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sábado, 20 de agosto de 2016

O Perigo da Terceirização dos Filhos


Com a participação ativa das mulheres no mercado de trabalho e o alto custo para contratação de empregados domésticos, muitas famílias tem recorrido à escola de tempo integral para deixarem seus filhos enquanto trabalham, uma opção mais viável, visto que as crianças estão em um local seguro, com atividades direcionadas e profissionais qualificados. Não posso deixar de destacar também a situação em que muitas famílias, por diversos motivos, não conseguem deixar seus filhos na escola e acabam delegando seus cuidados à vizinhos, amigos ou parentes, que sem qualificação para zelar pelo cuidar e educar destas crianças acabam por colocá-las em situação de extrema vulnerabilidade.

A problematização começa, na verdade, quando os papéis começam a se tornar um tanto quanto equivocados. Nas férias de janeiro e julho existem as “colônias de férias” onde são oferecidas atividades diferenciadas, mas as crianças continuam passando de dez a quatorze horas no ambiente escolar. Quando os pais tiram férias em seus empregos, as crianças na maioria expressa das vezes continuam frequentando a escola para que seus pais possam descansar, viajar e aproveitar os dias de folga.

Cabe então nossa reflexão: Quando as crianças tiram férias? Quando as crianças podem passear, descansar e brincar fora do ambiente escolar? Como ir à um parque, uma praia, fazer um piquenique, brincar com os colegas de pular corda, esconde-esconde, amarelinha, bolinha de sabão?

O cotidiano nos afasta de nossos filhos? Estamos sempre tão ocupados respondendo e-mails, olhando mensagens e trabalhando em tempo integral que nos esquecemos de organizar a mochila, de olhar a lancheira, sentar para brincar de massinha, acompanhar as consultas ao pediatra, cuidar deles quando estão doentes, acalentar após as vacinas, assistir um desenho, um filme junto com nossos filhos, sem colocar eles em frente à TV ou tablet para fazer algo “importante”?

Crianças que antes mesmo de completarem quatro meses de vida vão para a escola por 12 meses consecutivos por até quatorze horas por dia sem direito a um descanso e quando choram estão fazendo birra ou pirraça para entrar na escola. Existem escolas particulares que oferecem o serviço de “marmitex” para que quando os pais forem buscar os filhos já levem o jantar para casa.

Escola não é colônia de férias, não é hospital nem pronto-socorro, não é o quintal de casa nem a casa da avó, não é restaurante nem delivery de comida, escola é escola, lugar de brincar, aprender e ser feliz.

Nossos filhos precisam de menos atividades extracurriculares e mais convívio familiar. Existem crianças diagnosticadas com estresse, depressão e até pânico por serem forçadas a uma jornada tão exaustiva. Coloque-se no lugar de seu filho. Você suportaria?

Crianças se cansam, crianças precisam ir à escola sim, mas também precisam brincar com os pais, colegas da vizinhança, descansar e principalmente precisam da atenção de seus pais, de colo, carinho, amor, respeito, apoio e segurança.

Precisamos nos concentrar em dar menos e estar mais, mais presentes, mais ao lado, mais perto, mais do lado de dentro de nossos filhos!

Termino este primeiro artigo com uma frase de um querido amigo “Em tempos de desamor, criar com apego é um ato de resistência” Thiago Queiroz.

Por SAMIRA DALECK










-Graduada em Educação Física;
- Pedagoga com Especialização em Arte educação e História da Arte. 
Atualmente trabalha com a primeira infância e busca incansavelmente conhecimento sobre criação com apego, disciplina positiva e todo tipo de educação não violenta

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Como Escolher os Candidatos a Vereador?


Em 2 de Outubro deste ano iremos novamente às urnas para,  nas eleições municipais, eleger o Prefeito e os Vereadores de nosso Município.

Nesse artigo vou me dedicar a tratar das eleições para a Câmara dos Vereadores.

Nesse pleito, estabelece o art. 29 da CF/1988 que iremos eleger  até 9 vereadores para as cidades  com até 15.000 habitantes e até 55 vereadores para os Municípios com mais de 8.000.000 de habitantes.

No entanto, faltando 43 dias para essas eleições muitos de nós ainda não sabemos em quem votar para representar o nosso Município na câmara dos vereadores.

