhista e político.
Cabe ressaltar que aos longos dos anos, tal comemoração nos termos acima elencados, como manifestações e marchas perpetuaram, como em 1917 quando a Rússia instituiu várias manifestações visando melhores condições de labor e vida para as mulheres, bem como evidenciar a insatisfação com a entrada da Rússia Czarista na 1º Guerra Mundial.
Contudo, com a tragédia ocorrida aos dias 25 de março de 1910 em Nova York, na fábrica de têxtil, local onde centenas de mulheres foram trancadas e carbonizadas, em resposta aos protestos e greves por melhores condições de trabalho, que a Organização das Nações Unidas em 1975, declarou o Dia 08 de Março é celebrado o Dia Internacional da Mulher.
Desde então, presume-se que luta não foi vão, no Brasil, podemos destacar que em 1932 foi reconhecido o sufrágio feminino, foi retirada da Consolidação das Leis do Trabalho o artigo 446 que adotava o entendimento de que era necessário que as mulheres possuíssem a autorização do marido para trabalhar, bem como foi reconhecido a licença-maternidade e intervalor intrajornada para amamentação daquelas que haviam filhos recém nascidos.
Reafirmando a tutela dos direitos acima, veio a Constituição da República de 1988 para estabelecer que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (vide artigo 5º, I, da CRFB), dando origem a diversas legislações de amparos à mulher que será tratado no próximo tópico.
2. ENFRENTAMENTO DA MULHER NA SOCIEDADE
Com a amplitude de direitos reconhecidos seria estranho mencionar que em pleno século XXI, ainda nos deparamos com desigualdade salarial entre gêneros (expressamente vedado no artigo 7, XXX da CRFB/88), com mulheres sofrendo violência doméstica a cada 02 minutos (Lei 11.340/06), feminicídio (crime previsto no artigo 121, §2°, VI do Código Penal), com mulheres sendo estupradas a cada 11 minutos (conduta tipificada nos artigos 213 e 217-A do Código Penal).
E em meio disso tudo, o dia 08 de março é usado no Brasil para enaltecer a existência das mulheres, de modo que comércio aproveita a data para fazer promoções de itens usados para cuidados femininos, as floriculturas lucram com a venda de flores e dentre outros estabelecimentos.
Em suma, fatos como esses nos colocam a refletir no porquê desta data não ser vista como política e situações como esta continuarem ocorrendo e ganhando proporção nos noticiários e demais mídias. O dia é lembrando, mas o que falta na sociedade e ordenamento jurídico para combater esses descumprimentos de preceitos legais e crimes em prol da finalidade desta data?
3. PATRIARCADO E MACHISMO
Na maioria das vezes que se discute a situação de vulnerabilidade das mulheres frente à sociedade, o termo "patriarcado" e "machismo" surgem como forma de justificativa desta situação vivenciada pelas mulheres.
O Patriarcado é reflexo da organização societal da modernidade, em que o lugar das pessoas foi definido por meio da distinção sexual binarista. À mulher ficou reservado o espaço privado e ao homem o espaço público. Importa ressaltar que o patriarcado, enquanto construído societal se caracteriza enquanto sistema de exploração.
No que tange aos setores de influência do patriarcado e suas explorações pode-se afirmar seus reflexos sobre o espaço político, espaço doméstico e espaço profissional, sendo o primeiro minimamente ocupado por mulheres, já o segundo em sua grande maioria ocupado por mulheres, e por fim o terceiro, apesar das mulheres exercerem seu direito ao trabalho, são exploradas por meio da discriminação salarial e pelas dificuldades na ascensão profissional.
O termo "machismo" configura um tipo de preconceito que intitula o sexo masculino como superior ao sexo feminino, estabelecendo benesses aos homens e desfavorecimentos as mulheres como um todo, subjugando o sexo feminino e fazendo que estas curvem-se aos ditos masculinos.
Nesta linha, para Drumont (1980), o machismo, em suma, seria "um sistema de representações-dominação que utiliza o argumento do sexo, mistificando assim as relações entre homens e mulheres, reduzindo-os a sexo hierarquizados, divididos em polo dominante e polo dominado"
Esses movimentos contribuem na possível escusa do porquê mulheres são violentadas quando estão sozinhas e na rua à noite, bem como quando conseguem um cargo importante em alguma empresa e é questionado se não houve favorecimento sexual para tal, e por sofrer as variantes da violência doméstica (moral, patrimonial, sexual, psicológica e física).
Assim sendo, por mais que o ordenamento jurídico crie legislações que visem tutelar os direitos das mulheres, discriminações, abusos, assédios e demais violências perpetuam, que seja em qualquer ambiente que estas frequentem.
Salientando a ascensão do patriarcado na vida da mulher, dentro da sociedade, o próximo tópico abordará sua intervenção no ordenamento jurídico.
4. INFLUÊNCIA DO PATRIARCADO E DO MACHISMO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Embora como visto anteriormente que após demasiadas lutas femininas muitos direitos foram reconhecidos, contudo, ainda há que se falar em maleza no que diz a respeito este assunto.
Nesta linha, com a entrada em vigor da Lei 11.340/2006 que possui como finalidade erradicar a violência contra mulheres, muitos magistrados não a aplicavam em casos similares utilizando princípio da isonomia previsto no artigo 5º, I, da Constituição da República de 1988 como escusa, sob o entendimento que homens e mulheres são iguais perante a lei e que legislação retro colocava em descrédito, bem como desrespeitava este último artigo.
Para sanar tal adversidade foi necessário que o Presidência da República da época propusesse ao Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade 19. Tecnicamente falando, a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) consiste em declarar a constitucionalidade de uma lei colocando-a em harmonia com o texto constitucional atingindo os efeitos esperados para todos os envolvidos.
