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segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Apologia à Prorrogação da Pensão por Morte ao Beneficiário Estudante






Introdução


A questão ora trazida à apreciação já foi amplamente discutida num passado não tão remoto, o que deu azo à edição da Súmula nº 37 da TNU, publicada em 20/06/2007 (A pensão por morte, devida ao filho até os 21 anos de idade, não se prorroga pela pendência do curso universitário).

De se anotar, brevemente, que os precedentes que deram origem à indigitada súmula, enunciada com o fito de uniformizar o entendimento, em verdade deflagraram que a questão nunca foi tranquila, nem mesmo para se decidir quanto aos próprios pedidos de uniformização. Ora, o PU nº 2004.70.95.012546-1/PR, por exemplo - pedido de uniformização de interpretação de lei federal, contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná, sob o fundamento de divergência entre esta e a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Piauí – teve brilhante voto de seu relator no sentido de se reconhecer o direito à prorrogação do benefício até os 24 anos de idade, ou até que o beneficiário conclua o curso universitário, mas, por maioria, foi vencido.

Enfim, de lá para cá a discussão pareceu sedimentada no judiciário, observando-se poucas decisões esparsas favoráveis ao beneficiário maior de 21 anos que ainda cursava o ensino superior.



Acontece que é hora de revermos esse posicionamento, eis que, conforme se demonstrará, a atividade legislativa no Congresso demonstra que o anseio da sociedade é no sentido de se ampliar o benefício até os 24 anos de idade. Além disso, a hermenêutica e os princípios gerais autorizam a prorrogação da pensão por morte aqui defendida.


ATIVIDADE LEGISLATIVA

Como é cediço, todo poder emana do povo, que o pratica através de seus representantes (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988). Assim, no exercício desse poder outorgado pelo povo, elemento precípuo da democracia moderna, são, no caso, os nossos congressistas os legitimados a bradar a voz da sociedade. Com relação à matéria aqui debatida, é insuperável que o desejo do povo, atualmente, é no sentido de permitir a prorrogação da pensão por morte até que o beneficiário complete 24 anos de idade, quando estudante.

No Senado, o PLS 49/2008, dentre outras coisas, pretendia inicialmente alterar "o inciso II do § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para estender o direito à pensão por morte aos filhos e dependentes até os 24 anos de idade, quando estudantes."

Justificando o PLS 49/2008, assim consignou o Senador Expedito Junior:

"Não podemos deixar de nos sensibilizar com o drama enfrentado por jovens que, com idade acima de 21 anos e abaixo dos 24 anos de idade, sendo considerados dependentes pela legislação em vigor em razão de serem estudantes, perdem seus pais ou mães precocemente e têm, com isso, colocada em cheque a possibilidade de conclusão de seus estudos. De súbito deixam de ser considerados dependentes em razão do evento “morte” dos pais.(...) O Estado já reconhece essa realidade ao conceder a possibilidade de abatimento, para fins de recolhimento de imposto sobre a renda, para os contribuintes que tenham dependentes de até 24 anos de idade, na condição de estudantes de escolas técnicas ou de instituições de ensino superior. Este projeto busca fazer justiça, portanto, ao equiparar o tratamento aplicado aos beneficiários de pensão de servidores públicos e pessoas vinculadas ao RGPS àquilo que já é concedido pela legislação tributária."

O PLS 140/2008, de autoria do Senador Cristovam Buarque, igualmente, tinha o objetivo de alterar "a redação dos arts. 16 e 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para aumentar para 24 anos o limite de idade até o qual os filhos e irmãos de segurados do Regime Geral de Previdência Social podem ser considerados seus dependentes."

Em justificativa, registrou-se:

"Este projeto tem por objetivo aumentar para vinte e quatro anos o limite de idade para que filhos, enteados e irmãos que estejam na dependência econômica de segurados do Regime Geral de Previdência Social, recebam benefícios, especialmente o de pensão por morte, enquanto estiverem estudando em cursos técnicos de nível médio ou no ensino superior. Essa medida é fundamental para dar a esses jovens, vitimados pela ausência prematura de seus pais ou de suas mães, condições de custear seus estudos até a conclusão de um curso técnico ou de nível superior. É extremamente cruel permitir que jovens, já fragilizados pela perda de seus pais, sejam impedidos de dar continuidade aos estudos que lhes possibilitariam uma inserção social mais adequada. O limite atual de vinte e um anos para que um filho receba pensão em razão do falecimento de um genitor impede, na prática, que ele leve seus estudos até a conclusão do ensino superior, porque obriga esse jovem a buscar uma inserção no mercado de trabalho. Trata-se, portanto, neste projeto, de uma providência no sentido de buscar maior igualdade de condições, para o acesso à educação, entre os brasileiros mais pobres, que dependem dos benefícios da Previdência Social, e aqueles mais favorecidos do ponto de vista econômico. A justiça da alteração ora proposta fica ainda mais clara quando observamos que o Poder Público já reconhece que o limite de vinte e um anos não é suficiente para que um filho saia da dependência econômica de seus pais, quando ainda estiver estudando."