Mas o que é, quem pode ser e o que deve fazer um vereador?

A resposta à essas perguntas procurarei trazer neste pequeno texto de forma simples e objetiva.

O que é

Segundo a Wickipédia, a enciclopédia livre “Vereador é a designação tradicional, nos países de língua portuguesa, de um membro de um órgão colegial representativo de um município, com funções executivas ou legislativas, conforme o país. Os vereadores agrupam-se, normalmente, numa câmara municipal ou câmara de vereadores. Apesar de as origens do cargo remontarem à Idade Média, às origens do Reino de Portugal, no século XX, as câmaras municipais e os seus vereadores evoluíram para uma função legislativa e parlamentar no Brasil e para uma função essencialmente executiva em Portugal”.

Quem pode ser

De acordo com as nossas leis (art. 14 da CF/1988) podem ser eleitos como vereadores aqueles que tenham nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária; e idade mínima de 18 anos desde que não sejam analfabetos e conscritos assim entendido os cidadãos no cumprimento constitucional de prestação de serviço militar.

O que devem fazer

Como a sua função no Brasil  é parlamentar, os vereadores como agentes do legislativo devem elaborar, discutir e votar as leis municipais, ou seja, aquelas que envolvem impostos municipais, educação municipal, linhas de ônibus, saneamento, entre outros temas da cidade.

Agora que sabemos o que são, quem pode ser e o que devem fazer os vereadores, voltemos à questão principal e mais importante desse pleito que ainda está sem resposta: 

Como  escolher? 

Para obtermos essa resposta devemos nos ater aos três aspectos que julguei os mais importantes e que certamente lhes ajudarão nessa escolha:

1) Procure saber das ideias e da força política do partido dos candidatos escolhidos

Essa questão é importante porque se os partidos de seus candidatos não tiverem boas ideias e força política você estará colocando na Câmara  candidatos que não conseguirão aprovar os projetos para a sua cidade .Eles só irão fazer número e receber seus salários.

2) Pesquise bem o currículo e as propostas de seus candidatos

Nessa pesquisa, faça um pente fino naquilo que os seus candidatos já fizeram e procure analisar com cuidado se as propostas que eles apresentam são exequíveis ou apenas promessas mirabolantes. Ninguém faz milagre.

3) NUNCA vote só por amizade

Veja também a competência daqueles que receberão seu voto. O fato deles serem seus amigos não o capacitam a exercer bem a função da vereança. Existem outros fatores que devem ser levados em consideração, tais como, o conhecimento dos problemas da cidade e quais as possíveis soluções para estes.

Votar é um ato sério. Não o desperdice. Vote Consciente!!

Por ANA PAULA STUCCHI













-Economista de formação;
-MBA em Gestão de Finanças Públicas pela FDC - Fundação Dom Cabral;
-Atualmente na área pública
Twitter:@stucchiana

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

O Fenômeno da SAP-Síndrome da Alienação Parental


Autora: Sarita de Lurdes Ferreira Goulart(*)

Uma das áreas do Direito que mais vive e se vivencia é a área do Direito de Família, das áreas do Direito é uma das mais dinâmicas e o Advogado ou a Advogada Familista por mais que tente se alijar dos sentimentos emocionais que essa área do Direito atrai por vezes é quase impossível, pois, as tensões do dia a dia forense e os dramas pessoais vividos no ambiente dos seus escritórios por vezes exige do profissional uma atuação sensível a quem fala, exigindo-lhe muita paciência e não raro uma capacidade enorme muito mais para ouvir do que falar.

Por ser uma área dinâmica, a área de Família está em constante mudança , Leis novas entrando em vigor, Jurisprudência e Julgados sendo firmados, enfim, como dito no início desse artigo é uma área viva do nosso Direito, portanto, não é estanque, o que posso abordar aqui, hoje, pode amanhã ser considerado passado ou ultrapassado, assim o é.Mas, considero, importante e necessário o tema, porque por incrível que pareça, abordar Alienação Parental nunca é demais ou enjoativo, pois, apesar de ser um assunto muito falado nos últimos tempos é na sua essência ainda por muitos eu não me atrevo a dizer desconhecido mais eu diria com poucos estudos para nós operadores e manejadores do Direito e o que dirá aqueles que mais precisam saber sobre ela, ou seja pais que passam por processos de separação e que tem que litigar na justiça pela guarda ou regulamentação de visita de seus filhos.

