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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Filiação Socioafetiva: Pai/Mãe é quem cria






 Autora:Josane Albuquerque(*)


Os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana consagrados na Constituição Federal de 1988 afastaram definitivamente do nosso ordenamento a discriminação no tratamento dos filhos, vedando a distinção entre filhos adotivos e consanguíneos gerados ou não na constância do casamento. 

Nesse contexto, a família, que já apresentava significativas transformações em sua estrutura, proveniente de relações desfeitas e de novas relações constituídas, passou a valorizar o afeto como principal elemento de união de seus membros.

Nesse novo cenário familiar, os vínculos afetivos se tornaram tão importantes quantos os vínculos biológicos gerando um novo instituto jurídico de reconhecimento de paternidade/maternidade sem laços genéticos, baseado tão somente no amor existente entre pais e filhos: a filiação socioafetiva. 

Consoante esta interpretação, a doutrina e a jurisprudência consideram como fundamento para o reconhecimento da filiação socioafetiva (paternidade/maternidade) a posse do estado de filho e o vínculo social do afeto.

Diante disso, o nosso sistema jurídico passou a refletir a realidade das relações humanas, nas quais o afeto ocupa lugar de destaque e gera consequências jurídicas com força normativa, criando deveres e obrigações decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva.

Assim, não é o fator biológico que define quem é pai e nem uma gestação que define quem é mãe. É necessário muito mais do que um vínculo biológico para determinar a filiação. É preciso haver o exercício efetivo da paternidade/maternidade através do cuidado, do amor e da proteção dedicados aos filhos.

Nesse ponto podemos utilizar a máxima popular: pai/mãe é quem cria, ou seja, é aquele que ama, educa, protege e se dedica ao desenvolvimento sadio dos filhos, independentemente de haver ou não laços consanguíneos.

A legislação civil consagra esse entendimento em seu art. 1.593, quando determina que o parentesco pode ter outra origem além do consanguíneo, colocando os laços afetivos no mesmo patamar dos biológicos.

Com o intuito de regulamentar e facilitar o reconhecimento da filiação socioafetiva, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) editou o provimento 63, em 14 de novembro de 2017, que trouxe regras para o procedimento do registro extrajudicial da filiação socioafetiva.

Naquele momento, o provimento 63, de modo resumido, estabeleceu que poderia haver o reconhecimento de filiação socioafetiva de qualquer pessoa perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, sendo que os filhos maiores de 12 anos deveriam expressar seu consentimento.

Além disso, ficou determinado que: bastaria uma mera declaração dos interessados; que o requerimento deveria ser unilateral; que era necessário o consentimento do pai ou mãe biológicos.

Entretanto, considerando possíveis fraudes, especialmente nos casos que deveriam ser de adoção, e visando a segurança jurídica, o CNJ editou outro provimento, de nº 83, em 2019, alterando alguns dispositivos do provimento anterior.

Dentre as modificações, as mais relevantes são: a que determinou a possibilidade de registro de filiação socioafetiva apenas para filhos maiores de 12 anos; a necessidade de o registrador atestar a existência do vínculo socioafetivo; o encaminhamento do pedido ao Ministério Público para parecer. 


Assim, para os menores de 12 anos, o reconhecimento de filiação socioafetiva só poderá ser realizado pela via judicial.


De qualquer forma, seja pela via extrajudicial ou judicial, o mais importante é a possibilidade de reconhecimento da filiação socioafetiva na medida em que a legislação consagra o afeto como principal elemento formador da família.

No entanto, é importante salientar que a paternidade/maternidade socioafetiva pode ser reconhecida mesmo que conste na certidão de nascimento o nome do pai ou da mãe, bem como pode haver também o reconhecimento posterior de filiação biológica. 

Destarte, nosso ordenamento jurídico admite a possibilidade de coexistência simultânea de vínculo socioafetivo e biológico, o que configura o instituto da multiparentalidade.

A tese de multiparentalidade foi julgada pelo STF em sede de repercussão geral, que decidiu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseado na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios.

Portanto, de modo a atender o melhor interesse da criança e do adolescente, a doutrina e a jurisprudência ampliaram a tutela normativa, reconhecendo que “pai/mãe é quem cria, ama e educa” ao considerar o afeto como fator determinante para o reconhecimento da filiação socioafetiva.

*JOSANE HOEHR LANDERDAHL DE ALBUQUERQUE













 -Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1999);
-Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina;
-Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção do Distrito Federal sob o nº 16.206;
-Exercício da advocacia na Justiça Federal, Justiça Comum e Juizado Especial nas áreas de Direito Civil, especialmente em Direito de Família e Direito do Consumidor;
Idioma: inglês e

-Advogada Sócia do Escritório Freitas, Landerdahl & Advogados Associados desde a sua fundação.

 Nota do Editor:

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