Autor: Erick Carrasco(*)
SumárioIntrodução;
1.O “Casamento à Distância”;
2.O Direito de Visitas Durante a Covid-19;
3.Pensão Alimentícia e a Covid-19
Conclusão
INTRODUÇÃO
O mês de dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, China, surge um novo vírus decorrente da família do coronavírus denominado SARS-CoV-2 que, transmitido de pessoa a pessoa, fez o mundo parar. Nunca se falou tanto em mudança e renovação como nos dias atuais.
No dia 30 de janeiro de 2020 a OMS declarou a doença causada pelo novo vírus, a tal COVID-19 como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. No dia em que este artigo foi escrito, 28 de agosto de 2020 já são aproximadamente 24.316.245 (vinte e quatro milhões, trezentos e dezesseis mil, duzentos e cinquenta e quatro) pessoas infectadas e 828.575 (oitocentos e vinte e oito mil, quinhentos e setenta e cinco) pessoas que faleceram[1].
Muito se discute, até os dias atuais, qual o melhor meio de conter o avanço da epidemia que tomou conta do globo em sua totalidade. Apesar de ninguém estar certo disso ainda, de uma coisa todos têm plena convicção: muita coisa mudou. A doença contribuiu, de certo modo, para que muitas coisas evoluíssem e isso em várias áreas distintas ao passo em que também causa imbróglios tanto na questão da saúde pública quanto em relação à economia de todo o globo.
Como exemplo de mudanças ocorridas vale citar até mesmo o Poder Judiciário. Os processos judiciais sempre foram tratados de modo arcaico. Apesar da "digitalização" dos processos judiciais estar cada vez mais em evidência, muita resistência ainda existe tanto por parte de advogados quanto por parte de serventuários e juízes. Fato é que, como explica ARNOUD (2014)[2] "em meados da década de 80 e 90 surgem os primeiros computadores e 20 anos depois, o poder judiciário está passando por uma revolução cultural na qual o processo passa a tramitar exclusivamente pela via eletrônica, tendo por fim processos mais céleres e acessíveis ás partes".
Apesar de tantas inconsistências ainda enfrentadas por advogados ao redor de todo o Brasil com a utilização dos programas que armazenam os processo judiciais que vão desde indisponibilidades do sistema até o fato de que não há padronização entre os sistemas (cada tribunal utiliza um programa diferente, a exemplo do TJMG e do TJSP), fato é que o programa tornou-se essencial em tempos de isolamento social.
Além disso, um outro fator que vinha sendo utilizado por um ou outro tribunal torna-se mais comum no presente: a aplicação das audiências virtuais. Apesar de que alguns juízes ainda não terem adotado essa nova realidade, seja por resistência ou seja por falta de estrutura, esta é uma realidade que veio para ficar. Um exemplo disto é a edição da Lei n. 13.994/2020 que alterou a Lei dos Juizados Especiais, Lei. 9.099/95, possibilitando a realização de audiências de conciliação virtuais nos juizados especiais cíveis e fez mais que isso. A lei obrigou a parte a comparecer à audiência sob pena de, não o fazendo, ser proferida sentença pelo Juiz Togado, nos termos do art. 23 da referida lei.
Neste sentido, em tempos onde a mudança passa representar uma palavra chave, onde a evolução passa a representar um anseio social mais visível, o Direito de Família, ramo do direito mais ligado às mudanças sociais, não poderia ficar de fora. Várias mudanças, mesmo que temporárias podem ser percebidas tanto positivas, quanto negativas.
1 –
O "CASAMENTO À DISTÂNCIA"
Apesar do isolamento social e da impossibilidade de aglomerações, um dos principais acontecimentos na vida de uma pessoa, a maior representação do amor e do desejo à vida em comum de um casal, os casamentos, não poderiam deixar de ocorrer. Pensando nisso, diversos tribunais ao redor do país passaram a adotar medidas para que o sonho não tivesse que ser adiado.
Tribunais de Justiça como o de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo passaram a autorizar a realização de casamentos online. Ainda que sejam medidas temporárias, os casamentos online têm atingido resultados satisfatórios. A título de exemplo cabe citar o TJMG que em abril deste ano iniciou o projeto-piloto em alguns cartórios da capital e algumas comarcas e em julho estendeu a autorização a todo o Estado.
Estas medidas abrem precedentes para que, posteriormente, cumprindo todos os requisitos legais, seja possível a realização de casamentos a distância, facilitando a vida dos noivos e reduzindo até mesmo o número de casamentos desmarcados por viagens de negócios, por exemplo.