Tudo começa por um conceito, e o conceito de Alienação Pariental nos é apresentado pela própria Lei que a denomina no seu Artigo segundo que assim preconiza " Considera-se ato de alienação parental a interferência , na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores pelos avós pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este." LEI 12.318- 2010- BRASIL.

É apresentada como Síndrome por um médico psiquiatra e professor da Universidade de Colúmbia nos EUA em 1985, em pesquisa particular, com foco nos casos de custódia nos processos de guarda de menores, esse pesquisador chamado Richard Gardner , observou que nessas disputas , as crianças e adolescentes envolvidas desenvolviam distúrbios psicológicos graves e sempre causados por um dos genitores que forçosamente atacavam o outro genitor diante do filho fazendo com que esse se voltasse contra repudiando-o, assim obtendo vantagem de alguma maneira no processo.A fonte para estudos, encontra-se no site Jus Navigandi, para quem se interessar.

No Brasil, nos últimos anos o tema da Alienação Parental tem invadido nossos Tribunais e , agora, os genitores, aqui no sentido amplo, ou seja, pai ou mãe, que se sinta prejudicado ou tolhido no seu direito de ter uma relação afetiva sadia, harmônica , com seus filhos em relação ao genitor que detenha à guarda tem hoje consagrado a proteção e o fundamento legal e aliado a isso , ainda o advento da Guarda Compartilhada, pois provada a alienação parental sofrida, após, um amplo estudo psicossocial que pode segundo a Lei ser de ofício determinado pelo juízo se necessário, poderá essa criança ou adolescente ter recuperado o ambiente familiar favorável que é o maior e principal espírito dessa lei.

Esses Institutos, a Lei 12.318 de 26 de agosto de 2010 , abordada nesse artigo, não como deveria, mas, apenas para comemorar seu advento, para que não passe em branco, pois, considero um avanço , e a Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, que disciplina a Guarda Compartilhada, eu saúdo, vieram na tentativa de conciliar e corrigir lacunas do poder familiar, pois, no meu modesto entendimento.

Até a próxima oportunidade.Deus os abençoe.

*SARITA DE LURDES FERREIRA GOULART










-Formada em Direito pela UNISINOS-São Leopoldo-RS - Turma de Janeiro/1988;
-Pós graduada no Curso de Especialização em Direito Político pela UNISINOS em 1990;
- Natural de Canoas - RS.
- Advoga no Escritório de sua casa em Canoas-RS
Email: saritagoulart@gmail.com
Celular: 51 9 9490-0440

Nota do Editor:
  
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Cabe indenização por danos morais em virtude de "Negativação Indevida" de Consumidor já negativado?


A indenização por danos morais é um dos assuntos mais encontramos no Poder Judiciário, na condição de advogado é normal às pessoas perguntarem: cabem danos morais?

Essa questão é muito delicada de responder, pois está condicionado a dois fatores, o primeiro sobre a possibilidade do pedido de danos morais e o segundo quanto ao reconhecimento pelo Poder Judiciário, no caso concreto, ao pedido de indenização por danos morais.

O primeiro fator é um direito subjetivo de qualquer pessoa de solicitar ao Poder Judiciário uma providencia quando entender que seu direito foi violado e o segundo corresponde ao reconhecimento do direito pelo juiz que vai dizer se aquela situação é passível ou não de indenização por danos morais e irá dentro da razoabilidade e proporcionalidade arbitrar um valor.

No direito do consumidor temos situações que são típicas de danos morais, como o caso comumente chamado de “negativação indevida”, quando o consumidor tem seu nome inscrito indevidamente como inadimplente nos bancos de cadastro de proteção ao crédito (SCPC, Serasa e etc).

Neste caso, demonstrado no processo que a anotação realizada é irregular que não há débito ou o débito não é legítimo o direito a indenização por danos morais nasce do próprio fato independente de prova efetiva do dano moral propriamente dito, ou seja, não é preciso provar de fato o abalo psíquico ou a honra, pois existe o entendimento consolidado na justiça que situações como essas por si só causam um dano moral.

