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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

O Combate às Fake News no Processo Eleitoral e sua Eficácia Prática


Autora: Alice Cintra(*)


"Notícias falsas (sendo também muito comum o uso do termo em inglês fake news) são uma forma de imprensa marrom que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisãorádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. Este tipo de notícia é escrito e publicado com a intenção de enganar, a fim de se obter ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção."[1]
Embora as fake News sempre tenham existido, e as suas consequências transbordem a seara eleitoral, elas passaram a ter maior notoriedade após a campanha para eleição de Donald Trump em 2016, quando as pesquisas sinalizaram uma influência direta das fake news nas eleições norte americanas.

As últimas eleições presidenciais de 2018 aqui no Brasil também acabaram marcadas pela grande disseminação de notícias falsas que foram criadas com o objetivo de manipular a massa e, com isso, decidir quem chegaria ao poder.

Desde então, têm sido apresentados inúmeros levantamentos sobre os prejuízos que as fake news causam à democracia e à necessária lisura do processo eleitoral, chegando a ficar evidenciada em manchetes de todo o mundo a existência de departamentos próprios especializados na criação e propagação de informações inverídicas, o que acabam por culminar com beneficiamento ilícito de alguns candidatos com a divulgação dessas notícias falsas na internet.

Mas o que será que podemos esperar para as eleições municipais que ocorrerão nesse ano de 2020? Será que as medidas adotadas pelo TSE e pelas grandes empresas mundiais serão suficientes?

Sem dúvida, o ano de 2020 será um divisor de águas em todo o Processo Eleitoral no Brasil. Ao mesmo tempo em que surgem diversas medidas legais e administrativas focadas no controle de disseminação de falsas notícias, surgem as novas regras de distanciamento social que o COVID-19 impõe, e a campanha eleitoral há de se tornar ainda mais virtual do que em anos anteriores, com uma maior quantidade de dinheiro despejada nos meios eletrônicos e no uso de redes sociais.

Fato é que diante da pandemia causada pelo novo corona vírus as eleições deste ano de 2020 chegam sobrecarregadas de obrigatórias e desconhecidas inovações, gerando um desafio aos candidatos, ao judiciário e à população. 

A internet possibilita que as notícias se espalhem de forma cada vez mais rápida, e as mídias sociais potencializam ainda mais esse processo, possibilitando que notícias alcance milhares de pessoas em todo o mundo em questão de minutos. Ora, no caso de eleições municipais a divulgação de notícias falsas é crucial e determinante no resultado do pleito.

A prática de fake news para fins eleitorais foi criminalizada ano passado. O Congresso aprovou Lei nº 13.834/2019, cujo art. 2º acresceu o art. 326-A ao Código Eleitoral, tipificando o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.
"Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: 
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. 
§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. 
§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. 
§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou o fato que lhe foi falsamente."
Pela redação incorrerá nas mesmas penas do caput quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

Importante sinalizar que a partir de agora tanto o eleitor como o candidato serão obrigados a verificar as informações que irão compartilhar e divulgar em suas plataformas digitais.

Pela Resolução nº 23.610 de 2019 emitida pelo TSE que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral para as eleições de 2020, fica ainda o próprio candidato responsabilizado pelas informações veiculadas, ainda que divulgadas por terceiros, vide:

"Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiros, pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se os responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal."
Mas até que ponto todas essas inovações terão eficácia? Diferentemente do direito de resposta comumente utilizado nos horários gratuitos na televisão, na divulgação de fake news através de mídias e redes sociais da internet não se tem como delimitar a proporção inicialmente atingida, e, muitas vezes, sequer tempo hábil.

Ainda que a prestação jurisdicional eleitoral seja rápida, a mesma se torna por vezes ineficaz diante da velocidade de propagação de notícias na internet e dos mecanismos virais de replicação das mesmas.

Ou seja, o direito de resposta seria apenas um minimizador, mas muito longe de solucionar o problema das fake news.