2 – O
DIREITO DE VISITAS DURANTE A COVID-19
É cristalino o direito à convivência familiar da criança e adolescente, sendo este uma garantia constitucional prevista no art. 227, caput, da carta magna, sendo dever da família, da sociedade e do Estado garantir que este direito seja preservado.
Neste sentido, conforme ensina SUAREZ (2020)[3] "este direito de convivência é inarredável e somente ocorre seu afastamento pelo Judiciário em casos extremos e alicerçados na doutrina da proteção integral do infante, a qual preleciona que a preocupação central dos cuidadores ou genitores sempre deverá ser o atendimento ao melhor interesse da criança".
Em um evento sem precedentes como a atual pandemia causada pela COVID-19, é natural que discussões que, antes, pareciam de fácil solução se tornem discussões e, na falta do esperado bom senso, sejam levadas ao judiciário e uma destas questões é: como fica o direito de visitas durante a pandemia? O pai que detém a guarda pode impedir que o outro visite o filho apenas por medo de contágio?
Antes de se chegar a uma conclusão acerca das respostas, vale refletir que em ações envolvendo o direito das crianças e adolescentes sempre será observado o melhor interesse da criança, observando-se o princípio da proteção integral, implementada pela constituição e amplamente regulamentado pelo Estatuto da Criança.
Assim, cada caso deverá ser analisado em particular. A título de exemplo, valem ser citados dois casos. O primeiro caso ocorreu no Distrito Federal. No caso em voga, um pai pediu que o direito de visitação fosse suspenso alegando que vive com seus pais, idosos, e que, no deslocamento poderia ser infectado, colocando em risco a sua saúde e de seus pais. A mãe da criança manifestou-se contrariamente no sentido de que não houve alteração de fatos ou de direitos capazes de modificar o acordo de convivência paterna firmado anteriormente, o que foi acolhido pela magistrada em primeira instância.
Em sede de recurso, o pai voltou a se pautar na gravidade da doença e citou recomendação do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes visando impedir que crianças e adolescentes sejam submetidos a risco em decorrência das visitas ou período de convivência.
Neste sentido, o TJDF decidiu pela suspensão ao direito de visitação, entendendo que, diante de todo o fato narrado, tanto os pais do requerente quanto a criança estaria em risco, entendendo que, assim, o melhor interesse da criança estaria melhor resguardado[4].
Em outro caso, um juiz de primeira instancia da 2ª vara de Família e Sucessões de Jacareí/SP, por sua vez, negou um pedido de suspensão do direito de visitas, entendendo que no caso não havia elementos suficientes para a concessão do pedido e que a pandemia não poderias ser utilizada genericamente como fundamento para tanto[5].
Conclui-se que, tratando-se da possibilidade ou não da suspensão do direito de visitas durante a pandemia, dever-se-á observar caso a caso, analisando se há risco à integridade da criança e qual é o melhor interesse dela em cada situação.
3 –
PENSÃO ALIMENTÍCIA E A COVID-19
Além das questões sociais, outra questão que tem tudo a ver com a COVID-19 é a questão econômica. Segundo dados do IBGE[6], 44,8% (quarenta e quatro vírgula oito por cento) das empresas reportaram que a pandemia trouxe um efeito negativo. Além disto, o estudo ainda mostra que 13,5% (treze vírgula cinco por cento) reduziram o número de funcionários, sendo que, entre estas, 10,7% (dez vírgula sete por cento) reduziram em mais de 50% (cinquenta por cento) o número de funcionários.
Ainda conforme o estudo, 3,2 milhões de pessoas foi afastado do trabalho e deixaram de receber remuneração. Além disso, 30,1% (trinta vírgula um por cento) das pessoas empregadas tiveram redução em seus salários, sem contar o crescente número de desempregados.
Tendo em vista toda esta alteração fática vários devedores de pensão alimentícia correram ao judiciário visando reduzir ou até mesmo buscando a exoneração da obrigação. A questão principal é: como fica a questão de quem deve pensão face a pandemia que enfrentamos?
A resposta inicial é: nada mudou. "Mas como assim? Já vi vários casos em que a pensão foi alterada...". Sim, o que mudou foi o número de ações, conforme mencionado, já que a simples situação de desemprego ou a pandemia, por si só, não são fatos que exoneram ou ensejam a redução da pensão alimentícia.
Veja bem, dispõe o § 1.º do art. 1.694 do Código Civil que os alimentos devem ser fixados cotejando-se a necessidade de quem os reclama e a possibilidade de quem os prestará. A doutrina aponta ainda um terceiro critério: a proporcionalidade. Assim, para que haja a alteração da obrigação, é necessária que haja a modificação do status financeiro de alimentando e alimentado, conforme dispõe o art. 1.699 do Código Civil, arts. 13, §1º, e 15 da Lei 5.478/1968 e art. 505, inciso I, do CPC/2015.
