Autora: Taísa Pereira Carneiro(*)
Dados comprovam que, nos últimos anos, houve um aumento vertiginoso de brasileiros que deixaram o país. A Receita Federal registrou, em um período de sete anos, entre 2011 e 2017, um aumento de 165% de Declarações de Saída Definitiva do Brasil[1] (um dos documentos de necessária transmissão à Receita Federal pela pessoa física que deixa de residir no País em caráter definitivo). As principais motivações são financeiras, ideológicas, busca por novas oportunidades e medo da violência.
Muitos dos que se ausentam buscam a tão sonhada dupla nacionalidade, seja para facilitar no processo de adaptação, seja para viabilizar melhores oportunidades na cultura do novo país de residência.
Porém, ainda há uma demasiada miscelânea conceitual no que diz respeito ao assunto, não sendo raro encontrar, equivocadamente, quem utilize as palavras: Cidadania; Naturalidade; Nacionalidade e Naturalização como termos sinônimos.
Nesse sentido, se analisará, separadamente, cada um dos temas, conforme determina a Constituição Federal de 1988, demonstrando suas especificidades e implicações de interesses jurídicos para auxiliar na compreensão.
Inicialmente, a respeito da Cidadania: é razoável sintetizá-la, didaticamente, como o exercício dos direitos políticos. A Cidadania é um dos Princípios Fundamentais da República do Brasil[2], no entanto, nem todo nacional é cidadão...Mas, como assim?!
Esclarecendo... ao menor de idade, por exemplo, para poder exercer os direitos políticos oriundos da cidadania lhe falta a capacidade, atributo este necessário para se adquirir direitos e deveres no mundo civil.
Sobre a questão da cidadania, vale ressaltar que esta possui a nacionalidade como pressuposto. Assim, estrangeiro não possui direitos políticos, salvo uma única exceção: o português equiparado, nos termos do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta feito entre Brasil-Portugal.
Avançando no tema, passa-se ao exame do tópico: Naturalidade.
Trata-se de conceito meramente geográfico, que indica, tão somente, o local de nascimento, não correspondendo, necessariamente, ao país de nacionalidade. Isso porque, um indivíduo pode nascer na cidade do Rio de Janeiro e não ser brasileiro. Essa situação é possível de ocorrer, a título de exemplo, no caso de casal de diplomatas franceses ter um filho no Brasil. Tendo em vista o casal estar a serviço do seu país de origem, a criança não será obrigatoriamente registrada como brasileiro, e sim, como francês.
Já o assunto referente à nacionalidade, de âmbito do direito constitucional, merece ser debruçado com maior minuciosidade, haja vista sua dimensão temática.
Contudo, sua relevância não impede uma investida com intuito simplificativo instrutivo. Desse modo, pode-se sintetizar nacionalidade como um elo jurídico-político entre uma pessoa e um Estado.
Não obstante, é oportuno distinguir o conceito de nacionalidade e nação. A doutrina de Rodrigo Padilha [3]ressalta que:
"A palavra "nacionalidade"surgiu no século XVIII, do termo "soberania nacional", sendo considerado nacional o membro de uma nação. À época, este conceito bastava, eis que o termo "nação" era aclamado durante a revolução francesa e utilizado para designar tudo que dizia respeito ao povo.
Com o avanço do estudo sobre teoria do Estado, ficou claro que povo e nação são conceitos que não se confundem. Nação não se apoia em vínculo jurídico, sendo o termo utilizado para designar determinado grupo de pessoas ligado pela raça, religião, hábitos e costumes. Vemos alguns Estados que possuem duas nações, como, v.g., Canadá, eis que na sua capital a nação fala determinada língua, com costumes e datas comemorativas diferentes das demais regiões daquele ente Federal. Assim, constata-se que nacionalidade não é sinônimo de nação. Atualmente se entende que o povo é o elemento humano do Estado, sendo estes, na verdade, tidos como nacionais. (grifos nossos)"
Há duas espécies de nacionalidade previstas no ordenamento jurídico: originária e a derivada (ou secundária). Aquela decorre do nascimento, já, esta do processo de naturalização.
Cada país tem seu sistema de concessão/ aquisição da nacionalidade originária. Nela, há três modelos possíveis de serem contemplados: Jus Solis; Jus Sanguinis e o Sistema Misto.
· Jus Solis: o país confere a sua nacionalidade a quem nasce no seu território, não sendo relevante se os pais da criança são estrangeiros ou não. De maneira geral, os países adotantes desse modelo são ex-colônias.
· Jus Sanguinis: o país confere sua nacionalidade também ao filho de um nacional, não sendo relevante se o filho deste nasceu em solo do país. De maneira geral, os países da Europa adotam esse modelo.
· Sistema Misto: o país adota os dois sistemas supracitados. Ou seja, se o indivíduo se inserir em uma das duas hipóteses poderá ser nacional do local.
O sistema adotado pelo Brasil está previsto no art. 12 da Constituição Federal de 1988, que aduz:
"Art. 12. São brasileiros:
I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (grifos nossos)."