Em razão do REQUERIMENTO nº 1162, de 2008, "solicitando a tramitação conjunta dos Projetos de Lei do Senado nºs 49 e 140, de 2008, por regularem a mesma matéria. (Estende direito à pensão por morte aos filhos e dependentes até os 24 anos, quando estudantes)", aprovado em 14 de outubro de 2008, os projetos foram apensados e seguiram à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Já nos idos de 2009, o PLS nº 49/2008 RECEBEU PARECER FAVORÁVEL da CCJ, sendo rejeitado o PLS nº 120/2008 pelo simples fato de tratar da mesma matéria e ser posterior àquele aprovado:

"Assiste razão aos autores quando argumentam que os jovens até 24 anos devem ter a oportunidade de concluir os seus estudos, seja em grau universitário ou de nível técnico e, para tanto, devem ter garantida a percepção da pensão em caso de morte do segurado do qual é legalmente dependente. (...) Diante do exposto, o voto é pela aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 49, de 2008 (...)"

O PLS nº 49/2008 seguiu então à Comissão de Assuntos Sociais e lá, do mesmo modo, recebeu parecer favorável, tendo sido aprovado pelo plenário e remetido à Câmara com o seguinte texto final:

"PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 49, DE 2008 Altera o inciso II do § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para estender o direito à pensão por morte dos filhos e dependentes até os 24 anos de idade, quando estudantes, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º O inciso II do § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 77 § 2º II – para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos pela emancipação, ao completar 21 anos de idade, ou ao completar 24 anos de idade, se cursando o ensino superior ou o ensino técnico de nível médio; salvo se for inválido. (...)"

Na Câmara o projeto recebeu a identificação de PL nº 6812/2010 e foi apensado aos PLs nºs 2483/2007 e 366/2011, ambos propostos com a mesma intenção de prorrogar a pensão por morte aos beneficiários estudantes até os 24 anos. Desde então, o projeto de alteração legislativa passou pela Comissão de Seguridade Social e Família, tendo lá sido aprovado por unanimidade, e, atualmente, com o último andamento registrado em 11/05/2016, aguarda movimentação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

Em suma, tudo indica que é um capricho do tempo, próprio da morosidade do processo legislativo, que separa o texto vigente da Lei previdenciária e a correção que lhe é necessária para que se ajuste, neste ponto, ao sistema legal pátrio e à vontade do povo. Acontece que os beneficiários não podem esperar.
PAPEL REPRESENTATIVO/CONCRETIZADOR DO PODER JUDICIÁRIO

Certa feita, o Exmo. Min. Luís Roberto Barroso, ao participar de uma conferência na New York University para discutir o papel das cortes constitucionais no mundo contemporâneo tratou de expor, dentre outras, a função representativa das Supremas Cortes, em especial o STF, porquanto em certa medida "atuam para atender demandas sociais que não foram satisfeitas a tempo e a hora pelo Poder Legislativo".

Ao analisarmos o raciocínio construído pelo eminente Ministro naquela oportunidade, imperioso concluir que o papel representativo das Cortes constitucionais decorre, essencialmente, das competências exercidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, só podem atuar para satisfazer os anseios sociais não atendidos pelo Poder Legislativo quando provocados na seara do controle concentrado.

A partir da lógica traçada, trazendo-a em complemento à análise presente, é possível formar o seguinte silogismo: As cortes constitucionais exercem, na senda do controle concentrado de constitucionalidade, um papel representativo para atender demandas sociais não satisfeitas em tempo pelo legislativo. Todo juiz exerce o controle difuso de constitucionalidade, bem como o controle de legalidade. Em conclusão, é possível todo o judiciário exercer um papel representativo e, no caso, qualquer Juízo satisfazer a pretensão do beneficiário da pensão por morte que, em que pese a existência dos projetos de lei referidos, ainda em tramitação, não serão atendidos em tempo pelo legislativo. Isso estabelecido, de rigor, seja atendido o pleito dos indigitados beneficiários, porque em consonância com os anseios populares ainda não satisfeitos pelo vagaroso processo legislativo.

