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sábado, 6 de abril de 2019

Educação: Uma tristeza! Verifica-se que tudo é de uma lentidão irritante


Autor: Nelson Valente(*)

"O ensino médio está no fundo do poço", diz ex-ministro da Educação Rossieli Soares avalia os desastrosos resultados dos alunos das escolas públicas, divulgados pelo MEC. É o atual secretário de Educação do Estado de São Paulo. 

O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental. O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental. 

Outra insensatez é a incompetência para enfrentar o drama do magistério. Os professores são malformados e pessimamente remunerados. 

Como pretender, assim, uma educação de qualidade? Os cursos de formação de professores padecem de um abissal anacronismo. Colocar um computador na mão de quem não sabe manejá-lo significa muito pouco. Pensando bem: desde que essas máquinas terríveis entraram no cotidiano das escolas, qual foi o aperfeiçoamento dos conteúdos? 

A educação brasileira precisa ser urgentemente repensada, no bojo de uma grande reforma social. Mas enquanto as questões mais simples não forem devidamente resolvidas pela "burocracia governamental" parece que continuamos na firme disposição de enfrentar os grandes problemas educacionais através do discurso bonito, inflamado, sem consistência. É por isso que a educação brasileira continua a ser um triste pesadelo. 

Estamos vivendo tempos sombrios em matéria de qualidade do ensino, em nosso país, especialmente se considerarmos a educação pública. Os resultados são catastróficos. Houve queda no desempenho em matemática. Na redação foi pior ainda. Vamos caminhando para o fundo do poço. Ou seja, são estudantes que concluíram o ensino médio, sabe-se lá Deus como, mas padecem dos males do analfabetismo funcional. São incapazes de raciocínios elementares. O que se pode esperar dessa geração? 

Como se vê, há problemas em todas as frentes. A educação básica cresceu em números, é certo, mas não corresponde às expectativas no que tange qualidade. Enquanto se discute o sexo dos anjos, os resultados concretos estão aí, diante de todos, mostrando que há um longo caminho a ser percorrido. 

O curioso é que pouco se fala na formação e no aperfeiçoamento dos professores, em todo esse processo. Temos quase 3 milhões deles, no Brasil inteiro, mas é sabido que a qualidade do que se ministra nos cursos de magistério deixa muita a desejar. Temos que melhorar os cursos de preparação dos professores, na dupla condição de conteúdos mais adequados e uma presente interatividade, palavra que pode enriquecer, e muito, o que se passa hoje em sala de aula. Para acabar com essa vergonha, só uma ampla reforma. 

Toda vez que se aborda um plano de governo, em que nível, surge a expressão qualidade do ensino. Uma tristeza! Verifica-se que tudo é de uma lentidão irritante. 

Como professor universitário, estou absolutamente convencido de que a origem de todos os males da educação brasileira, sua crises, insuficiências, distorções e injustiças, localiza-se no Ensino Fundamental, já chamado em outros tempos de primário e ginasial ou primeiro grau. 

É lamentável o estado do Ensino Fundamental neste País. Ademais, os professores não recebem formação adequada para enfrentar os novos desafios de uma educação que se transforma a todo instante por força da heterogeneidade da clientela, não raro sem hadness para a aprendizagem formal; pelas rápidas mudanças tecnológicas; pela impropriedade curricular e pelos descaminhos dos processos didáticos inadequados e, o que é pior, pela desqualificação social e salarial do magistério, submetido à pobreza crescente, tanto do ponto vista econômico quanto do aperfeiçoamento profissional, cada vez mais precário. 

Enquanto isso, o analfabetismo cresce, em vez de decrescer, seja pelos milhões acumulados de seres humanos que nunca pisaram numa sala de aula, seja por outros milhões que deixam a escola sem nada aprender, como é o caso dos analfabetos funcionais, essa nova praga que ameaça comprometer o futuro da nação. Isso significa que a maioria desses jovens chega ao final do curso sem saber ler e escrever ou fazer as quatro operações aritméticas, o que é tão mais grave quanto se sabe que ler, escrever e calcular são os pré-requisitos básicos da vida cultural e da sobrevivência competitiva dos seres humanos. 

É o ovo da serpente gerando um perigoso veneno, em doses que aumentam continuamente e dão origem aos graves problemas que vêm caracterizando as crises até aqui invencíveis, e se instalaram no mercado de trabalho e nos Ensinos Médio e Superior brasileiros. 

É mister investir tudo na qualificação do Ensino Fundamental e na extinção do analfabetismo, tanto puro quanto funcional, para que se salve o futuro do País. 

É preocupante a falta de conhecimento de diversos profissionais de diferentes áreas em relação à Língua Portuguesa. Alegam essas pessoas que a simples troca de um Z por um S não muda o valor de uma petição advocatícia, a receita de um médico ou, ainda, o relatório de um administrador. Puro engano: um texto mal escrito abala a imagem do profissional que o escreve e, sem dúvida, desqualifica o trabalho.

Infelizmente, o descaso com o nosso idioma é notório. Além disso, há o desprezo pelas regras gramaticais e ortográficas, como se houvesse um desejo recôndito de prestigiar a ignorância. Não se quer exagerar os cuidados com a norma culta da língua, mas por que valorizar o linguajar sem regras? 

Devemos ter cuidado com o que se fala e com o que se escreve, pois a nossa imagem está sendo sempre avaliada. A proliferação de "houveram", "menas". “hs” (para responder horas), "mts" (para abreviar metro), o uso da 2ª pessoa para o pronome http://V.Sa . e as constantes derrapadas na concordância verbal, parecem um festival de mau-gosto. Entre as incorreções que destoam no uso da língua, são frequentes pequenos descuidos, até perdoáveis, mas há casos de barbarismo contra a pureza da língua nos aspectos sintáticos, regenciais, ortográficos, sem falarmos de troca tão comum de tratamento, como também de organização ilógica de ideias, o que acarreta, frequentemente, ambiguidades e interpretações errôneas de pensamento. O perigo é a perpetuação desse hábito. 

Nossos estudantes leem pouco, consequentemente quando têm que escrever "a sério" o desastre é inevitável. Crase, vírgula, ponto é vírgula são elementos indispensáveis da língua portuguesa. São muitas regras, é verdade, mas não há como fugir da sua aplicação. Por exemplo: separar o sujeito do verbo com uma vírgula é "pecado capital". 

A compreensão desse fato enseja uma profunda mudança no ensino do Português, sabendo-se, entretanto, que é o povo que faz a língua. 

Pode-se concluir que a leitura liberta e leva a conhecer melhor o mundo, o outro e a si mesmo. A linguagem manifesta a liberdade criadora do homem. 

Vive-se o convencimento generalizado de que lemos muito pouco (o índice é de menos de 2 livros por ano). Nos últimos tempos, surgiu uma estranha doença entre nossos jovens: DE (Déficit de Escrita). 

Se os alunos têm dificuldades de escrever e expor com clareza suas ideias é porque sua cota de informação e leitura é mínima, para não dizer inexistente. 