A simples argumentação de que a pandemia prejudicou a economia global não é o bastante para que a redução do valor a ser pago seja reduzido, muito menos para que haja a exoneração da obrigação. O autor da ação revisional deve ser capaz de comprovar a efetiva alteração, o que só poderá ser analisado caso a caso, e com muito zelo.
Neste sentido, SILVA (2020)[7]
ensina que
As
mudanças causadas pela pandemia não ficam adstritas à condição financeira das
partes, mas, também, à mudança dos seus hábitos, o que impacta diretamente em
suas finanças. Por exemplo, durante este período, muitas visitas foram
suspensas, o que acaba atribuindo uma carga financeira maior ao genitor que
detém a guarda física do menor. Não somente: com a suspensão das aulas, gastos
ordinários com alimentação, água, luz, internet, serviços de streaming, etc,
possivelmente, sofreram certa majoração. Some-se a isso a ampliação do tempo
destinado ao menor e que é suportado exclusivamente pelo genitor detentor da
guarda.
Ao
revés, outros gastos ordinários podem ter sido reduzidos, como: combustível,
alimentação fora de casa, lazer, atividade física em academias particulares,
entre outras.
Assim, para além do fator econômico, será necessária a análise da real alteração fática da necessidade x possibilidade, analisando o juiz a proporcionalidade da real alteração para só assim decretar a revisão dos valores.
Cumpre lembrar a todos os devedores que não basta apenas uma notificação informal ao outro pai da criança que não tem condições de pagar o valor integral da obrigação alimentícia. É necessária uma decisão judicial para tanto. Do contrário, corre-se o risco de ser decretada a prisão cível do devedor ou serem penhorados tantos bens quanto bastem para preencher o valor da dívida.
CONCLUSÃO
Toda alteração brusca, em qualquer área da vida, traz consequências desconhecidas. Essas consequências podem ser positivas ou negativas. E não foi diferente com a COVID-19, que mudou a realidade de todo o planeta, em várias áreas, e, principalmente na social e econômica.
Aprender a conviver com as mudanças e se preparar para enfrenta-las, buscando absorver os ensinamentos por elas impostos é necessário e, muitas vezes, sozinho não se consegue.
O que resta a todos é buscar o conhecimento e os ensinamentos que a vida transmite todos os dias.
Ao Direito resta se adequar as realidades da sociedade e, por mais que essa adequação seja morosa, um dia tudo se acerta. Principalmente no que tange ao Direito de Família, várias alterações já foram observadas pela mudança da realidade e agora não é diferente.
Caberá aos legisladores e aplicadores do direito observarem estas alterações e aplica-las nas leis e em suas aplicações nos casos que surgirem para que o objetivo final do direito seja atendido: a busca pela pacificação social e pela ordem.
REFERÊNCIAS
[1] BRASIL; Folha informativa COVID-19 -
Escritório da OPAS e da OMS no Brasil; publicado em 28 de Agosto de 2020
[2] ARNOUD, Analu Neves Dias; Do Contexto
Histórico do Processo Judicial Eletrônico. 2014.
Disponível em
[3] SUAREZ, Gabrielle Gomes Andrade; A
suspensão do direito de visitas em tempos de coronavírus; publicado em 2 de
abril de 2020
Disponível em
[4] TJDFT; Justiça suspende visitas
paternas temporariamente para evitar disseminação do coronavírus; publicado em
abril de 2020.
[5] TJSP; Pandemia não pode ser invocada
genericamente para suspender visitas entre pais e filhos; publicado em 21 de
agosto de 2020.
Disponível em
https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=61955. Acesso em 28 de agosto de 2020.
[6] IBGE; Pulso Empresas;
Disponível em
https://covid19.ibge.gov.br/pulso-empresa/; Acesso em: 28 de agosto de 2020;
[7] SILVA, Pedro Paulo Rodriguez Guisande;
COVID-19 - Breves esclarecimentos acerca da ação revisional de alimentos
durante a pandemia; publicado em 8 de junho de 2020.
Disponível em
https://www.ibdfam.org.br/artigos/1474/COVID-19+-+Breves+esclarecimentos+acerca+da+a%C3%A7%C3%A3o+revisional+de+alimentos+durante+a+pandemia; Acesso em 28/8/2020.
*ERICK GONÇALVES CARRASCO
-Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM (2018);
-Advogado inscrito nos quadros da OAB/MG.
-Atualmente atua nas áreas do Direito Civil (Família, Sucessões, Contratos) e Direitos do Consumidor.
NOTA DO EDITOR :
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