Por unanimidade, o acórdão do ADC 19 foi julgado procedente para declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006.
No que tange ao crime de estupro de vulnerável, em alguns casos dizer frente aos Tribunais que a pessoa menor de 14 (catorze) havia consentido a conjunção carnal era comum nas defesas dos réus. Com isso, o REsp 1.480.881 foi basilar ao reconhecer que manter relações sexuais com menor de 14 (catorze) anos, mesmo usando como defesa o consentimento da mesma caracteriza o tipo penal do estupro de vulnerável.
E recentemente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779 conseguiu parcialmente a medida cautelar para firmar como tese o entendimento de que o uso da legitima defesa da honra para justificar feminicídios a defesa é inconstitucional.
Em décadas passadas, comumente assassinar esposas em caso de adultério sob a escusa de que estava “lavando a honra com sangue” era admitido e compreendido como uma legítima defesa. Entretanto, com o advento da Constituição da República de 1988 e Código Penal de 1940, em seu artigo 121, §2º, inciso VI que estabelece o crime de feminicídio (vide Lei 13.104/2015), foi preciso propor essa ADPF, pois esta rege sobre lacunas existentes quanto o direito pré-constitucional, da controvérsia constitucional sobre normas revogadas, e sobre o controle de constitucionalidade do direito municipal frente a Constituição da República de 1988.
Vistos os casos acima delineados, permanece evidente a influência do machismo e patriarcado no ordenamento jurídico, lesando brutalmente o corpo feminino.
Contudo, estes mecanismos ainda perpetuam sob a égide do direito. No ano 2020, uma justificativa arcaica e eivada de machismo foi utilizada como meio de absolver o réu acusado de estupro, refiro-me ao Caso Mari Ferrer, onde o advogado arquitetou a tese de "estupro culposo", além de humilhar-lhe em audiência.
Entretanto, dada as circunstâncias que em meio a retrocessos como o destacado acima, cabe alegrar-se com as evoluções do ordenamento e presumir que tendência será de progresso e não de total retrocesso.
E por fim, no que se refere a desigualdade salarial entre gêneros, embora vedada, muito bem fundamentada e prevista no artigo 7º, XXX, da Constituição da República de 1988, esta ainda paira na sociedade brasileira. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada entre os anos de 2012 a 2018, entre pessoas com faixa etária de 25 a 49 anos, a diferença salarial reduziu, todavia, existe uma variável de que em média as mulheres auferem em média 20,5% (vinte vírgula cinco pontos percentuais) a menos do que os homens.
5. CONCLUSÃO
Ante o evidenciado, conclui-se que Dia Internacional da Mulher não carece ser lembrando no Brasil tão somente no dia 08 de março, porém todos os dias, e além dos agrados e carinhos que os comércios facilitam que sejam feitos às mulheres, cabe a sociedade como um todo, principalmente ao ordenamento jurídico desbravar o machismo e o patriarcado enraizado, fazendo valer a luta diária das mulheres enquanto pertencentes à sociedade, vislumbrando que a mulher pode ocupar todos os polos existentes, bem como ser respeitada, não somente porque a lei disciplina, mas por questões de princípios.
Como prevê a Constituição da República (arts. 6º¸caput e 205) as oportunidades em questões de estudo são dadas às todos, quer seja mulher, quer seja homem, nada mais justo do que estendê-las em todas as searas e propor as mesmas condições que os homens possuem, retirando qualquer hipótese de que houve espécie de favorecimento sexual para ocupação de tal cargo, bem como que por ser vista como “sexo frágil” e fazer a alusão de que mulheres "possuem nervos à flor da pele"” não são capazes de exercer funções como de chefia e diretoria por não possuírem o famigerado "pulso firme".
Por fim, é necessário também que o ordenamento jurídico continue evoluindo no cumprindo do seu papel em proteger todos, afastando qualquer tipo de noções machistas e arcaicas como meio de justificar o cometimento de tal tipo penal, bem como impondo o cumprimento das legislações que abordam questões de violência e desigualdade para com as mulheres.
REFERÊNCIAS
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, Planalto. 1988;
CÓDIGO PENAL, Planalto. 1940;
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, Planalto. 1940;
DRUMONT, M. P. Elementos Para Uma Análise do Machismo. Perspectivas. São Paulo, 1980;
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SAFFIOTI, Heleieth I. B. O Poder do Macho. Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitoshumanos/direitos-das-mulheres/obras-digitalizadas/questoes_de_genero/safiotti_heleieth_- _o_poder_do_macho.pdf
SILVA, Ivana P. A. da. Reflexões Sobre Família, Conjugalidade e Patriarcado. Florianópolis. Ed: Seminário Internacional Fazendo Gênero. 13° Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11. Transformações, Conexões e Deslocamentos. 2017;
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher#Uma_origem_mundial_para_a_data
*CINARA LUIZA SOUZA VENTURA
-Bacharel em Direito pela Doctum – Campus, João Monlebade/MG (2019);
-Pós-Graduada em Advocacia Criminal pela Escola Superior de Advocacia (ESA/MG) (2020);
-Pós-Graduanda em Mercado Financeiro e de Capitais pela PUC Minas;
- Mestranda em DFireito perla Universidafe Federal de Ouro Preto/MG;
-Advogada atuante desde 2019;
-Membra da Comissão de Promoção de Igualdade Racial e Diretos Humanos da OAB/MG Subseção João Monlevade/MG;
-Membra da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB/MG Seccional de Minas Gerais; e
-Membra da Associação Mulheres em Ação de João Monlevade/MG.
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.
Excelente análise.
ResponderExcluirNossa sociedade ainda está doente e precisa de tratamento. Temos que seguir fortes e empenhados em fazer o melhor e erradicar as diferenças.