Quando os jovens são chamados aos concursos públicos, o que, infelizmente, está ocorrendo com frequência cada vez maior, a falta de familiaridade com a norma culta da língua tem levado a resultados desastrosos, como assinalam os famosos Exames de Ordem da OAB. 

As reprovações acontecem em massa (às vezes o índice é de 80%). Lê-se pouco e escreve-se mal, o resultado só pode mesmo ser deprimente. Isso infelizmente alcança também os exames para o magistério. É fácil imaginar o que ocorre quando o indivíduo se expressa verbalmente, em que as agressões ao vernáculo doem em nossos ouvidos. 

Se os alunos têm dificuldades de escrever e expor com clareza suas ideias é porque sua cota de informação e leitura é mínima, para não dizer inexistente. 

Ocorreu-nos proclamar da volta da caligrafia às nossas escolas. Nos bons tempos, ela era praticamente obrigatória, com os educandos levados a preencher as linhas paralelas com letras, sílabas e palavras que, como consequência, nos traziam o conforto de uma adequada expressão escrita. 

Aos poucos, o hábito foi sendo superado e, para muitos, o exercício da caligrafia era a comprovação da obsolescência dos nossos métodos. Nada mais triste do que essa falsa visão de modernidade, hoje agravada pela fúria do acesso aos computadores de qualquer maneira.

O uso das máquinas (blackberry, por exemplo) acelera a resposta, dá uma agilidade aos dedos, mas não facilita o raciocínio, que requer mais tempo para que os neurônios se organizem, de maneira disciplinada e inteligente, nas caixas cranianas. Do jeito que as coisas caminham, e com essa velocidade coloca-se em risco a sobrevivência da nossa língua inculta e bela, como dizia, no começo do século passado, o inesquecível poeta Olavo Bilac. 

Um aluno do interior perguntou-me se deveríamos condenar a linguagem popular, "pois esse pessoal fala de forma inadequada". Foi necessário esclarecer a diferença entre linguagem popular e regionalismos. Primeiro, as expressões, apesar de inovadoras, podem vir a figurar em dicionários e vocabulários de transmissão da norma culta ou padrão, sem nenhuma dificuldade. Os regionalismos são sempre aceitos. 

Em segundo lugar, temos a questão controvertida da chamada popular. O filólogo Antonio Houaiss (in memorian) chegou a popularizar o verbete "mengo", diminutivo do clube mais popular do Brasil. Mas, ele jamais aceitaria adotar a palavra "probrema" ou "areoporto" – e dar-lhes o status de uma expressão legítima do português contemporâneo.

Vê-se, pois, que há uma abissal diferença entre linguagem popular e regionalismos. A prosódia, que é a forma de dizer a palavra, tem total liberdade, não se devendo exigir que um gaúcho fale com a mesma pronúncia do que um paranaense. O que, em virtude do Acordo de Unificação da Língua Portuguesa, que é eminentemente ortográfico, passemos a impor a Portugal ou Angola, por exemplo, o nosso gostoso e incomparável sotaque. Cada povo que cuide das suas peculiaridades prosódicas. Mas escrever de uma forma é medida de inteligência e simplificação, que já vem tarde.

O Museu da Língua Portuguesa, de São Paulo, realizou uma interessante e concorrida mostra, intitulada "Menas – o do certo do errado, o errado do certo", em que todas essas questões foram debatidas por professores e especialistas. É claro que o ex-presidente Lula foi muito lembrado, pois no início do seu primeiro mandato presidencial era comum utilizar a palavra "menas". Foi devidamente aconselhado e abandonou o hábito. 

Os puristas, especialmente os gramáticos, concordam esses equívocos, tipo "ela está drumindo" ou "o incêndio me trouxe perca total". São frutos da linguagem coloquial, que se admite na fala, mas se condena na escrita. 

É lamentável o estado do Ensino Fundamental neste País. É o ovo da serpente gerando um perigoso veneno, em doses que aumentam continuamente e dão origem aos graves problemas que vêm caracterizando as crises até aqui invencíveis, e se instalaram no sistema educacional brasileiro. 

*NELSON VALENTE




















-Professor universitário, jornalista e escritor

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Tripartição dos Poderes do Estado

Autora: Sarita Goulart(*)

A teoria da tripartição ou da separação dos poderes do estado é uma teoria de cunho político idealizada pelo filósofo de ideário iluminista francês Charles Louis de Secondat , Barão de Montesquieu, imortalizada, em sua obra mais famosa , O ESPÍRITO DAS LEIS, em francês " L’ Esprit des Lois" em 1748. 

Montesquieu, muito embora, seja o pai de uma das teorias mais festejadas do Direito Constitucional  foi ao longo de sua existência um revolucionário oriundo da aristocracia francesa, pois, era filho de nobres desde muito cedo teve uma formação iluminista , escritor , humanista e profundo conhecedor das leis tornou-se um crítico voraz da monarquia absolutista de sua época, já decadente, e do clero católico. 

Tinha o gosto por viajar e em uma de suas viagens conheceu a Inglaterra. Montesquieu, inspirou-se nas teses de JOHN LOCKE , que à época já eram conhecidas . No livro O Espírito das Leis , Montesquieu, não só aborda as relações que as leis tem com a natureza divina e humana bem como os princípios de cada governo e a forma como este governo exerce o poder sobre a sociedade.Princípios esses basilares desde o berço do pensamento político da Grécia antiga com Aristóteles e Platão. 

Para o Autor da Teoria da Separação dos Poderes , três fatores envolvem o conceito de lei , o primeiro está ligado ao divino, a Deus, ou seja, as leis criadas por Deus não pertencem ao homem, segundo Montesquieu, estão sob domínio divino, portanto, são transcendentais, não podem ser questionadas pelo homem .

Já, as leis feitas pelo homem para reger a sociedade essas sim podem ser modificadas , pois, sujeitas à vontade humana ou dependente de fatores externos como o clima ou mudanças geográficas, etc.

O terceiro fator refere-se a autoridade sobre as leis que regem a sociedade e a sua organização política.Nessa condição Montesquieu começa a delinear as formas puras de governo e suas deformações ou formas impuras.Formas de governo que reconhecemos modernamente e que torna a leitura do livro O Espírito das Leis obrigatória aos estudantes de direito, aos que gostam de política e aos amantes de história, porque, Montesquieu, nunca esteve tão atual quanto hoje naquilo que escreveu lá na Idade Média sobre ciências políticas e sociologia, feito esse parênteses , vamos adiante. 

Com base na sua concepção quanto as formas de governo, o Barão de Montesquieu, defendeu, a divisão do poder do Estado em 3 poderes : EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO , essenciais para garantir a: Liberdade do cidadão ; lhe dar SEGURANÇA JURÍDICA ante ao ESTADO e perante a outrem. 

Antes de fazer menção aos poderes do Estado é mister fazermos uma breve passagem pelas formas de governo porque a partir daí torna-se mais clara a ideia da tripartição dos poderes do estado sistematizado por Montesquieu e o por quê da sua importância na organização social e política desse. 