Há ainda aqueles que entendam que o crédito é um direito imaterial que integra o patrimônio ideal das pessoas, ao lado da imagem, da honra, do nome e de outros direitos personalíssimos, sendo o fato de restringir o crédito uma violação a um direito imaterial, passível de indenização por danos morais.

Podemos perceber que até aqui não há conflito e em processos como este é comum acordo entre as partes, quando o credor reconhece o erro, pois a baixa no apontamento indevido não é o litígio, mas sim o valor da indenização, se limitando a discutir apenas a indenização já que o valor devido a título de danos morais fica a critério de prudência do juiz.

No entanto, existe uma situação que causa divergência quando estamos diante de um consumidor “negativado indevidamente”, mas que possui cadastro como inadimplente por outros apontamentos que são legítimos, ou seja, o consumidor deve não nega e irá pagar quando puder.

Neste caso, a controvérsia é tamanha que foi criado um entendimento jurisprudencial pelo Superior Tribunal de Justiça através da súmula 385 do STJ, cujo enunciado foi assim lavrado: "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvando o direito ao cancelamento."

Com a interpretação literal da súmula pode se chegar à conclusão de que aquele que já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastro de proteção ao crédito, pois mesmo com o reconhecimento da negativação indevida o consumidor ainda estaria com restrição ao crédito, sendo devido apenas à declaração da inexigibilidade do débito e a baixa da inscrição indevida.

Ocorre que, mesmo com o entendimento da súmula 385 do STJ, publicada em 27.05.2009, ainda pairou uma sombra de dúvida, uma vez as ações que formam os precedentes da súmula eram contra as empresas de banco de cadastros de inadimplentes e não contra credores que de forma equivocada realizaram anotações indevidas em face do consumidor.

Posto isto, para resolver a controvérsia o recurso especial nº 1.386.424/MG, foi o recurso de afetação representante da dúvida, com acórdão (decisão) publicado em 16.05.2016, sendo voto vencido o do Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, pois entendeu que “A inscrição indevida do devedor em cadastro de inadimplentes promovida pelo credor causa dano moral mesmo que existam inscrições anteriores ativas, o que deverá ser avaliado no momento do arbitramento da indenização”.

Contudo, o entendimento da corte no voto vencedor da Ministra Maria Isabel Gallotti acompanhado pelos demais ministros foi de que “A inscrição indevida comandada pelo credor em cadastro de proteção ao crédito, quando preexistente legítima inscrição, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento”.

Porquanto, com o presente julgado é possível afirmar que não cabe indenização por danos morais em virtude de “negativação indevida” de consumidor já “negativado” por dívida legítima e reconhecida, assegurando a este consumidor apenas o direito ao cancelamento da inscrição indevida.

Por FELIPE OLIVEIRA DE JESUS










 
Advogado inscrito na OAB/SP sob nº 330.434;
-Atua principalmente nas áreas do Direito do Consumidor, Cível(Indenizações e Execuções e trabalhista e
- É escritor de artigos para sites e blogs jurídicos.
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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Precisamos de legisladores que sejam como a mulher de César




Inicio minha fala situando o lugar dela, que é no caminho dos efeitos jurídicos em relação às repercussões dos escândalos políticos em nosso país. 

À primeira vista, a entrada para esse caminho pode parecer inóspita aos que não são familiarizados à área do Direito. E essa é muitas vezes a intenção dos que operam e elaboram as leis – deixá-las confusas, repletas de fórmulas complexas, palavras do baú da vovó e outras características que as tornem desinteressantes o suficiente para não aprender algo delas. Mas sendo a lei a representação da vontade de um povo, não devemos nos acanhar diante dela.

Trago para vocês um conto interessante de Franz Kafka para esclarecer a importância da participação e compreensão do povo em relação às suas leis:

"Diante da Lei está um guarda.
Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada.
O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
– "É possível” – diz o guarda. – "Mas não agora!”.
O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro.
Ao ver tal, o guarda ri-se e diz:
– "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara, sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas.
De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar.
O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta. Ali fica, dias e anos. Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes.
Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste.
Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima. Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda.
Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido.
-"Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda.– "És insaciável".

– "Se todos aspiram a Lei", disse o homem.
      – ”Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?".
O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido:
– "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a".

