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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Nossos fragmentos





― Para Ondina ―

Alguma coisa se quebrou dentro de mim.
Mas a memória teima em juntar os cacos em que resultaram as imagens do que fomos um dia; do que fomos em um ontem não tão distante.

Inúmeras, essas Imagens não têm limites algum. Todas elas abusam de suas cores intensas, de seus matizes vibrantes.

Cito exemplos para você juntar comigo esses fragmentos cortantes, dilacerantes: – um pedaço de praia, ou um quebradiço fragilizado de maré preguiçosa, ou de um sol se embriagando no magenta escarlate do fim do mar. 

Podem ser fragmentos da luz morna do luar se metendo pelas frestas de uma de nossas janelas toscas, e desenhando sobre nossa cama rabiscos alucinados de desejos.

Alguns outros fragmentos de imagens guardam o cheiro do perfume de outrora, suave e colorido de flores e de manhãs de luz.

Alguns outros têm vozes claras, sonantes. E podem vir de mim mesmo ou de você; ou de nós dois, em uníssono, cantando canções de felicidade, ou alardeando aos quatro ventos, e para a quem quisesse ouvir, as incontáveis juras de um amor desenfreado, sem limites e sem um fim. Mas também podem vir, sorrateiras e em tons elevados, soltando palavras grávidas de desalento e de dor.

No entanto, eu sei: alguma coisa se rasgou dentro de mim. Mas a memória ainda teima em abrir o livro da história do que um dia fomos nós. Uma história que concebíamos não ter uma última página, um último parágrafo, uma última sentença. Muito menos um ponto final.

A minha memória ainda teima em guardar o pulsar desenfreado de nossas veias, o rumor ensandecido dos nossos desejos, o copioso suor de nossos corpos, as marcas ardentes nos nossos travesseiros, nas nossas fronhas, nos nossos lençóis.

Ela ainda teima em acreditar que não houve entre nós uma separação. A minha memória, tão tola ― pobre coitada! ― de tanto teimar se perdeu por entre as nuvens escuras de nossa tristeza. E pior ainda: se afogou nas águas profundas desse nosso tenebroso mar de pranto e de dores.

POR LUÍS LAGO




















- Acriano, por criação ─ Paulistano, por adoção ─ Cearense, por paixão;
- Cronista, por obsessão ─ Artista plástico e fotógrafo, por distração ─ Psicólogo, por formação e

-Autor de "O Beco" (poesias) e de "São tênues as névoas da vida" (romance EM estilo de "realismo fantástico")

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

3 comentários:

  1. Gostei da crônica. Ela me passou a ideia de uma melancolia recheada de cores e luzes vindas do coração.

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  2. Gostei da crônica. Ela me passou a ideia de uma melancolia recheada de cores e luzes vindas do coração.

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