Montesquieu teve a percepção de formas de governo e classificou-as dessa maneira: 

ARISTOCRACIA- Princípio – MODERAÇÃO 

MONARQUIA: Princípio – HONRA 

DESPOTISMO: Princípio- Terror 

FORMAS PURAS DE GOVERNO 

MONARQUIA- GOVERNO DE UM SÓ 

ARISTOCRACIA- GOVERNO DE VÁRIOS 

DEMOCRACIA- GOVERNO DO POVO – princípio – virtude 

FORMAS IMPURAS DE GOVERNO 

TIRANIA- CORRUPÇÃO DA MONARQUIA 

OLIGARQUIA- CORRUPÇÃO DA ARISTOCRACIA e

DEMAGOGIA – CORRUPÇÃO DA DEMOCRACIA 

Ainda, para Montesquieu , baseado no exemplo da Itália, à REPÚBLICA, princípio , patriotismo e como exemplo da democracia também a virtude, soberania popular ( nas mãos de muitos) ou de alguns ( aristocratas ) vale lembrar que Montesquieu não conheceu à República nos moldes modernos. 

Para concluir , o legado de Montesquieu é precioso para as descobertas sobre a natureza das leis e suas relações pois não só levaram Montesquieu a sistematizar diferentes formas de governar fonte eterna dos estudos do direito constitucional bem como das relações de poder e das formas que este poder é exercido pelo governante .Se, democraticamente ou se pela força. 

Nessa esteira, o pensador iluminista, inspirado pelas ideias de Locke , de olho na constituição inglesa, desenvolve a teoria tripartite da separação dos poderes do estado em Executivo , Legislativo e Judiciário onde cada poder deve manter-se autônomo e constituído de diferentes grupos de pessoas dessa maneira segundo o seu criador um poderia FREIAR o outro no sistema chamado por ele de " FREIOS E CONTRAPESOS" caso houvesse abuso de poder de um poder sobre o outro. 

O pensamento de Montesquieu fez com que a Teoria da Separação dos Poderes do Estado atravessasse os séculos e evoluísse até ao que temos hoje nas constituições liberais o Título IV da Constituição Federal brasileira trata sobre a Organização dos Poderes, ali estão consagrados as suas competências e suas funções específicas bem como os órgãos que os compõem. 

Os três poderes da República atual: Executivo, Legislativo e Judiciário, são eles independentes entre si, devem manter-se equilibrados e harmônicos. 

Até a próxima.Deus abençoe a todos!! 

*SARITA DE LURDES FERREIRA GOULART

















- Formada em Direito pela UNISINOS-São Leopoldo-RS - Turma de Janeiro/1988;

- Pós graduada no Curso de Especialização em Direito Político pela UNISINOS em 1990; e
- Natural de Canoas - RS  aonde advoga.
-Email: saritagoulart@gmail.com
-Twittter: @saritagoulart
- Celular: 51 9 9490-0440

Nota do Editor:

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quinta-feira, 4 de abril de 2019

A Família Brasileira, Ontem e Hoje



Autora: Giselda Hironaka(*)


**O presente texto deste item corresponde, em parte, à palestra que a autora ministrou no I Congresso Internacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, realizado em Brasília, em 2006. Disponível em: file:///C:/Users/Giselda/Downloads/67702-Texto%20do%20artigo-89132-1-10-20131125%20(1).pdf

Modelos de família, ancestrais, feudais, modernas e pós-modernas – para deixar reduzido, em poucas variações, o percurso intenso – se sucederam e a foto sobre a lareira foi se alterando com a mudança dos costumes, com a conversão ou inversão dos valores, com a introdução de novos comportamentos e de novos princípios, com o abandono de matrizes em desuso, e assim por diante. 

Por meio desta simbologia de mostrar a família por meio das fotos de um velho álbum, é de curiosa e real beleza a descrição que faz Luiz Edson Fachin em trabalho publicado em 2006. A simbologia adotada mostra as mudanças e as nuanças da família de antes e da família de agora, quer pelas posturas na foto, quer pela indumentária utilizada pelas pessoas, quer pelo jogo cênico preparado para o registro eterno. Mudam e colorem-se as fotos; muda e revigora-se a família.

A independência econômica da mulher a faz erguer-se, na foto, sair de trás do patriarca, levantar os olhos confiantes de quem, ao lado de seu parceiro de vida, organiza e administra a estrutura familiar. 

Quanto aos filhos, seu papel também deixa de ser secundário e eles assumem boa elevação econômica na ordem familiar, assim como se destacam mais pelas suas qualidades próprias, seu preparo intelectual e sua crescente capacidade de decisão.

O divórcio, o controle da natalidade, a concepção assistida, a reciprocidade alimentar são valores novos que passam a permear o tecido familiar, para torná-lo mais arejado, mais receptivo, mais maleável, mais adaptável às concepções atuais da humanidade e da vida dos humanos. A fidelidade, como valor que não se desprendia da virtude e da abnegação no anterior tempo, hoje se descortina como a aspiração individualista do amor autêntico, não eivado de mentira ou de mediocridade, como descreve Gilles Lipovetsky em A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos tempos democráticos.[1] Mas, acima de tudo, espalha-se a ideia de afetividade, como o grande parâmetro modificador das relações familiais, estando a querer demonstrar que o verdadeiro elo entre as pessoas envolvidas nessas relações, nesse núcleo, nesse tecido, consubstancia-se no afeto.

Mudam os homens. Mudam seus agrupamentos sociais. Mudam as instituições. Mudam os institutos jurídicos. Muda a família. Mudam as relações familiais, não para serem outras, mas para desempenharem novos e distintos papéis. Constrói-se uma família eudemonista, na qual se acentuam as relações de sentimentos entre os membros do grupo: valorizam-se as funções afetivas da família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra as pressões econômicas e sociais. É o fenômeno social da família conjugal, ou nuclear ou de procriação, onde o que mais conta, portanto, é a intensidade das relações pessoais de seus membros, como já o dizem Oliveira e Muniz, desde o início da década de 90. [2]

A família que se quer, contemporaneamente, mais do que ser exclusivamente aquela arrolada em normas e editos, é aquela que se diz eudemonista, isto é, aquela família na qual cada um de seus membros busca alcançar o seu pessoal projeto de felicidade, de modo a que todo o grupo familiar também seja feliz. Em Ética a Nicômaco (1.12.8.) Aristóteles escreveu, e com toda a razão: “A felicidade é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de nossas motivações.”

A condição matrimonializada foi sempre eternizada, com chance zero de desorganização ou desfazimento, especialmente se em favor da libertação da mulher, uma vez que sua projeção e atuação no meio familiar estavam muito mais voltadas à concepção, geração e criação de filhos do que propriamente o prazer que lhe pudesse ser proporcionado pela relação sexual e afetiva com o seu partícipe de jornadas. A proclamação da pureza das mulheres, a condenação ao adultério, a proibição do aborto e a recriminação às práticas contraceptivas concorreram no sentido de a elas não ser permitido o que aos homens era, ainda que sob os pudores silenciosos da falsa moral novecentista, como por exemplo, o desfrute de prazeres efêmeros. A visibilidade do adultério masculino contava, por isso mesmo, com a complacência social e até mesmo religiosa em certos casos, minimizando, em favor dos homens, uma severidade e uma rigidez que sempre estiveram presentes na trajetória de condutas femininas.