Com essa história Kafka nos mostra que nós, cidadãos, não devemos deixar jamais que se criem máculas para que possamos conhecer aquilo que é nada mais que a representação de nossa vontade democrática.

E é sobre vícios que criam obstáculos a essa vontade que falaremos um pouco hoje. Como sabemos, pedras no caminho da representação legítima e soberana do povo brasileiro, foi o que não faltou no século XX deste país. 

A luta pela democracia resultou, em 1988, na promulgação da Constituição brasileira que mais arrolou direitos individuais, políticos e sociais na História. A chamada “Carta Cidadã” mais do que documentar os anseios das lutas sociais, tratou de registrar o povo como detentor do Poder. Mas, num país de muitas revezes e instaurações de regimes totalitários, naquele momento de glória pelo reconhecimento dos direitos tão sofridamente lutados, perguntou-se o seguinte: o que garantirá no futuro que a legislação brasileira mantenha todas essas conquistas?

Pensando nisso, muniu-se a Constituição de instrumentos capazes de defender o cidadão (imagine!) da própria lei. Um desses instrumentos é chamado de controle de constitucionalidade, e assim se chama exatamente porque cabe à Constituição, na posição de lei máxima de uma nação, fiscalizar a compatibilidade de todas as demais leis com as suas regras. 

Desta forma, vamos a uma breve explicação desse controle pelo qual, caso passe a lei, poderá ser considerada constitucional. O primeiro caminho é saber se o conteúdo da lei acompanha os desígnios da Constituição. Isto é, a matéria tratada na lei vai de encontro ao que dispõe a lei máxima? Se não, ela é materialmente constitucional, passa-se à segunda fase: a forma. A lei passou por todas as fases que tinha de passar, foi proposta por quem estava autorizado a fazê-lo, foi votada pelo quórum suficiente? Se tudo for aprovado, finalmente, a lei constitucional.

Entretanto, uma questão vem se impondo diante dos frequentes escândalos políticos em nosso país. Quando leis são compradas, manipuladas ou instauradas visando interesses exclusivamente particulares, seria constitucionais?

Desde os primórdios da democracia, é se esperado do líder, seja ele o administrador, o julgador ou o legislador, a dignidade da coisa pública, a moralidade, devendo representar o homem público o respeito aos valores mais caros da sociedade de decência, do latim decet com paralelo ao decor, de decoro. Chega-se a lembrar da mulher de César:

A frase original surgiu após um escândalo em Roma, por volta de 60 a.C., envolvendo o homem mais poderoso do mundo, sua mulher e um nobre pretendente.

Pompéia vivia muito sozinha, enquanto o marido Júlio César passava meses com seus exércitos. É nesse cenário perfeito para as fofocas que surge Clódio, um nobre admirador da moça. “Numa noite, para conseguir se aproximar de Pompéia, ele entrou no palácio disfarçado, mas acabou se perdendo pelos corredores e sendo descoberto e preso”, diz a historiadora Maria Luiza Corassin, da Universidade de São Paulo.

O jovem foi levado ao tribunal e o próprio César convocado para prestar esclarecimentos. “Ele declarou ignorar o que se dizia sobre sua mulher e a julgou inocente”, afirma Maria Luiza. O penetra foi absolvido, mas Pompéia não se livrou do ostracismo e do repúdio do marido. Para quem o acusava de estar sendo contraditório, ao defender a mulher no tribunal e condená-la em casa, ele teria afirmado: 

"Não basta que a mulher de César seja honrada, é preciso que sequer seja suspeita"

Portanto, o sujeito que rege a coisa pública desviado dos valores de postura ética prezados pelos seus representados, falha com estes e, por consequência, não os representa. Ora, se o parlamentar é o representante da soberania do povo, sua vontade deve expressar somente uma consciência livre de interesses particulares, sob pena de se desviar do interesse público inerente de seu cargo.

