Autor: Eduardo Bauer(*)
Não é nenhuma novidade que no mundo jurídico há um caloroso debate sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na relação médico-paciente, ainda que o Superior Tribunal de Justiça tenha estabelecido que a norma consumerista deve sim reger essa relação.
Contudo, e mais complicado, é quando observamos a questão sob a ótica da responsabilidade imposta independente da culpa de uma empresa e o ambiente hospitalar. Nos termos da lei, o artigo 3º do CDC é claro ao definir prestador e seu § 2° é ainda mais direto ao conceituar serviço:
"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."
Do ponto de vista frio da legislação e da análise crítica de um caso hipotético, quem presta o serviço para a pessoa que, por exemplo, sofre um acidente é o hospital e a partir do seu corpo técnico são promovidas as medidas necessárias para o cuidado desse paciente, podendo esse ficar satisfeito ou não com o tratamento e dar início a um processo por conta deste episódio.
Neste cenário, surge a figura de um conceito importante presente no Código de Defesa do Consumidor: a vulnerabilidade. Trata-se da hipótese na qual a pessoa dependente do serviço não possui condições de debater em igualdade com a outra parte da relação.
O estudo da Medicina compreende em nosso país um curso de extrema dificuldade de acesso, o que sugere de imediato a vulnerabilidade técnica-científica do consumidor em face de um hospital abastado de médicos com as mais diversas especialidades e conhecimentos.
Ainda temos a vulnerabilidade econômica, haja vista que o consumidor da realidade brasileira jamais terá condições de fazer frente a uma disputa financeira com o nosocômio (independente da condição financeira dessa pessoa).
Com tais considerações, é importante destacar que o art. 14 do CDC indica que o fornecedor de serviços responde, independente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, enquanto que o § 4º determina que a responsabilidade dos profissionais liberais (médicos) deve ser apurada mediante a verificação de culpa.
As instituições de saúde, nos mais recentes julgados do STJ, são responsabilizadas de forma objetiva, pouco importando aos consumidores se a relação médico-hospital é regida pela CLT, regime estatutário ou de prestação de serviços autônomos. Aqui caberia a análise dos conceitos do Código Civil sobre responsabilidade civil e excludentes de nexo causal, porém o artigo se limita a discutir a aplicabilidade do CDC em casos concretos envolvendo hospitais.
A legislação brasileira é embasada na teoria do risco da atividade (a instituição assume os riscos próprios da atividade que presta à sociedade), porém existem julgados contraditórios afastando a responsabilidade do profissional e condenando o hospital, enquanto outros condenam ambos de forma conjunta, haja vista que pela conduta de um ou mais médicos a unidade de saúde tem sua reputação manchada. O que se pode afirmar é que existem inúmeros precedentes considerando a responsabilidade dos hospitais como independente de culpa.
Não se faz referência neste artigo a situação na qual o hospital deixa faltar medicamento em suas dependências ou, a partir da sua condição de limpeza, permite o quadro de infecção em um paciente. A discussão aqui é pertinente aos casos que envolvem os médicos e as instituições a partir de uma análise dos danos eventualmente causados a um paciente/consumidor.
Trata-se de uma questão espinhosa e bastante delicada, devendo ser objeto de aprofundado estudo por parte dos nossos julgadores, haja vista que esse sempre será um tema presente no Poder Judiciário e pacientes, médicos e diretores de unidades de saúde precisam saber de forma clara até que ponto cada parte é responsável.
*EDUARDO BAUER
-Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (2015);
-Pós-graduando em Direito Médico e Hospitalar pela Faculdade CERS;
-Advogado, sócio fundador do escritório Bauer & Maia Advocacia;
-Atuação na região Nordeste. Direito Médico e Hospitalar; Propriedade Industrial. Direito Civil e do Consumidor.
E-mail: eduardobauer@baueremaia.adv.br
Linkedin: https://www.linkedin.com/in/eduardobauer/
Nota do Editor:
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Como sempre, didático e instrutivo...
ResponderExcluirParabéns pela abordagem deste assunto tão obscuro para muitos ainda! Obrigado Eduardo, e também ao nosso amigo Werneck, que sempre nos presenteá com temas importantíssimo. Abraços ao dois..
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