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terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Direito da Criança e do Adolescente e o Estupro de Vulnerável


Autora: Camila Lobato(*)

No Brasil, temos a atual doutrina da proteção integral que se deu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo esta conhecida como "constituição cidadã", onde através de seu art. 227, caput, se iniciou a mudança da doutrina da situação irregular, que não estabelecia diferença entre crianças e adolescentes em estado de total pobreza e os que cometiam atos infracionais, sendo todos tratados de maneiras iguais em situações jurídicos sociais totalmente diferentes. Para a doutrina da proteção integral, em vigor nos dias atuais, onde temos o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos dos direitos fundamentais estabelecidos a toda pessoa humana, assim como aos seus direitos próprios e específicos. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4º, e a Constituição Federal, em seu art. 227, preceituam que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, assegurar à infância e à juventude, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, bem como, colocá-los a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Importante esclarecer que o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos instaurou-se a partir da aprovação do art. 227 da Constituição Federal de 1988, sendo regulamentado no ano de 1990 pela Lei 8.069/90 denominado Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo assim, em decorrência do estabelecido na Constituição Federal, que proclamava um novo paradigma em relação a essas pessoas, tornou-se de extrema necessidade a elaboração de um instrumento legal para garantir a efetivação dos seus direitos fundamentais. Nascendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passou a ser definido os pontos básicos e fundamentais para a execução da nova doutrina, conhecida como a doutrina da proteção integral. Assim, foram garantidas aos menores de 18 anos, suas necessidades, não levando em conta apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança e o adolescente, mas seus direitos fundamentais especiais e específicos, como o direito à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e proteção do trabalho, que devem ser universalmente reconhecidos.

Pode-se inferir ainda que além de serem assegurado todos esses direitos fundamentais inerentes ao público infanto-juvenil, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como já mencionado, ele vem a proibir também práticas lesivas ao pleno desenvolvimentos dessas pessoas que se encontram em processo de crescimento, em diversos artigos. Sendo assim, com o advento do ECA, crianças e adolescentes, em razão de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, passaram a ser considerados destinatários da proteção integral, gerando responsabilidade à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao poder público, com absoluta prioridade, assegurar a efetivação dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, bem como, aos direitos específicos elencados ao público infanto-juvenil, tendo assim, um tratamento jurídico diferenciado das demais pessoas. 

Casos de violência contra criança e adolescente, como abusos e exploração sexual estão no topo da pirâmide dos problemas que temos no Brasil. Esses problemas crescem de forma absurda e assustadora em nosso País, causando grandes preocupações na sociedade em geral.

Diante disto, por meio do requerimento nº 02/2003, foi criada no Congresso Nacional, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que tinha por finalidade investigar situações de violências e redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Essa CPMI encerrou seus trabalhos em 2004, e em decorrência dos assustadores relatos sobre a exploração sexual no Brasil, foi produzido o Projeto de Lei nº 253/2004, segundo o qual a justificativa para a mudança da legislação era que o Código Penal Brasileiro de 1940 não atendia situações reais de violação a liberdade sexual, em especial quando tais crimes se referiam a criança e ao adolescente, sendo descumprido o princípio norteador contido no art. 227, §4º, da Constituição Federal de 1988, "a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente". Após algumas alterações, este projeto se converteu na Lei nº 12.015/2009 que trouxe mudanças consideras ao sistema penal brasileiro, bem como conflitos relevantes.

Com essa lei vieram diversas modificações referentes aos crimes sexuais a começar pela nomenclatura, sendo chamado agora de "Crimes contra a dignidade sexual" e não mais de "Crimes contra os costumes", buscando, assim, a dignidade da pessoa humana estabelecida no art.1º, inciso III, da Lei Maior.

Sendo assim, fica claro que o legislador ao dar novo tratamento ao erigido bem jurídico denominado dignidade sexual, busca garantir a dignidade da pessoa humana estabelecida como um dos fundamentos do art.1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, bem como a liberdade de escolha dos parceiros e da relação sexual, o pleno e sadio desenvolvimento da personalidade em relação à sexualidade, ou seja, o bem a ser protegido é não só a liberdade sexual, mas sim também a dignidade sexual, não podendo ninguém obrigar alguém a manter conjunção carnal ou ato libidinoso sem o consentimento do outro.

Importante destacar o § 4º do art. 227 da CF/88, onde determina que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Observa-se que a constituição passa a proteger os direitos da criança e do adolescente, assegurando a aplicação de leis destinadas à punição para quem viola a dignidade dessas pessoas como sujeitos de direitos. 

Diante disso, além da mudança, quanto a nomenclatura, a novatio legis introduziu outras modalidades criminosas, como o delito "estupro de vulnerável", tipificado no art. 217-A, pondo fim a discussão que havia nos Tribunais, principalmente nos Superiores, no que dizia respeito à natureza da presunção de violência em relação ao delito praticado contra vítima menor de 14 anos, em ser de natureza relativa ou absoluta.