Mas a questão central a se saber é: isso está previsto em lei. Num país legalista como o nosso, não basta a uma irresignação banhada na eticidade. É necessário que saia do banho vestida de lei. A questão da legalidade está presente em nossa Constituição Federal e em nossos costumes habituais. Se não há lei em nosso ordenamento validando tal decoro, atitudes indecorosas são então permitidas? Para nossa sorte, temos uma possibilidade legal partindo de uma interpretação harmônica de um tripé de fatores. O primeiro está na nossa Constituição, em seu art. 55, inciso II:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
[...]
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

É regra da hermenêutica jurídica que quem pode o mais, pode o menos. Assim, se pode o parlamentar perder seu mandato pela falta de decoro, é consequência lógica a conclusão de que os atos a ele vinculados então provenientes não permaneçam no mundo das leis. 

Some-se a isso, o fato de que estando o emanador da vontade conspurcado, sua própria vontade, produto da conspurcação, não encontrará solo fecundo para prosperar. a partir do momento em que se faz a prova de que ele votou determinado projeto de lei em razão de ato criminoso - corrupção - tal voto não poderá ser tido como válido, porque não está de acordo com sua consciência, mas sim com a consciência do corruptor. Nosso segundo fator, é o Código de Ética e Decoro Parlamentar, que trata de regulamentar o artigo constitucional, mais minuciosamente.

Agora sim, com este reforço legislativo, a irresignação social não encontra apenas fundo moral, pois se assim o fosse, correria o risco de cair na subjetividade de cada um de nós e estaria certo imaginar que um povo com hábitos corruptos, faz jus à sua imagem espelhada no Parlamento. Isso é uma falácia. Ainda que fossem minoritários os honestos, a harmonia necessária para manter uma sociedade coesa, regida por leis de natureza efetivamente garantidoras dos direitos humanos e fundamentais da pessoa, exige o reino da probidade. Uma revolução pelo assentamento ou banalização da imoralidade, é um retrocesso social que nosso ordenamento não permite, por acarretar a falência da sociedade.

Então, eis os três pés que compõem a base legal do reconhecimento de um vício de decoro parlamentar para declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos.

Na prática, não são poucas as leis que são confabuladas mediante ilicitudes, como, por exemplo, pagamento pelo voto parlamentar. Leis que são assim aprovadas, mediante mesadas (ou mensalões) aos legisladores corruptos para que as aprovem, merecem ser rechaçadas pelo Judiciário e declaradas inconstitucionais, visto que estariam viciadas desde a sua origem, criadas mediante fraude intencional da vontade legislativa, a qual não se mostrou honesta, pura e íntegra para a promulgação da exemplificativa norma.

A questão que se pode perguntar é: restariam muitas leis em nosso país depois dessa varredura ética da origem legislativa de muitas normas?

Obviamente é uma questão que demanda uma pesquisa sobre quantas leis foram frutos da corrupção parlamentar. Fato é que essa é uma questão que precisa ser pensada pelo nosso Judiciário, por ser absolutamente imoral e revoltante permitir que uma sociedade seja regida por normas originariamente criadas pelos vícios da falta da honestidade que gangrena até mesmo as leis desse país.

Por LUCAS CORREA DE LIMA

















-Graduado em Direito pela UEFS
- Sócio do Escritório de Advocacia Neves, Lima & Rios
-Conciliador do TJBA
EMAIL:lucascorreia303@gmail.com

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Para se pensar: Previdência Social: Haveria superávit ou a discussão é ideológica?



Em tese de doutorado [1] resumida em entrevista ao Jornal da UFRJ [2], a pesquisadora Denise Gentil denuncia uma “farsa da crise da Previdência no Brasil, que estaria sendo forjada pelo governo com apoio da imprensa”.

Isso colide, realmente, com tudo e com todos os especialistas a que tivemos acesso nas últimas décadas, a quem a professora de economia rotula como pensamento liberal-conservador hegemônico no Brasil nas décadas de 70 e 80.

Conforme descreve, a matéria do Jornal da UFRJ, a articulista invoca o conceito contido no artigo 195 da Constituição de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de “Seguridade Social”, mais amplo em prescrição de benefícios que a “Previdência Social”. O cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) sobre a folha de pagamento da massa trabalhadora formal, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores ou demais beneficiários. O resultado nesse espectro estrito, reconhece, dá em déficit. No âmbito da Seguridade Social haveria outras fontes de receita da Previdência a serem computadas, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos.