Por conseguinte, existem casos em que um mesmo indivíduo poderá possuir mais de uma nacionalidade, chamado polipátrida. A título de exemplo pode-se conceber a hipótese de um casal de franceses que tem seu filho no Chile. Considerando que o Chile adota o sistema Jus Solis e a França adota o sistema Jus Sanguinis, o filho do casal francês possuirá dupla nacionalidade.
Há ainda, no entanto, o caso em que um indivíduo não possui nacionalidade alguma, chamado apátrida. A pessoa que se encontra na situação de apátrida não é tratada como nacional em lugar nenhum. Para ilustrar esta situação o Brasil possui um caso emblemático, o atleta de futebol Ronaldo e à época, sua esposa Milene moravam na Itália, quando aquele jogava em Milão e tiveram seu filho Ronald. Ronaldo tentou registrar a criança na Itália, contudo, não obteve sucesso, já que a Itália adota o sistema do Jus Sanguinis.
Dessa forma, Ronaldo então tentou registrar o filho no Consulado do Brasil em Milão, onde foi informado pelas autoridades do local que o mesmo não seria possível, haja vista o Brasil adotar o sistema Jus Soli, ou seja, só recebendo a nacionalidade brasileira, em princípio, quem nasce no território brasileiro, ou seja filho de brasileiro (pai ou mãe), desde que um deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil, o que não era o caso do jogador.
Dessa forma, Ronaldo então tentou registrar o filho no Consulado do Brasil em Milão, onde foi informado pelas autoridades do local que o mesmo não seria possível, haja vista o Brasil adotar o sistema Jus Soli, ou seja, só recebendo a nacionalidade brasileira, em princípio, quem nasce no território brasileiro, ou seja filho de brasileiro (pai ou mãe), desde que um deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil, o que não era o caso do jogador.
Não obstante o filho do casal ser um exemplo de ocorrência de apátrida, o Brasil possui ainda uma hipótese para obtenção da nacionalidade nesses casos, conforme Art. 12, I, alínea c) da CRFB/1988 o Brasil estabelece que se vier a residir no Brasil e opte, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira deixará a condição de apátrida. Mas esta opção o interessado deverá fazer perante a Justiça Federal quando tiver atingido a maioridade (18 anos).
Já a espécie derivada (ou secundária) de nacionalidade advém do processo de naturalização. No Brasil, este processo não é automático nem imposto, será sempre um ato voluntário do indivíduo.
E, aproveitando o ensejo, passa-se para a análise específica do tema: Naturalização, que alude ao processo por meio do qual um estrangeiro se torna nacional.
No Brasil, a naturalização também vem disposta no art. 12 da Constituição Federal de 1988, que alude:
"II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. "
As condições específicas para condições de aquisição de Naturalização brasileira estão previstas na Lei de Imigração, Lei 13.445/2017.
É conveniente lembrar que a Constituição estabelece, ainda no art.12, II, § 2º, o ditame em oposição a qualquer tipo de discriminação entre brasileiros:
"§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. (grifos nossos) "
Dessa maneira, quando a Constituição se referir a brasileiro, deve-se contemplar tanto o brasileiro nato quanto o naturalizado, ou melhor, quando houver hipótese específica privativa de brasileiro nato esta especificidade deverá estar discriminada no texto constitucional, conforme dispõe o §3°, inciso II do art. 12 da CRFB/1988:
§ 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa"
Dessarte, procurou-se esclarecer os conceitos e contextualizar a temática de forma a propiciar um compreendimento de forma simples, porém não simplista.
Por fim, realça-se extrato de texto da doutrina Comentários à Constituição[4] que sintetiza bem o tema no contexto nacional:
"A história constitucional nos indica que o direito de nacionalidade no Brasil enquadra-se em uma concepção inclusiva de nacionalidade. Esse padrão foi nitidamente reforçado pela Constituição de 1988, tal como evidencia um conjunto de decisões do poder constituinte originário e derivado: manutenção do critério do jus solis (...); ampliação das hipóteses derivadas do jus sanguinis ; reconhecimento de um direito subjetivo à naturalização; permissão da dupla nacionalidade; redução dos cargos privativos de brasileiro nato. Assim, as normas constitucionais referente à nacionalidade têm por fim ampliar as possibilidades de integração dos indivíduos na comunidade política e o consequente reconhecimento de seus direitos fundamentais."
REFERÊNCIAS
[1] https://g1.globo.com/economia/noticia/com-a-crise-dispara-a-quantidade-de-brasileiros-que-desistem-de-viver-no-brasil.ghtml
[2] Art.1º, II, CRFB/1988
[3] Direito Constitucional – Rodrigo Corrêa Padilha – 3 ed. pg. 293 – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO 2013.
[4] Comentários à Constituição do Brasil/ J.J. Gomes Canotilho...[et al.]. – São Paulo: Saraiva, pg 650, 2013.
*TAÍSA PEREIRA CARNEIRO
- Advogada atuante nas áreas dos Direitos Administrativo e Constitucional;
- Possui Especialização em Compliance(FGV- SP).
- Possui Especialização em Compliance(FGV- SP).
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