Horas suplementares além do limite legal; não concessão de intervalos para descanso e alimentação; sobreaviso, e não concessão integral do período de férias. Esses são apenas alguns dos direitos dos trabalhadores que são violados, e via de regra, acarretam em jornadas exaustivas, que, diretamente, atingem a integridade física e psíquica, e por consequência, a dignidade do trabalhador, tendo como consequência jurídica a violação de seus direitos da personalidade, entre os quais a dignidade da pessoa humana, insculpido no Art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
O trabalho em jornada excessiva viola o direito ao lazer do trabalhador, direito fundamental previsto no artigo 6°, caput, da Constituição Federal, cujo objetivo é a melhoria da qualidade de vida, bem como a incolumidade física, a intimidade e a privacidade do ser humano, inclusive no âmbito laboral.
E é a violação desses direitos que geram ao trabalhador um dano existencial, e por consequência, o dever de indenizar. Se, inicialmente o dano existencial era tido como espécie ou um fator de majoração do dano moral, hoje ele é considerado uma nova espécie de dano, autônomo e independente, com indenização específica, uma vez que consiste no dano ao patrimônio jurídico personalíssimo, ligados à vida privada e à intimidade do trabalhador.
O dano existencial, também denominado dano ao projeto de vida, de acordo com o doutrinador José Affonso Dallegrave Neto é aquele que o trabalhador se vê vítima de práticas abusivas decorrentes do seu contrato de trabalho que acabam por comprometer e frustrar aquilo que o trabalhador idealizou como sendo o seu projeto de vida pessoal, vendo-se frustrado e infeliz (DALLEGRAVE NETO, 2014. p. 178).
É considerado aquele acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente - temporária ou permanentemente - sobre a sua existência. (SOARES, 2009, p. 44).
No que diz respeito aos elementos caracterizadores, o dano existencial possui elementos comuns como qualquer outra espécie de dano, entre eles a existência de prejuízo, o ato ilícito do agressor e o nexo de causalidade. E também a presença de dois outros elementos, a saber: a) o projeto de vida; e b) a vida de relações. (FROTA, 2010, p. 275).
E nesse contexto, em razão da caracterização dos danos aos projetos de vida dos trabalhadores, pelas jornadas excessivas e exaustivas as quais são submetidos, a jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e até mesmo o Tribunal Superior do Trabalho, passou a conceder a esses trabalhadores indenização por dano existencial.
O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região vem firmando seu posicionamento, no sentido de que configura abuso de direito a imposição de uma rotina de trabalho exaustiva, capaz de alijar o trabalhador do convívio social, da família, das atividades recreativas e de lazer, o que representa uma ofensa à sua vida privada, caracterizando dano existencial (Processo n° 0002232-08.2013.5.12.0054).
As jornadas de trabalho extremamente elastecidas caracterizam dano existencial, gerando o direito à reparação, pois demonstra, por si só, o desrespeito à dignidade do empregado e a violação à sua saúde e ao seu convívio familiar e social.
Importante destacar que não é qualquer conduta isolada e de curta duração por parte do empregador que pode ser considerada dano existencial. Deve se ter em mente que a conduta deve perdurar no tempo de forma a alterar o objetivo de vida do trabalhador, com evidente prejuízo à sua dignidade, saúde e convívio familiar e social.
Para tanto, o trabalho em jornada excessiva, por si só, não conduz à conclusão de que o empregado tenha sofrido dano existencial, sendo necessária a comprovação do alegado dano, pois o dano existencial, ao contrário do dano moral, não é presumível e necessita de comprovação, sendo este o entendimento seguido pelo Tribunal Superior do Trabalho (Processo nº 367-46.2014.5.23.0041).
Por derradeiro, a todo trabalhador é assegurado constitucionalmente o direito de gozar a vida com dignidade. Contudo, violado este direito por meio de lesão causada pela conduta ilícita do empregador e provado o efetivo prejuízo do trabalhador, resta caracterizado o dano existencial e por sua vez, o dever de indenizar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil do Direito do Trabalho. 5. Ed. São Paulo: Ltr, 2014;
FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista Ciência Jurídica, Belo Horizonte, v. 24, 2010; e
SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
POR CAROLINE BOURDOT BACK RISTOW
-Advogada trabalhista e
-Professora da Escola Superior de Advocacia da OAB-SC.
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