Sem lar, não há família; sem família, não há moral; e, sem moral, não há sociedade nem pátria! proclamou Jules Simon, político e pensador falecido em 1896, e que foi primeiro ministro da França entre os anos de 1876 e 1877. Compreensível que o dissesse, ao seu tempo. Incompreensível que, em tempos globalizados e redefinidos, ainda se afirme categoricamente, hoje, esta sofismática e excludente conclusão. Não perdeu a família seu carisma, seu papel de refúgio e fortaleza para os anseios primeiros de cada um de seus membros. Não. A família ainda é e sempre será este locus privilegiado. Mas o que já parece não mais persistir é, provavelmente, esta sua tônica de indissolubilidade de vínculos, de obrigatoriedade de realização contínua, a qualquer preço ou custo, de amarras de não-libertação. 

Ainda assim, não foi exatamente de um dia para o outro que o divórcio, como percurso para o reencontro de destinos mais promissores, instalou-se no mundo contemporâneo. As pressões de toda a sorte, morais, religiosas, éticas e culturais, empataram durante grande número de décadas, e até hoje, a aceitação plena do rompimento da matrimonialização das relações conjugais. Às mulheres divorciadas se imputou o status da indignidade e aos seus filhos a pecha de filhos sem pai. Idas e vindas de aceitação e de rejeição ao novo modus de desfazimento da sociedade conjugal foram amplamente sentidas e registradas ao longo da modernidade, como que em dança de caranguejos, com passos à frente e com passos atrás. Aliás, até os dias de hoje, em certas antigas e importantes culturas, ainda é assim, quando não se proíbe terminantemente a ideia de desfazimento do laço matrimonial. Paira uma ideia, em certos pensamentos e culturas, de que o rompimento dos laços de conjugalidade corresponderia a uma efetiva perda, e essa sensação é insuportável pelos que se alistam nas colunas dos eternos vencedores.

A família de hoje tende a ser mais sincera, digamos assim, no sentido de que as hipocrisias e as simulações de antes já não encontram mais lugar em cena, estando este espaço muito mais disponibilizado para os tratos francos e as rupturas consentidas e bem analisadas.

No enquadramento da família atual, uma gama maior de modelos se apresenta, assumindo ela um desenho plural, aberto, mutlifacetário e globalizado, servindo como locus privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana, no dizer de Cristiano Chaves Farias. Ele encaminha suas conclusões para dizer que o atual ambiente da pós-modernidade é o ambiente ideal para a realização espiritual e física do ser humano, ou seja, somente se justifica a proteção da família para que se efetive a tutela da própria pessoa humana. É, por conseguinte, a família servindo como instrumento para a realização plena da pessoa humana e não mais vislumbrada como simples instituição jurídica e social, voltada para fins patrimoniais e reprodutivos.[3]

Hoje, o afeto – considerado como valor jurídico – promoveu a família de um status patriarcal para um status nuclear. Se, no anterior tempo, o afeto “era presumido em razão de o vínculo jurídico dar a existência de uma família”, no espaço atual “ele é um dos elementos responsáveis pela visibilidade e continuidade das relações familiais”.[4] José Fernando Simão[5] escreve – ao cabo de seu artigo denominado O valor jurídico do afeto. A novela ‘Páginas da Vida’ e a parentalidade socioafetiva – a seguinte grande verdade: A ficção superou, em certos aspectos, a realidade. Reconhecer o valor jurídico do afeto é admitir que os princípios contidos na Constituição Federal efetivamente produzem efeitos sobre a legislação civil como um todo.

Enfim, a nova família da contemporaneidade não é melhor nem pior do que os modelos familiares que a antecederam, mas é diferente deles. Nesta família, os aspectos de positividade são bem-vindos e são capazes, quiçá, de deixar que se dê ênfase aos aspectos que assim não sejam, porque aqueles são aspectos que dizem respeito mais às trocas, às verdades, à cooperação, à complexidade e, principalmente ao afeto entre seus membros.

REFERENCIAS

[1] LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Tradução de Armando Braio Ara. Barueri, SP: Manole, 2005; 

[2] OLIVEIRA, José Lamartine Correa de e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de Família. Juruá, Curitiba: 1999; 

[3] FARIAS, Cristiano Chaves de. A família da pós-modernidade\ mais que fotografia, possibilidade de convivência. Disponível em: . http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/fam%C3%ADlia-da-p%C3%B3s-modernidade-mais-que-fotografia-possibilidade-de-conviv%C3%AAncia; 

[4] CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família, in Luiz Edson Fachin (coord). Repensando fundamentos de Direito Civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 309; e

[5] SIMÃO, José Fernando. O valor jurídico do afeto. A novela ‘Páginas da Vida’ e a parentalidade socioafetiva (http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2007/03/excelente-artigo-jos-fernando-simo-o.html - acesso em 10.12.2013) 

*GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA














-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da USP(1972);
-Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP;
-Coordenadora Titular do Programa de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP;
-Coordenadora Titular da área de Direito Civil dos cursos de Especialização da Escola Paulista de Direito;
-Fundadora e Diretora Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM;
-Diretora Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil e
-Ex Procuradora Federal.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Das Retenções de Empréstimos bancários em Conta Corrente e o Fim da Súmula 603 do STJ


Autor: Felipe Oliveira de Jesus(*)

Saudações meus caros consumidores, 

Em maio do ano passado publiquei um artigo intitulado 
“Retenção Salarial para Pagamento de Empréstimo e a Súmula 603 do STJ", ocorre que em 22 de agosto de 2018 a súmula 603 do STJ foi cancelada por decisão proferida no Recurso Especial nº 1555722/SP, contudo, embora tenham se passado aproximadamente 8 meses que isso ocorreu não tratamos do assunto desde então, sendo de suma importância conversarmos a respeito desta mudança na jurisprudência a fim de alertar aqueles que não tenham conhecimento sobre o fato. 

Pois bem, a súmula nº 603 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não durou muito tempo, pois nasceu em fevereiro/2018 e faleceu em agosto/2018, tratando de um tema muito corriqueiro que é a retenção também conhecido como desconto em conta bancária destinado ao pagamento de empréstimo contratado com instituição financeira, a referida súmula possuía o seguinte enunciado: 
"Súmula 603 - É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual." (Súmula 603, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 26/02/2018) 
Contudo, ao invés de trazer segurança jurídica a súmula foi interpretada de várias formas e durante a sua vigência boa parte dos tribunais entenderam em prol dos consumidores no sentido de que a instituição financeira não poderia realizar desconto em conta bancária, seja ela conta salário ou conta corrente, mesmo que no contrato de empréstimo houvesse cláusula contratual que autorize a sua retenção.