A acusação dos defensores do “welfarestate” (Estado de Bem-Estar Social), normalmente grupos de pensamento “humanista”, “social-democrata”, “progressista”, e auto-adjetivados por outros títulos assemelhados, sempre entre aspas, é que, não obstante constar na Constituição a obrigação do Estado em prover assistência ampla aos necessitados, como despossuídos, idosos, deficientes, e etc. que compõem a sociedade, o Estado brasileiro, contaminado por pensamento neo-liberal, os deixa ao sabor da perversidade do mercado. Dependendo do aprofundamento do grau de “progressismo”, podemos juntar a esses grupos, outros ligados a diversas minorias, aos quais cabem cotas, demarcações territoriais, prerrogativas de políticas públicas específicas, etc. etc.

O resultado desse viés de pensamento e visão de organização civilizacional que já percebemos em boa parte do mundo civilizado, notadamente na Europa, na visão democrata dos EUA e no próprio Brasil, é a fomentação à institucionalização da Estado-Dependência do cidadão, delegação a esse Estado das suas obrigações morais diante do semelhante (nossas escolhas por livre arbítrio de quem e quais grupos se entender que deva assistir) e, como ponto culminante, permissão a que o Estado se atribua vida própria e passe a ditar comportamentos, pensamentos, e passe a cobrar (e caro) por isso, em nosso nome e “para nosso bem”.

Mas as entidades de ensino estatais, ultimamente, estão aí para isso, não é mesmo? Derrubar paradigmas com endereço ideológico, claro, de forma a ocupar os que se preocupam em estudar e aplicar os modelos de sucesso, em gastarem energia para refutar tais teorias. Bastou o status quo conveniente entrar em risco de colapso, pronto: aparece uma tese de doutorado (o trabalho é de 2006) para que “repensemos nossos conceitos”, e devolvamos a prerrogativa da verdade absoluta aos seus reais proprietários: a esquerda.

Não sei se notaram [com ironia], mas por questão de princípios não sou muito chegado a esse tipo de tese. Acredito que as liberdades de pensamento e de iniciativa, com a respectiva economia de gastos com sustentação de Estado mais enxuto e menos bisbilhoteiro, podem nos manter humanos, solidários e mais responsáveis em gerir as relações sob todas as formas e conviver socialmente. Eu, por exemplo, nunca precisei de ONGs que me chamassem atenção para consumo espartano, bons tratos aos animais, assistência aos necessitados, ou vários outros bom-mocismos que nos dedicamos pela vida de forma discreta.

Eu prefiro me prender a máxima aprendida em casa que não podemos viver com o orçamento que não temos, e mais hora menos hora teremos que esquecer a CPMF e partirmos para soluções mais pés no chão, representadas neste quadro extraído de uma matéria sobre previdência, de O GLOBO, no dia 04/08, último. Friso que mesmo a restrita a Previdência Social (apêndice da constitucional Seguridade Social) carrega em seu bojo – e deverá seguir carregando, a meu contragosto – grupos que não colaboraram o suficiente para formarem poupança e fazerem jus aos benefícios recebidos (que eu chamo tecnicamente de contratados com o Estado).






Me perdoem por não estar sendo muito politicamente correto, mas é de propósito.

Saudações liberais!

REFERÊNCIAS


Por SIMON SALAMA










-Economista (PUC-RJ), com especialização em Comércio Exterior e Negociação Internacional (FGV-RJ), busca ter visão crítica (e própria) dos fatos, dos relatos, das notícias e da história contata e escrita

domingo, 14 de agosto de 2016

Em busca de si



É relativamente comum ouvirmos que procurar ajuda na psicoterapia é sinal de fraqueza – ou então de loucura. Guardadas as diferenças entre as percepções, ambas desvitalizam o encontro e possivelmente distraem quanto ao que de fato assusta nesse encontro: o desconhecido, o vínculo, o encontrar-se consigo mesmo, com o próprio mundo interno.

Precisar do outro é muitas vezes significado como expressão de fraqueza humana. Assim, pensar-se dependente de alguém – no caso da psicoterapia, do psicólogo – é algo que assusta muita gente. Dá um medo danado de se perceber dependente do outro como se incorresse em risco – quem sabe o risco de sentir as próprias emoções? Afinal, é no encontro com o outro que podemos nos conhecer e nos apropriarmos de nós mesmos – e também nos desenvolver. Ao conhecer mais de mim, de minhas próprias dificuldades e também potencialidades, tenho mais condições de lidar com meus aspectos internos. 