O papel concretizador do judiciário faz qualquer um repensar seu posicionamento. Vários casos vêm sendo julgados com base nos princípios do neoconstitucionalismo e já vimos muitas decisões que reconhecem a "derrotabilidade" (defeasibility) da norma frente à necessidade de concretização de valores supremos, como a dignidade da pessoa humana (decisões que afastam a penhorabilidade do bem de família do fiador e que concedem o benefício da LOAS mesmo para quem não comprova a renda per capita inferior a 1/4, por exemplo) e, neste caso, o direito à educação.

Ademais, sem prejuízo dos argumentos já esposados, de se atentar ainda que o argumento tem valhacouto legal, como se extrai da interpretação sistemática e teleológica da Lei de regência.

INTERPRETAÇÃO DA LEI PREVIDENCIÁRIA

Não há como subsistir a simples interpretação literal dos comandos legais que sustentam, em tese, a supressão da pensão por morte (Lei n. 8.213/91, art. 16 e art. 77, § 2º, inc. II).

Extrai-se da boa hermenêutica que se deve buscar na norma o fim colimado pelo legislador e neste ponto é certo que a pensão por morte é benefício previdenciário que tem o fito de suprir a falta daquele encarregado de custear as despesas da família, seja com alimentação, educação e lazer, de tal modo a viabilizar a mantença dos dependentes do falecido. É, portanto, suplementação da obrigação alimentar do segurado do Regime Geral da Previdência Social. Sendo assim, não há como exonerar-se o INSS de sua obrigação em razão de um critério meramente etário, conquanto ainda configurado, no caso dos beneficiários estudantes, o binômio oriundo do cotejo dos elementos necessidade e possibilidade.

A leitura teleológica dos comandos legais que regulam o benefício da pensão por morte permite concluir que sua cessação decorrente de uma categoria objetiva – a idade – é incongruente com a intenção do legislador.

Não é só. A leitura da Lei em evidência há de ser também adequada ao sistema em que está inserta. Como se sabe, a educação e o trabalho são valores caros à Constituição Federal (art. 6º e 205), de tal forma que o desenvolvimento educacional e profissional deve ser garantido e viabilizado, no caso, através da pensão por morte (art. 201, V, CF), independentemente de um critério etário, a fim de propiciar aos beneficiários qualificação profissional para que possa ingressar no mercado e cooperar na formação da sociedade, inclusive tornando-se segurados de maior capacidade contributiva para o Regime Geral da Previdência Social.

Veja-se, ainda, que o conceito de dependente, na hipótese trazida à apreciação, há de ser também flexibilizado.

Ora, nos termos do art. 35 da Lei nº 9.250/95, que trata do Imposto de Renda da Pessoa Física:

"Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes: (...) III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; (...) § 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados quando maiores até 24 anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau."

Não há como se admitir, num sistema legal, que, para a mesma finalidade – conceituar os dependentes – se utilize de critérios mais amplos em determinados contextos, em oposição a outros. Deve-se, portanto, tomar o conceito da Lei tributária como forma de integração da Lei previdenciária e nesse sentido propiciar a prorrogação da pensão por morte aos beneficiários maiores de 21 anos que ainda frequentam curso técnico ou de graduação.
CONCLUSÃO


Em conclusão, embora a questão esteja longe de ser tranquila, há fortes argumentos capazes de trazer o tema novamente para o debate, a fim de que o posicionamento dos tribunais seja revisto em prol dos beneficiários que, na iminência de completar seu 21º dies natalis, veem ameaçado o sonho de seguir uma carreira de ensino técnico ou superior, conquanto, de repente, têm suprimida a pensão por morte que percebem tão logo atingido o limite etário disposto na redação vigente dos arts. 16, I, e 77, § 2º, II, da Lei 8.213/1991.


POR FRANCISCO TADEU LIMA GARCIA


















- Advogado e Cientista social;
- Bacharel em Direito pela Uniara e
Ciências Sociais pela Unesp;e
-Pós-graduando em Direito Tributário pela FDRP/USP

Nota do Editor:
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