Há que se falar também do disposto no art. 57 – H §1º da Lei das Eleições:
"§ 1º Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$15.000,00 (quinze mil reais) a R$50.000,00 (cinquenta mil reais). 

§ 2º Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1º."

Observe que a legislação acima colacionada tenta evitar justamente o que chamamos de profissionalização das fake news, que seria a organização de pessoas ou a contratação delas, com o objetivo de divulgas ofensas à honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação.

Note que apesar de todas as inovações legais e das regulamentações feitas pela Justiça Eleitoral, o combate às disseminações de notícias falsas ainda é muito preliminar.

Dentre todas as legislações que combatem as chamadas Fake News, talvez essa que criminaliza a sua profissionalização seja a que represente maior eficácia na prática.

Outra medida adotada para essas eleições que se aproximam, foi a determinação de que os impulsionamentos de mensagens nas redes sociais seja restrito a candidatos e partidos políticos, restando vetado às pessoas físicas.

O TSE adota postura firme ao ratificar o papel da Justiça Eleitoral em assegurar a prevalência da democracia no Brasil, e, por isto, a grande preocupação da Corte com campanhas de desinformação e ódio na internet.

Para o Ministro Barroso "as mídias sociais, as plataformas de internet, os veículos de imprensa e a própria sociedade são os principais atores no enfrentamento da desinformação"[1], uma vez que a Justiça Eleitoral, apesar de exercer papel importante, o mesmo é residual no enfrentamento das fake news, não possuindo o judiciário nenhuma intenção de se tornar censor da liberdade de expressão das pessoas.

Lógico que aquele que se utiliza da liberdade de exprimir-se para produzir ou compartilhar notícias enganosas incorre na prática de crime, pois ultrapassa o limite do permitido, e este uso indevido e prejudicial de um direito tão sagrado deve ser rigorosamente punido, seja para servir de correção, como também para ter um efeito pedagógico.

Entretanto, a verdade é que sempre estaremos longe de combater quaisquer malefícios da desinformação sem um extenso investimento na educação e desenvolvimento intelectual de uma sociedade. Voltamos ao que sempre deveria ter sido o foco dos nossos representantes, e que talvez seja a única solução viável e a longo prazo, que é o investimento na formação de pessoas com potencial análise crítica.

Estamos colhendo já há algum tempo as consequências da alienação, muitas vezes proposital, de um povo, cujos governantes consideraram plausível manter carentes de raciocínio lógico e intelectualmente incapazes de formarem as próprias opiniões. Não seria demais exigir desse mesmo povo o necessário discernimento para reconhecerem uma notícia verídica ou não?

Conclusão: diante dessas medidas coercitivas no combate às disseminações de fake news em massa, as mesmas ainda são falhas quando comparadas com o poder e velocidade de replicação das notícias na internet. Estamos na iminência das Eleições 2020, com possibilidade de serem altamente contaminadas por fake news, principalmente por possuírem abrangência Municipal, nas quais o poder de disseminação das notícias falsas causa um impacto ainda maior se comparada às eleições a nível Federal, por exemplo. Ou seja, ficaremos à espera do posicionamento dos Tribunais Superiores nas ações já em curso nas quais discutem as fake news das últimas eleições, e a possível cassação da Chapa do Presidente Bolsonaro e seu vice.

Será que os partidos de esquerda manterão os mesmos posicionamentos sobre a cassação após as eleições municipais deste ano?

Mas essas serão cenas do próximo capítulo!!

REFERÊNCIA


* ALICE CINTRA - OAB/BA nº 26.324
















-Graduada em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS-2007);
- Pós graduação em Processo Civil pela Faculdade Bahiana de Direito (2014);
- Especialização em Direito Eleitoral pela Fundação Cesar Montes (FUNDACEM) em parceria com o TRE/BA(2009:
- Instagram: @alicecintra

Nota do Editor:

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