A única exceção para realizar os descontos seria a hipótese de empréstimo consignado que segue um regramento próprio autorizando a retenção em percentual de até 30% dos vencimentos diretamente da folha de pagamento do correntista, os demais descontos de empréstimos na conta do consumidor não seriam considerados lícitos quando provenientes de salários, vencimentos e/ou proventos do correntista era o que muitos entendiam pela leitura da súmula 603 do STJ. 

Entretanto, no acórdão proferido no julgamento do REsp nº 1555722/SP, a interpretação da súmula 603 do STJ se mostrou diferente daquela que vinha sendo adotada pelos diversos Tribunais no país até mesmo pelo próprio STJ por alguns de seus Ministros, cito aqui o Ministro Lázaro Guimarães, que julgou monocraticamente o REsp nº 1555722/SP, com base no entendimento a favor do consumidor, mas posteriormente o julgado foi revisto em análise do agravo interno pelo Banco, onde se entendeu que a súmula desejou proibir a situação que, "existindo o débito, ainda que o correntista autorize, o Banco possa fazer o cálculo do que é devido e, sem autorização judicial, invada o patrimônio bancário do consumidor e satisfaça o seu crédito, o que é bem diferente de contratar um mútuo e permitir o desconto autorizado das prestações contratadas". 

A diferença que se percebeu na interpretação e aplicação da súmula 603 do STJ e que não havia diferenciação entre conta salário e conta corrente, além de não ficar claro se o desconto foi autorizado pelo consumidor e quais encargos estariam sendo cobrados sem falar que o consumidor também poderia como mencionado no acórdão usar da prerrogativa do artigo 3º da Resolução nº 3.695/2009 do Conselho Monetário Nacional para cessar o desconto, senão vejamos: 
"Art. 3º É vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósitos e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente. (Redação dada pela Resolução nº 4.480, de 25/4/2016.) 
§ 1º A autorização referida no caput deve ser fornecida por escrito ou por meio eletrônico, com estipulação de prazo de validade, que poderá ser indeterminado, admitida a sua previsão no próprio instrumento contratual de abertura da conta de depósitos. 
§ 2º O cancelamento da autorização referida no caput deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira do pedido pertinente. "
Desse modo, os descontos realizados com a finalidade de amortização de dívida autorizado pelo consumidor constitui exercício regular do direito da instituição financeira não se constituindo um ato ilícito que obrigue a instituição a devolver valores e a indenizar o consumidor por danos morais, como decidido pela Segunda Seção do STJ no REsp nº 1555722/SP, situação em que uma consumidora teve os valores retidos em sua conta corrente de verbas decorrentes de rescisão de contrato de trabalho para o pagamento de parcela de empréstimo por ela autorizado, negando a restituição dos valores e a reparação por danos morais a consumidora. 

Em síntese, pela dificuldade de interpretação do enunciado foi cancelada a súmula 603 do STJ, no julgamento do REsp nº 1555722/SP, conforme artigo 125, §§ 2º e 3º, do regimento interno do tribunal. Assim, o consumidor deve ficar atento se autorizou ou não a retenção para pagar o empréstimo e caso tenha autorizado e assim não queira deve solicitar o cancelamento, uma vez que se consolidou o entendimento de que "é lícito o desconto em conta corrente bancária comum, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado, sem que o correntista, posteriormente, tenha revogado a ordem". 

*FELIPE OLIVEIRA DE JESUS














Advogado inscrito na OAB/SP sob nº 330.434;
-Atua principalmente nas áreas do Direito do Consumidor, Cível e Trabalhista e
- É escritor de artigos para sites e blogs jurídicos. 

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terça-feira, 2 de abril de 2019

A Flexibilização das Relações de Emprego e a Indústria 4.0


Autora: Palloma Parola Del Boni Ramos(*)


Assim como em outros países, o Brasil incorporou a chamada agenda de modernização trabalhista, à base de desregulação e flexibilização das relações de emprego, isto é, reduções de garantias e proteções, sob o fundamento da possibilidade de novos postos de trabalho. 

Essa situação nos permite refletir sobre o impacto da tecnologia nas relações de emprego, pois a tendência em termos mundiais, caracteriza pela substituição de diferentes categorias de trabalho. As categorias em que os estudos se referem, sobrepõem aquelas que envolvem o trabalho mecânico, repetitivo e o manual de precisão que, atualmente já estão sendo substituídos pela automatização, o fato é que outras categorias poderão seguir o mesmo caminho, com a capacidade de criação tecnológica crescendo exponencialmente. 

O fato é que esta tendência parece criar cada vez menos postos de trabalho, contribuindo para uma competição mais acirrada entre profissionais e, consequentemente o aumento da desigualdade social. Caberá aos países implementar ações efetivas no sentido de evitar o desemprego em massa. 

Dito isto, percebemos que os países que aderiram a modernização trabalhista, utilizaram como fundamento a criação de postos de trabalho (Ex: Brasil, Portugal), porém, com a tendência tecnológica existente na denominada Quarta Revolução Industrial, há de se analisar a eficácia de tais medidas na efetiva criação de postos de trabalho. É que na realidade, a mão de obra está sendo rapidamente substituída pela tecnologia, diferentemente das anteriores Revoluções que ocorreram mais lentamente. 

O fato que este cenário contribui para a derruição dos direitos trabalhistas, como por exemplo, alterações dispostas na Lei 13.467/2017 ( denominada pela doutrina por Reforma Trabalhista), em que possibilita flexibilização de alguns direitos. 

Como exemplo, a Constituição Federal de 1988, no Capítulo II - Dos Direitos Sociais, regulamenta no artigo 7º, os direitos de trabalhadores urbanos e rurais, sendo considerado pela Doutrina majoritária, como Cláusula Pétrea, ou seja, não seria possível medidas tendentes a abolir ou diminuir tais direitos.

Entretanto, observamos que a Reforma Trabalhista proporcionou alteração mais significativa no tema duração do trabalho, já que o inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, dispõe do seguinte texto: "duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, sendo facultada a compensação de horário ou a redução de jornada mediante acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho." 

No texto Constitucional, a palavra "acordo" está solta, possibilitando inúmeras interpretações, como por exemplo, pela possibilidade de validação do acordo individual, além do coletivo. Nessa conjectura, as alterações inseridas pela Lei 13.467/2017, no artigo 59 da CLT, cujo teor dispõe pela validação do acordo individual sobre duração diária de trabalho, flexibilizando por exemplo no § 5º, a pactuação de banco de horas, sem a necessidade de participação do Sindicato, desde que a compensação ocorra em até 06 (seis) meses. 

Outra situação preocupante, caracteriza-se pelo teor disposto no artigo 477 A da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017, pois equipara dispensas individuais com plúrimas ou coletivas, sem a necessidade de autorização sindical. Percebe-se outra forma de flexibilização no sentido de permitir livremente grandes corporações em dispensar milhares de empregados, descaracterizando o fundamento de criação dos postos de trabalho e, em sentido oposto caminhando em atender a revolução tecnológica que vivenciamos: provoca todos os dias a substituição do trabalhador no mercado de trabalho pela tecnologia. 

