Autor: Marcelo Bachi Costa(*)
O Código Civil Brasileiro, dispondo sobre o Regime de Comunhão Parcial de Bens, aduz no artigo 1.659 o seguinte:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
(...)
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.
A norma acima enumera bens incomunicáveis na comunhão parcial por se tratar de bens particulares de cada cônjuge.
O inciso VI é tema constantemente debatido na comunidade jurídica, comportando interpretações diversas, não sendo unânime a extensão da sua aplicação.
A priori, da interpretação literal do inciso VI pode-se extrair que os proventos do trabalho pessoal de cada um, como salário e aposentadoria, por exemplo, são incomunicáveis.
Quem interpreta extensivamente a norma considera que os bens adquiridos com os proventos do trabalho não se comunicariam porquanto fruto do trabalho de cada um. Interpretando-a extensivamente, data venia, estaríamos esgotando o instituto da comunhão parcial porque quase todos os bens do casal seriam incomunicáveis.
Outra parte da doutrina interpreta a norma no seguinte sentido: se a renda foi convertida em patrimônio e os bens forem adquiridos na constância do convívio em comum, antes portanto da ruptura do casal, irão se comunicar. Em verdade é isso que dispõe o artigo 1.658 do Código Civil. E se existirem dúvidas, é plausível que os bens adquiridos durante o vínculo sejam comunicáveis.
A par dessa situação, o STJ tem posição no sentido de que o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do vínculo conjugal, mas se as verbas forem efetivamente percebidas, elas se transformam em bem comum do casal, passando a ser comunicáveis. (vide STJ, AgRg no Resp 1.143.642/SP).
É por isso que as verbas trabalhistas pleiteadas durante o vínculo conjugal, ainda que a sentença final se dê após o divórcio do casal, devem ser comunicados para fins de partilha.
Com base nessa premissa, os valores retroativos recebidos de aposentadoria do Regime Geral de Previdência, ainda de após a separação do casal, mas que o fato gerador se deu durante a convivência, deverá ser igualmente partilhado no limite correspondente ao período em que vigia o convívio mútuo sob o regime da comunhão parcial de bens.
Esse foi o posicionamento da Terceira Turma do STJ que reformou acórdão do TJRS que empossou entendimento de que verbas decorrentes de ações previdenciárias no regime de comunhão parcial não poderiam ser partilhadas.
O caso concreto se referia a uma ação de sobrepartilha em que a mulher pediu que a verba de aposentadoria recebida pelo ex-marido de forma retroativa deveria ser partilhada porque a demanda previdenciária foi ajuizada durante o casamento, portanto o recebimento se referia ao período em que estavam casados. Os juízos de 1º e 2º graus do TJRS decidiram pela incomunicabilidade, porém a Ministra Nancy Andrighi entendeu que a incomunicabilidade geraria "injustificável distorção".
"Tal qual nas
hipóteses de indenizações trabalhistas e de recebimento de diferenças salariais
em atraso, a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma
injustificável distorção, em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens
reservados, frutos de seu trabalho, e o outro não poderia tê-los porque
reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho", afirmou Nancy
Andrighi. (notícia do site do IBDFAM, de 17/08/2020)".
Assim, a exemplo do que ocorre nas várias decisões do STJ referente a partilha das verbas trabalhistas, o recebimento do benefício previdenciário de aposentadoria deverá ser partilhado se a verba corresponder ao período de convivência do casal, unidos sob o regime da comunhão parcial de bens.
A conclusão que se tem com a decisão do STJ de que as verbas previdenciárias devem ser partilhadas se o regime é o da comunhão parcial de bens e o fato gerador se deu durante o convívio mútuo, como ocorre com as verbas trabalhistas, é que houve um avanço da interpretação do conturbado artigo 1.659, VI do Código Civil Brasileiro pois evitou-se um esvaziamento do instituto da comunhão parcial acaso a sua interpretação se desse de forma restritiva. Portanto, o direito ao recebimento não se comunica, porém no instante que houver a percepção efetiva da verba, passa a integrar o bem comum do casal, abrindo-se a possibilidade de partilha dos valores recebidos, desde que o fato gerador se deu durante o convívio mútuo.
*MARCELO BACCHI CORRÊA DA COSTA
-Formado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB (1999), em Campo Grande/MS;
-Especialista em Direito Público (2012);
-Especialista em Ciências Penais (2013);
-Advogado há 20 anos na cidade de Campo Grande/MS e região
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Nota do Editor:
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Bem esclarecedor o artigo publicado.
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