Como nos lembra Winnicott, psicanalista inglês, caminhamos de uma dependência absoluta, a do bebê, para uma independência relativa, afinal, sempre necessitamos do outro, seres gregários que somos. Podemos pensar até certo ponto sozinhos, mas necessitamos do outro, da alteridade, para que o pensamento possa de fato se desenvolver – ao encontrar o outro, não para segui-lo como a um receituário, imitá-lo ou venerá-lo, consigo ampliar meu campo de percepção, bem como posso sair em busca de mim mesmo, com chances reais de me encontrar comigo. Por meio da experiência e com o outro, posso conhecer mais de mim mesmo e ser quem sou.

Procurar ajuda na psicoterapia tem a ver com o que Suad Andrade, psicanalista, apresentou como sendo a capacidade de poder receber e usufruir de algo que vem do outro, o que demanda lidar com características muito pessoais e internas. Está ligado à capacidade de poder aprender e a partir daí se desenvolver – no caso da psicoterapia, aprender sobre si mesmo. Aprendemos se podemos receber algo, e nem sempre e nem todos conseguem receber algo de alguém. Para conseguir aprender, para Suad, preciso reconhecer que existe um outro, que é necessariamente diferente de mim; que esse outro existe e é importante e que posso confiar na minha capacidade de aproveitar e usar o que vem dele, de fora. Se considero o outro como importante, na visão da psicanalista, não preciso atacá-lo nem me desfazer dele, pelo contrário, posso usufruir desse outro. E, ao fazer isso, reconhecendo as coisas boas que possuo dentro de mim, também desenvolvo meus próprios recursos, confio que posso tolerar e suportar mais meus próprios sentimentos e emoções. A percepção do outro como necessário possibilita troca, oferecendo a oportunidade produtiva de questionamento ou mesmo de suportar dúvidas, sem se deixar, como Suad afirma, ficar enrijecido nas e pelas próprias certezas e convicções. Dessa forma, na verdade, podemos pensar que poder experienciar ser si mesmo junto com o outro, longe de ser sinônimo de fragilidade, demanda, por certo, muita coragem.

O que se observa, atualmente, em diferentes contextos, é, no entanto, uma tentativa de mostrar e até de provar que o outro não é necessário, em um individualismo crescente. Uma dificuldade e mesmo resistência em se formar vínculo, em se envolver com o outro. O que não se percebe, por outro lado, é o empobrecimento que essa mesma resistência provoca. Através de um isolamento, talvez pensem que possam se proteger – até mesmo do que sentem! – e se manter independentes e inabaláveis, como se isso fosse sinal de força...

Força e coragem talvez estejam, pois, associadas à capacidade de abertura ao desconhecido, ao outro, ao trabalho de estar com esse outro, de aprender sobre si na companhia desse outro, em um movimento de aproximação de si mesmo, que capacita poder cada vez mais usufruir dos próprios recursos pessoais, e é isso que nos dá a oportunidade de não enlouquecer. Não significa, contudo, que essa empreitada esteja livre de sentimentos ambivalentes e mesmo do medo de entrar em contato com nosso universo psíquico. Mas também é preciso coragem para se ter medo. E mais coragem ainda para se ir além do medo.

Por ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS
















-Psicóloga Clínica (CRP 06/90086) 
-Formada em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP);
-Mestre em Psicologia pela mesma Faculdade e Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia;
-Diretora de Ensino e Membro Associado do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto - IEPRP, onde também integra quadro de psicólogos clínicos e supervisores.;
-Possui experiência nas áreas clínica, da saúde, escolar/educacional e social, além de ensino e pesquisa;
-Atualmente, atende crianças, adolescentes e adultos na abordagem psicanalítica nas cidades de Batatais-SP e Ribeirão Preto-SP;
-Presta assessoria na área da Psicologia Escolar/Educacional a creches e escolas. Coordena grupos de estudos em Psicanálise e Desenvolvimento Infantil; e
- Ainda, atua como professora tutora em curso de Especialização em Psicologia, Orientadora de Monografia e como funcionária pública municipal.
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