Enfim, consideramos que a Reforma Trabalhista possui natureza jurídica de flexibilização, cuja intenção segundo noticiado seria pela criação de novos postos de emprego. O fato é que estamos vivenciando um avanço tecnológico sem precedentes e, podemos considerar este como um dos fundamentos do alto nível de desemprego, cuja tentativa de reverter a situação se deu pela alteração legal, no sentido de flexibilizar as relações jurídicas existentes entre empregado e empregador, ao mitigar o protecionismo da parte hipossuficiente desta relação. 

Entretanto, observamos que esta flexibilização não criará novos postos de emprego,  posto que a possibilidade de criação do banco de horas por acordo individual terminará com o empregador imputando maior número de horas extraordinárias ao empregado e contribuindo para que diminuam oportunidades no mercado de trabalho. 

Do mesmo modo, não evitará dispensas motivadas pela substituição da força de trabalho humana pela tecnologia. 

*PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS



















-Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - 2014;
-Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - 2016;
-Cursando Extensivo Trabalhista no Damásio Educacional;
-Assessora da Presidência da 5ª Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil;
- Autora de diversos artigos  e teses jurídicas;
Atualmente atua como  Coordenadora da área trabalhista do escritório Delboni Ramos.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 1 de abril de 2019

Assistência Social Durante e Após o período Eleitoral: Regramento jurídico para o Legislativo




Autora:Lilian Renny Fernandes(*)
1 - Introdução:

A prestação de assistência social durante o período eleitoral, por parte do candidato ou à sua ordem, é, notoriamente, uma conduta vedada em lei, art. 41-A da Lei n.º 9.504/97, tipificada como captação ilícita de sufrágio.

O questionamento que surge é: Como essa mesma conduta é disciplinada após eleito. Qual o regramento jurídico no transcurso do exercício do mandato parlamentar? São questões a serem elucidadas no presente artigo.

Palavras-Chave: assistência social. Período eleitoral. captação ilícita de sufrágio. Conduta vedada em lei.

2 – Constituição Federal:

O texto Constitucional, em seu primeiro artigo, traz expressamente que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Em diversos Títulos e Capítulos da Carta Magna é possível identificar direitos, garantias e ferramentas para que a Democracia não fique apenas no plano da abstração, e, sim, formalmente aplicada e vivenciada por seus cidadãos.

A Constituição Federal nos assegura direitos políticos, os quais garantem o exercício do sufrágio universal, pelo voto direto e secreto.

Portanto, o pleno exercício da democracia também tem relação com o voto livre e o convencimento do eleitor por meio da divulgação de planos, ideias e ideais políticos, livre do oferecimento de qualquer vantagem pessoal.

"Para implementação do jus sufragii a Justiça Eleitoral procede desde o alistamento eleitoral até a expedição de diplomas ao candidatos eleitos. Esta Justiça especializada prepara, realiza e apura as eleições mediante: alistamento eleitoral; registro e cassação de registro de candidaturas; julgamento de impugnações de registros partidários ou de candidaturas, e de arguições de inelegibilidade; julgamento dos crimes eleitorais; fiscalização da propaganda eleitoral; expedição de diplomas aos candidatos eleitos e o seu cancelamento. (CALIMAN, 2005, p. 44-45)"

A vedação ao oferecimento de vantagem, em troca do voto, está implícita no teor do art. 14 do texto constitucional: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei.” (BRASIL, 1988). 

Por ser a República Federativa do Brasil um Estado democrático de direito, consectário lógico é inferir que o voto seja exercício pleno da cidadania, livre de subterfúgios ilegais e amorais, como o oferecimento de vantagem indevida. 

Como veremos a seguir, tanto o texto constitucional quanto a legislação eleitoral, deixam claros que, a partir do registro da candidatura, até o resultado das eleições, é vedado a promoção do assistencialismo, ou seja, distribuição gratuita de bens e serviços de caráter sociais.

Entretanto, podemos interpretar que, após eleito, no caso específico do legislativo, a prestação do assistencialismo no transcurso da legislatura é livre até que impere o próximo período eleitoral? É o que pretendemos elucidar, nos próximos parágrafos, com estudo conjunto da Legislação eleitoral e da jurisprudência.

3 – Legislação Eleitoral:
Com vistas a disciplinar o art. 14, da Constituição Federal de 1988, foi editada, e entrou em vigor em 30 de setembro de 1997, a Lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições.

Mesmo sendo uma lei extensa e com definições gerais bastante precisas, não seria crível que pudesse apresentar respostas satisfatórias para toda e qualquer situação que se apresentasse, tendo em vista a complexidade e a dinâmica da temática eleitoral no Brasil.

Não por acaso o legislador decidiu manter no corpo da Lei, dispositivo que confere ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o poder de baixar atos administrativos que pudessem explicitar e operacionalizar as determinações nela contidas.

"Art. 105.  Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos." (BRASIL, Lei 9.504/1997, de 30 de setembro de 1997).

Conforme disposto no art. 92 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral é um órgão de jurisdição especializada, integrante do Poder Judiciário, a qual compete à organização do processo eleitoral.

Nos artigos 22 e 23 do Código Eleitoral, estão dispostas as competências judiciais do Tribunal Superior Eleitoral. O Código Eleitoral, em seu art. 1º e art. 23, IX, atribui ao TSE poder para regulamentar matéria de competência do órgão colegiado que as instituiu, o que possibilita a criação de situações gerais e abstratas, por meio de resoluções, com a finalidade de assegurar a execução das leis eleitorais.

Segundo José Jairo Gomes (2012), a resolução é um "ato normativo emanado de órgão colegiado para regulamentar matéria de sua competência" (GOMES, 2012, p. 68).

Assim, todas as vezes que é provocado a se manifestar sobre fato controverso ou indefinido ou mesmo na proximidade dos pleitos eleitorais, o TSE edita Resoluções com o intuito de estabelecer parâmetros, com o objetivo de tornar mais transparente e conferir maior segurança jurídica e lisura às eleições.

O regramento acerca da captação ilícita de sufrágio está disciplinado no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, o qual tipifica a conduta denominada compra de votos, que consiste em oferecer vantagem pessoal para o eleitor em troca do voto. Nesse sentido:

"A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das seguintes condutas: doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, b) fim específico de obter o voto do eleitor, c) atestar a evidência de dolo ou por meio de violência ou grave ameaça, d) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato. (AGRA, 2018, p. 229)"

Depreende-se do sentido da norma que a caracterização da captação ilícita depende da concomitância dos seguintes requisitos: prática de uma das condutas expressas no art. 41-A da Lei n.º 9.504/1997 e a finalidade de obter o voto do eleitor. A essência dessa vedação é a assegurar a liberdade de voto e o livre convencimento do eleitor. (AGRA, 2018).

O texto do art. 41-A da Lei n.º 9.504/1997 é taxativo quanto ao lapso temporal de aplicabilidade da proibição das condutas: desde o registro da candidatura até o dia da eleição. Nesse período fica vedado doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública.