Sendo assim, a Lei nº 8.072/1990, que traz o rol dos crimes considerados hediondos, também foi modificada em seu inciso IV, devido à inserção do crime "estupro de vulnerável", seja na forma simples ou qualificada, onde o "atentado violento ao pudor" cedeu lugar a essa inovação.

Enfim, diante dessas modificações o estupro de vulnerável é uma das mais importantes inovações ocasionadas pela Lei nº 12.015/2009, sendo detalhado no Capítulo II, Título VI, da parte especial do Código Penal Brasileiro, onde sua proteção se volta às vítimas vulneráveis.

O referido crime tipificado no art. 217-A do Código Penal Brasileiro, tutela a dignidade sexual das pessoas em situação de vulnerabilidade e constitui a realização de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, com consentimento ou não, praticados com essas vítimas indefesas por natureza ou condição pessoal. De fato, a vulnerabilidade implica a invalidade do consentimento do ofendido, sendo desconsiderado pela lei bem como por quem a aplica. Observa-se assim que o legislador ao modificar tal dispositivo substituiu a presunção de violência, baseada no revogado art. 224 do CPB, pela atual designação de vítimas vulneráveis. 

De acordo com o referido artigo, no campo sexual, são considerados vulneráveis, os menores de 14 anos de idade, os enfermos e deficientes mentais, quando não tiverem necessário discernimento para a prática do ato, bem como aqueles que por qualquer causa, não possam oferecer resistência sexual, sendo pessoas consideradas incapazes para compreender e aceitar atos de conotação sexual, razão pela qual não podem oferecer resistência. O Código Penal estabelece: 

"Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 
§ 2º(VETADO)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: 
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 
§ 4º Se da conduta resulta morte: 
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (BRASIL, 1940, não paginado). (BRASIL, 1940, não paginado) "
Buscou assim o legislador, como bem afirma o professor Jesus (2010, p. 159), "defender a intangibilidade sexual de determinado grupo de pessoas, considerados em sua condição de fragilidade, pondo-os a salvo do ingresso precoce ou abusivo na vida sexual".

Este novo tipo penal definido no referido artigo, tem em vista proteger a integridade desses indivíduos, fragilizados em face de sua pouca idade, resguardando-as do início antecipado ou até mesmo abusivo na vida sexual, sendo assim o ordenamento jurídico brasileiro impede o relacionamento sexual com vulneráveis.

Importante asseverar, que para a criança e o adolescente a violência sexual pode ocorrer em forma de abuso ou exploração sexual, sendo devidamente punidos os agentes que atentem contra os direitos sexuais desses sujeitos, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus devidos dispositivos.

Com o advento da Lei nº 12.015/2009, o legislador pátrio traz a presunção da violência de forma absoluta aos crimes contra o vulnerável, não se falando mais na presunção relativa. Entretanto, apesar do legislador acreditar que não iria mais se discutir a questão da relativização, este restou enganado, pois ainda existem divergências acerca do reconhecimento da presunção de violência absoluta. 

Cabe informar que o legislador pátrio entende que quando se trata de vítimas menores de 14 anos de idade, à prática de relações sexuais, mesmo que consentida, não tem força para afastar a conduta ilícita do agente, considerando a pessoa vulnerável. Com isso, gera um grande problema no mundo jurídico, pois não será apreciado, conforme a lei, o conhecimento ou discernimento do sujeito passivo de pouca idade e sim, e, somente, sua situação de vulnerabilidade.

Ocorre que apesar da finalidade do novo tipo penal, chamado "estupro de vulnerável" vim punir mais severamente aqueles que tiverem qualquer tipo de relação sexual com menores de 14 anos de idade, acabando com a presunção de violência, sendo estabelecida atualmente, com o advento da Lei nº 12. 015/1990, a presunção absoluta de violência, será que é a forma mais justa e adequada não levar em consideração se houve consentimento ou não da vítima para a prática dos atos sexuais, se o menor de 14 anos namora alguém com mais idade, sendo o namoro consentido pelos pais ou pelo responsável legal, nem mesmo importando, também, se a vítima já tinha uma vida pregressa, no campo sexual, mesmo tendo consciência e maturidade para a prática de tais atos, bastando, assim que a vitima esteja em estado de vulnerabilidade. 

Devemos levar em consideração que a forma com que os jovens se relacionam com a sexualidade tem se modificado constantemente no decorrer dos anos e igualar todos os adolescentes ao estágio de vulneráveis?

E quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente que acredita que os adolescentes, sujeitos a partir de 12 anos de idade, possuem capacidade plena dos atos considerados ilícitos e reprováveis, para responder, por exemplo, a um ato infracional. Sendo assim, não seria errado que esse adolescente tenha capacidade, também de decidir acerca dos atos sexuais que esteja disposto a praticar? Poderíamos pensar na necessidade da unificação das idades elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Penal Brasileiro? 

*CAMILA DANIELLA SEABRA LOBATO

-Graduação na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2013);
- Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2017);
- Mestranda em Criminologia Forense na Universidad de La Empresa - UDE - Montevideo - Uruguai;
-Advogada na área de família;
-Rede social (instagram): camiladanilobato

NOTA DO EDITOR :


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