Durante o período eleitoral o objetivo perseguido é o convencimento do eleitor. Entretanto, deve ser observado o regramento jurídico competente, o qual impõe limites éticos e legais com fins de manter a lisura, o equilíbrio e a equidade entre os candidatos, e a preponderância da vontade soberana do eleitor. Bastando, para caracterizar o ilícito, a promessa de vantagem. A concretização do fato consubstancia o ato, não sendo requisito de prova da prática.

"À incidência da norma basta a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza. A entrega ou a consumação do benefício prometido apenas qualifica o fato ilícito, vez que a prova da sua ocorrência fica mais facilitada. [...] A vantagem pessoal oferecida ao eleitor pode ser de qualquer natureza: dinheiro, bicicletas, lotes de terreno, vestido de noiva, feira, cheque, cestas básicas, dentadura, sapatos, panelas etc. além de bens materiais, vantagens imateriais como cargo ou emprego, público ou privado, ensejam a sanção prevista de perda do registro de candidatura. (COSTA, 2016, p. 259)"

O tema também é tratado no Código Eleitoral, Lei nº 4.737/1965, que tipifica, em seu art. 299, como crime a compra de votos, prevendo pena de prisão de até quatro anos para aqueles que oferecem ou prometem alguma quantia ou bens em troca de votos.

Em suma, a vantagem oferecida é aquela individualizada. Conforme o parágrafo primeiro da Lei n.º 9.504/1997, para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Vantagem indevida oferecida de forma coletiva, como doações de cestas básicas ou materiais de construção, poderá ser enquadrada em abuso do poder político ou econômico, também disciplinado na Lei n.º 9.504/1997, lei das eleições. Nesse sentido expressa o Tribunal Superior Eleitoral:
"RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PRELIMINARES. AFASTADAS. MÉRITO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. POTENCIALIDADE. PROVIMENTO. 1. Apontamento pelo Ministério Público do fato de terem sido apreendidas quinze cestas básicas na residência de um cabo eleitoral do candidato, que seriam distribuídas a eleitores. 2. Apreensão ocorrida no Município de Rio Branco, onde o candidato obteve alta concentração de votos (77,30%), de um total de 3.304 votos. 3. O abuso do poder econômico foi reconhecido por decisão deste Tribunal (RO nº 741, rel. Min. Gomes de Barros, julgado em 22.2.2005). 4. Verifica-se a potencialidade da conduta e o consequente comprometimento do processo eleitoral. 5. Recurso provido para, nos termos do art. 262, IV, do Código Eleitoral, invalidar o diploma expedido em nome de Roberto Barros Filho. (Recurso contra Expedição de Diploma nº 616, Acórdão, Relator(a) Min. José Delgado, Publicação:  DJ - Diário de justiça, Data 23/08/2006, Página 107)" (grifo nosso)

Portanto, a legislação eleitoral deixa clara que, a partir do registro da candidatura, até o resultado das eleições, é vedado a promoção do assistencialismo. Quanto às doações e o assistencialismo prestado após eleito para o legislativo, durante os quatro anos da legislatura, a norma é silente.

4 – Jurisprudência:

A jurisprudência do Tribuna Superior Eleitoral é uníssona quanto à definição do termo inicial e final de aplicabilidade do art. 41-A da Lei n.º 9.504/1997, data em que o registro da candidatura é requerido, até o resultado da eleição:

"Representação pela prática da conduta vedada pelo artigo 41-A da Lei n.º 9.504, de 1997. Cassação de registro. Termo inicial do interregno previsto na norma indicada. Finalidade eleitoral necessária para caracterização da conduta punível. 1. O termo inicial do período de incidência da regra do artigo 41-A da Lei n.º 9.504, de 1997, é a data em que o registro da candidatura é requerido, e não a do seu deferimento. 2. Para a caracterização de conduta descrita no artigo 41-A da Lei n.º 9.504, de 1997, é imprescindível a demonstração de que ela foi praticada com o fim de obter o voto do eleitor.
(Recurso Especial Eleitoral nº 19229, Acórdão de, Relator(a) Min. Fernando Neves, Publicação:  DJ - Diário de justiça, Volume  1, Data 05/06/2001, Página 111)" (grifo nosso)

Gesto filantrópico durante o período eleitoral, com a finalidade de captação de votos, é conduta vedada na Lei n.º 9.504/1997, caracterizada, quando praticada forma coletiva, como abuso do poder econômico. Não pode o candidato se valer da posição ocupada para criar vínculo político com o eleitor, condicionando a prestação de serviços comunitários ao compromisso do voto nas urnas.

"RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. ASSISTENCIALISMO. CENTRO SOCIAL. FINALIDADE ELEITOREIRA. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA GRAVÍSSIMA. DESEQUILÍBRIO. LEGITIMIDADE DO PLEITO. PARIDADE DE ARMAS. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. NÃO COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada pelo Parquet em desfavor de Francisco dos Santos ("Chico Borracheiro") - suplente de Deputado Federal nas Eleições 2014 e, antes, Vereador de Duque de Caxias/RJ eleito em 2012 - por supostos abuso de poder econômico e político (art. 22, caput, da LC 64/90) e compra de votos (art. 41-A da Lei 9.504/97). Alega-se que o candidato valeu-se do cargo de vereador e, ainda, do centro social Entidade Luz do Amanhã Criança Esperança (ELACE), por ele fundado, para alavancar sua candidatura, oferecendo inúmeros serviços gratuitos, em especial médicos, a milhares de pessoas, e distribuindo material publicitário da instituição em conjunto com santinhos referentes ao cargo em disputa, de forma a associar seu nome aos trabalhos em favor da comunidade. [...] Assim, mantém-se o aresto regional na parte em que afastou ocorrência do ilícito do art. 41-A da Lei 9.504/97.  Recurso ordinário provido em parte para cassar o diploma de suplente de deputado federal de Francisco dos Santos e declarar sua inelegibilidade por oito anos por abuso de poder econômico e político. (Recurso Ordinário nº 800319, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19/12/2018). "(grifo nosso)

A jurisprudência encontrada que conecta: exercício do cargo legislativo, reeleição e abuso de poder ou captação ilícita de sufrágio, tem repercussão na conduta praticada no período compreendido entre o registro da candidatura e a data da eleição. Deixando claro que o uso do cargo político para deturpar a livre vontade do sufrágio do eleitor é conduta vedada pela Lei n.º 9.504/1997. Quanto a prática das condutas vedadas após eleito e durante o exercício do mandato legislativo, não foi encontrada repercussão.

"RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. CANDIDATO A REELEIÇÃO. MANUTENÇÃO DE ALBERGUES. ASSISTÊNCIA GRATUITA. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PEDIDO DE VOTOS. PROVA.
POTENCIALIDADE. AUSÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A caracterização da captação ilícita de sufrágio exige a prova de que a conduta fora condicionada ao voto do eleitor, o que não ficou provado no caso dos autos.
2. O abuso do poder econômico decorrente da manutenção de albergues pelo recorrido não ficou configurado, tendo em vista a ausência da potencialidade lesiva.
3. Negado provimento ao recurso contra expedição de diploma.
(RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA nº 711, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Ribeiro, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 05/10/2009, Página 56)" (grifo nosso)

"RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. ASSISTENCIALISMO EM COMITÊ DE CAMPANHA. CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.
Histórico da Demanda [...] 2.  Alega-se que a recorrida, valendo-se do cargo de vereador e objetivando alavancar sua candidatura para deputada, distribuiu em seu comitê de campanha remédios e receituários e intermediou consultas, exames e cirurgias pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como contrapartida dos eleitores beneficiados a afixação de propaganda em suas residências. [...] 8.  Constitui abuso de poder político e econômico a atuação de vereadores que, se aproveitando de calamidade de sistema público de saúde, intermediam exames, cirurgias e entrega de remédios, visando angariar votos para pleito futuro. Precedente: REspe 319-31/RJ, redatora para acórdão Min. Luciana Lóssio, DJE de 31.3.2016. 9.  O ilícito é incontroverso e as circunstâncias são gravíssimas. O comitê de campanha da recorrida funcionou, no período de julho a setembro de 2014, como verdadeiro centro assistencialista para viabilizar benefícios ligados ao SUS (receituários, exames, cirurgias, remédios e consultas), a partir do uso de sua influência política como Vereadora, tendo como objetivo final eleger-se Deputada com os votos de quem a procurava. [...] 11.  Segundo a recorrida, sua irmã "administrava as atividades no local e recebia as equipes de campanha [...] para as atividades políticas" e, de outra parte, "os cadernos de anotações [...] evidenciam que a investigada, na
Qualidade de Vereadora [...], honra os votos recebidos, disponibilizando equipes para ouvir a população em seus reclames diários" (fl. 361). Em outras palavras, no mesmo lugar em que "honrava", mediante assistencialismo incompatível com o cargo, os votos recebidos no pleito municipal, a recorrida também fazia propaganda da eleição que se aproximava, associando sua pessoa às benesses e vindo assim a comprometer a lisura do pleito. 12.  A conduta em análise não possui nenhum liame com o exercício da vereança, cujas funções são de cunho apenas legislativo, deliberativo, fiscalizador ou julgador. O simples fato de serviços de saúde pública terem sido catalisados por agente político sem a devida competência legal, seja para administrá-los ou executá-los, denota desvio de finalidade. 13.  Nesse ambiente, em que tais serviços e atos de campanha se confundiam, sobreleva o intento de se construir vínculo político com os inúmeros eleitores que a procuravam, visto que, dos documentos apreendidos, constam 370
"autorizações para colocação de propaganda eleitoral em bem de propriedade particular" (fls. 48, 149 e 316) e 190 formulários intitulados "bate-papo 2014" com a seguinte pergunta: "você daria a Juliana do Táxi, Mulher, Jovem, no seu 2º mandato de Vereadora a oportunidade de ser Deputada Estadual de Duque de Caxias?" (fls. 48 e 318). 14.  É certo que a recorrida se apresentou como inequívoca porta de acesso para fruição de serviço de natureza pública, aferindo, ao fim e ao cabo, notórios dividendos eleitorais. O uso do cargo constituiu elemento distintivo ante os demais candidatos em condições normais de disputa. [...] 16.  Quanto à gravidade dos fatos, além de amplamente demonstrada pelas circunstâncias acima, tem-se notória confusão entre público e privado diante do uso de cargo político para alavancar candidatura a outro, aproveitando-se a recorrida da calamidade de sistema de saúde para obter votos da população carente (art. 22, XVI, da LC 64/90). Conclusão: 17.  Recurso ordinário provido para cassar o diploma de suplente de deputado estadual da recorrida e declará-la inelegível por oito anos por abuso de poder econômico e político, comunicando-se, com urgência, ao TRE/RJ. (Recurso Ordinário nº 803269, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 04/10/2016, Página 145)" (grifo nosso)

5 – Conclusão:

A Lei n.º 9.504/1997, art. 41-A e a jurisprudência determinam o lapso temporal em que as condutas vedadas têm repercussão no mundo jurídico, qual seja: desde o registro da candidatura até o dia da eleição. 

A prática destas mesmas condutas – doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública – após eleito, no transcurso do mandato parlamentar, mesmo com a intenção de captar e fidelizar o eleitor para o próximo pleito eleitoral em que pretenda reeleição, não encontra expressamente vedação legal e penalidade na seara eleitoral.

 É notório que o funcionamento parlamentar está diretamente ligado à busca por reeleição. A exemplo do estudo do autor David Mayhew (1974), que detectou que os Parlamentares buscam a reeleição como objetivo maior. Como não há vedação à reeleição para o Legislativo, a busca pela manutenção do cargo é uma realidade e figura como um dos primeiros objetivos entre os pares.

Portanto, mesmo que o assistencialismo praticado durante o exercício do cargo legislativo tenha futuro fim claramente eleitoral, por não estar compreendido no lapso temporal de incidência da norma, não repercutirá em penalidade expressa nos termos da Lei 9.504/1997. Por fim, salientamos que o assistencialismo ou os gestos filantrópicos têm relação com as atribuições do poder executivo, não estando ligados à essência do cargo legislativo, cujas principais responsabilidades estão vinculadas à elaboração de leis e à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração direta e indireta.

Referências:

AGRA, Walber de Moura. Manual Prático de Direito Eleitoral. 2 ed. Belo Horizonte: Forum, 2018;
 BORSANI, Hugo. Eleições e economia: Instituições políticas e resultados macroeconômicos na América Latina (1979-1998) / Belo Horizonte: Editora UFMG; 2003;
 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988;
 BRASIL, Lei 9.504/1997, de 30 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 22 de março de 2019;
 BRASIL, Lei 4.737/1965, de 15 de julho de 1965. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm>. Acesso em: 21 de março de 2019;
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Pesquisa Jurisprudencial. Disponível em: «http://www.tse.jus.br/jurisprudencia». Acesso em: 22 de março de 2019;
 CALIMAN, Auro Augusto. Mandato Parlamentar: Aquisição e perda antecipada. São Paulo: Atlas, 2005;
 COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 10 ed. Revista ampliada e atualizada de acordo com a LC n.º 135, de 2010, com a Lei n.º 13.165, de 2015 e com o Novo Código de Processo Civil (Lei Federal n.º 13.105, de 2015) – Belo Horizonte: Fórum, 2016;
 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012.
 MAYHEW, David R. Congress: The Electoral Connection. New Haven. Yale University Press. 1974.

*LILIAN RENNY FERNANDES














-Graduada em Ciências Jurídicas;
-Pós-Graduanda em:
  -Direito Tributário;
  -Processo Legislativo, pelo CEFOR – Centro de Formação da Câmara dos Deputados;
- Aluna especial do curso de Mestrado Profissional em Poder Legislativo, do CEFOR Câmara dos Deputados; 
-Advogada inscrita nos quadros da OAB/DF e
- Assessora Parlamentar Legislativa com atuação na Câmara dos Deputados desde março de 1999.

Nota do Editor:

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